Imagem: braziljournal |
(Domingo, 22/03, 00:15)
Desde segunda-feira estamos
em casa aquarentenados, por causa da disseminação do coronavírus. Pela manhã,
minha esposa e eu fomos até um supermercado nos abastecer de alimentos e
produtos de higiene. A lista era grande, mas logo nos demos conta de que seria
insuficiente, já que muitos produtos ficaram esquecidos e outros foram
erroneamente dimensionados.
Parece que todos no bairro tiveram a mesma
ideia: o supermercado estava cheio, com gente de toda idade enchendo seus
carrinhos de compra. Na hora de passar pelo caixa, brinquei com a atendente:
- Espero que não seja por
causa do coronavírus esse número assustador de pessoas, pois não será ele uma
invenção dos comerciantes para desovarem seus estoques?
Até quinta-feira, fiquei
acompanhando ansioso as notícias e os comentários nos grupos sociais. Chamou
particularmente atenção a fala do filósofo e historiador Yuval Noah Harari,
autor de ‘Sapiens’ e ‘Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã’: “Neste momento de crise, a luta crucial
ocorre dentro da própria humanidade. Se essa epidemia resultar em maior
desunião e desconfiança entre os seres humanos, será a maior vitória do vírus.
Quando os humanos brigam – os vírus dobram. Iremos percorrer o caminho da desunião
ou adotaremos o caminho da solidariedade global? Se escolhermos a desunião, a
crise não apenas se prolongará, mas provavelmente resultará em catástrofes
ainda piores no futuro. Se escolhermos a solidariedade global, será uma vitória
não apenas contra o coronavírus, mas contra todas as futuras epidemias e crises
que possam assaltar a humanidade no século XXI”.
Quando fui dormir, no entanto, não estava me
sentindo bem: experimentava uma sensação de sufoco, abafamento, motivada pelas
notícias e comentários alarmantes recebidos. A situação parecia apocalíptica,
com tendência a piorar de tal maneira que eu me via irremediavelmente condenado
à morte, ela que parecia estar batendo na porta, dizendo que estava chegando.
Foi então que pensei assim:
- Preciso dar um tempo para
essa avalanche de notícias desencontradas que estou recebendo. A partir de
amanhã, acho melhor me desligar do aparelho celular, fazer um filtro das
informações e dos comentários.
(Domingo, 22/03, 12:10)
Além das notícias
contraditórias, iria receber também muitas mensagens falsas e alarmistas.
Muitas pessoas não têm critérios para repassar informações; outras, parecem ter
prazer em espalhar falsidades e temor.
Também me incomodava o fato
de ter que compartilhar brigas entre aqueles que apoiam e aqueles que são
contra o governo que está aí. Sei que esse tipo de discussão é inútil no
momento, é só agressão. Eu iria ficar mais estressado ainda.
Na sexta-feira à noite, fiz
duas ligações telefônicas. Primeiro, falei com M*, um amigo com quem sempre
troco mensagens de “bom dia”. Precisava explicar para ele que iria me afastar
das redes sociais por um tempo. Ele entendeu as razões, dizendo que também
tinha a mesma ideia. Sobre ocupar o tempo, disse que estava fazendo tricô.
Lembrei-me do sobrinho Madurino Cruz que, por causa de um trauma, também se
dedicava a essa terapia ocupacional, além de ter longas conversas com a vaca
Mimosa, quando ia a um pasto perto de sua casa.
Depois, telefonei para meu
irmão. Para ele não disse das motivações políticas de meu afastamento. Vi que
ele abraçou com entusiasmo minha ideia, com a sensação de ter tirado um peso
sufocante das costas.
No sábado, liguei para minha
irmã A*. Conversando com sua filha J*, ela também confessou estar sufocada com
tanta informação e desinformação.
Na parte da tarde, foi a vez
de ligar para um amigo, o V*. Conversamos longamente, rimos bastante (estou
reconhecendo que uma das características de uma boa amizade é a sua capacidade
de nos fazer rir). Quando falei de minha decisão de moderar o ímpeto por
notícias e opiniões, V* disse que estava agindo certo. Sendo ele uma pessoa que não tem o
hábito de ficar muito em casa, sugeri uma série de filmes e séries da Netflix.
A relação é esta:
- Travelers (Ficção
científica) (S) - Viver Duas Vezes (Drama) (F) - Quatro Estações em Havana
(Policial) (S) – Black Mirror (Ficção científica) (S) - The Assassination of
Gianni Versace (Drama) (S) - Pose (Comédia) (S) – The Witness
(Supense/Policial) (S) Um Contratempo (Suspense) (F) – The Betchley Circle
(Policial) (S) – Segurança em Jogo (Policial) (S) – Retribution (Policial) (S)
– Outlender (Época) (S) – The Fall (Investigação) (S) – Privacidade Hackeada
(Documentário).
Disse que não estão
relacionados em ordem de preferência, devendo ser testados com os famosos cinco
minutos de tolerância.
V* disse que eu deveria
retomar as escritas para o blog. Quando estava no banho, achei que seria bom
realmente voltar a escrever. A questão era: seria capaz de retomar a produção
de texto depois do bloqueio provocado pelo “dedo em gatilho”?
Para ajudar a superar o
trauma, resolvi raspar por completo a barba que cultivava, antes de ir ao
encontro de Percilina Predillecta. Foi aí que me veio uma dúvida, que gostaria
que me ajudasse a esclarecer, amigo Leiturino: - Bunda de égua é bonita?
Estou perguntando isso porque
Percilina, ao ver meu rosto liso, falou:
- Puxa, Eleutério, você ficou
com a cara igual bunda de égua!
Etelvaldo Vieira de Melo