DIÁRIO DE UM QUARENTENADO (1)


CORONA EXPRESS: Retratos da vida em quarentena (terça, 17/3 ...
Imagem: braziljournal

(Domingo, 22/03, 00:15)

Desde segunda-feira estamos em casa aquarentenados, por causa da disseminação do coronavírus. Pela manhã, minha esposa e eu fomos até um supermercado nos abastecer de alimentos e produtos de higiene. A lista era grande, mas logo nos demos conta de que seria insuficiente, já que muitos produtos ficaram esquecidos e outros foram erroneamente dimensionados.

Parece que todos no bairro tiveram a mesma ideia: o supermercado estava cheio, com gente de toda idade enchendo seus carrinhos de compra. Na hora de passar pelo caixa, brinquei com a atendente:

   - Espero que não seja por causa do coronavírus esse número assustador de pessoas, pois não será ele uma invenção dos comerciantes para desovarem seus estoques?

Até quinta-feira, fiquei acompanhando ansioso as notícias e os comentários nos grupos sociais. Chamou particularmente atenção a fala do filósofo e historiador Yuval Noah Harari, autor de ‘Sapiens’ e ‘Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã’: “Neste momento de crise, a luta crucial ocorre dentro da própria humanidade. Se essa epidemia resultar em maior desunião e desconfiança entre os seres humanos, será a maior vitória do vírus. Quando os humanos brigam – os vírus dobram. Iremos percorrer o caminho da desunião ou adotaremos o caminho da solidariedade global? Se escolhermos a desunião, a crise não apenas se prolongará, mas provavelmente resultará em catástrofes ainda piores no futuro. Se escolhermos a solidariedade global, será uma vitória não apenas contra o coronavírus, mas contra todas as futuras epidemias e crises que possam assaltar a humanidade no século XXI”.

Quando fui dormir, no entanto, não estava me sentindo bem: experimentava uma sensação de sufoco, abafamento, motivada pelas notícias e comentários alarmantes recebidos. A situação parecia apocalíptica, com tendência a piorar de tal maneira que eu me via irremediavelmente condenado à morte, ela que parecia estar batendo na porta, dizendo que estava chegando.

Foi então que pensei assim:

   - Preciso dar um tempo para essa avalanche de notícias desencontradas que estou recebendo. A partir de amanhã, acho melhor me desligar do aparelho celular, fazer um filtro das informações e dos comentários.

(Domingo, 22/03, 12:10)

Além das notícias contraditórias, iria receber também muitas mensagens falsas e alarmistas. Muitas pessoas não têm critérios para repassar informações; outras, parecem ter prazer em espalhar falsidades e temor.

Também me incomodava o fato de ter que compartilhar brigas entre aqueles que apoiam e aqueles que são contra o governo que está aí. Sei que esse tipo de discussão é inútil no momento, é só agressão. Eu iria ficar mais estressado ainda.

Na sexta-feira à noite, fiz duas ligações telefônicas. Primeiro, falei com M*, um amigo com quem sempre troco mensagens de “bom dia”. Precisava explicar para ele que iria me afastar das redes sociais por um tempo. Ele entendeu as razões, dizendo que também tinha a mesma ideia. Sobre ocupar o tempo, disse que estava fazendo tricô. 

Lembrei-me do sobrinho Madurino Cruz que, por causa de um trauma, também se dedicava a essa terapia ocupacional, além de ter longas conversas com a vaca Mimosa, quando ia a um pasto perto de sua casa.

Depois, telefonei para meu irmão. Para ele não disse das motivações políticas de meu afastamento. Vi que ele abraçou com entusiasmo minha ideia, com a sensação de ter tirado um peso sufocante das costas.

No sábado, liguei para minha irmã A*. Conversando com sua filha J*, ela também confessou estar sufocada com tanta informação e desinformação.

Na parte da tarde, foi a vez de ligar para um amigo, o V*. Conversamos longamente, rimos bastante (estou reconhecendo que uma das características de uma boa amizade é a sua capacidade de nos fazer rir). Quando falei de minha decisão de moderar o ímpeto por notícias e opiniões, V* disse que estava agindo certo. Sendo ele uma pessoa que não tem o hábito de ficar muito em casa, sugeri uma série de filmes e séries da Netflix. A relação é esta:

- Travelers (Ficção científica) (S) - Viver Duas Vezes (Drama) (F) - Quatro Estações em Havana (Policial) (S) – Black Mirror (Ficção científica) (S) - The Assassination of Gianni Versace (Drama) (S) - Pose (Comédia) (S) – The Witness (Supense/Policial) (S) Um Contratempo (Suspense) (F) – The Betchley Circle (Policial) (S) – Segurança em Jogo (Policial) (S) – Retribution (Policial) (S) – Outlender (Época) (S) – The Fall (Investigação) (S) – Privacidade Hackeada (Documentário).

Disse que não estão relacionados em ordem de preferência, devendo ser testados com os famosos cinco minutos de tolerância.

V* disse que eu deveria retomar as escritas para o blog. Quando estava no banho, achei que seria bom realmente voltar a escrever. A questão era: seria capaz de retomar a produção de texto depois do bloqueio provocado pelo “dedo em gatilho”?

Para ajudar a superar o trauma, resolvi raspar por completo a barba que cultivava, antes de ir ao encontro de Percilina Predillecta. Foi aí que me veio uma dúvida, que gostaria que me ajudasse a esclarecer, amigo Leiturino: - Bunda de égua é bonita?

Estou perguntando isso porque Percilina, ao ver meu rosto liso, falou:

   - Puxa, Eleutério, você ficou com a cara igual bunda de égua!  
Etelvaldo Vieira de Melo

1 comentários:

Adriana disse...

Kkk.Que bom que está de volta☺️☺️

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