RINDO PRAS PAREDES: CAPITALISMO EM QUARENTENA

Imagem: Vanda Martins

Sem dúvida, o mais afetado pela presente pandemia do coronavírus foi o próprio sistema capitalista, nas suas vertentes de consumir e exibir.
Quanto ao consumo, por causa do confinamento, ficou restrito aos itens de comes & bebes (quase mais bebes do que comes), higiene pessoal e limpeza, além do vestuário básico (pijama, bermuda, camiseta-regata e chinelo havaiana).
Se o consumismo foi violentamente afetado, nem mesmo existe palavra para descrever o sentimento de dor diante da impossibilidade das pessoas se exibirem umas para as outras, ostentando suas posses, seja uma sandália Scarpin Valentino Rockstud (bagatela de R$1.415,50), seja um colar Life Rosé, da Vivara (R$1.050,00) ou um casaco com aplicação de tachas, da Moncler (em torno de R$12.362,00).
Não chegou ao meu conhecimento, mas fico imaginando que está nesse bloqueio da ostentação a causa da depressão das pessoas, levando muitas a boicotar as regras da quarentena. Na minha modesta visão, quando o gado de Bolsonaro sai pelas ruas e avenidas em carreata, mais do que em protesto contra os comunistas do Congresso e do Supremo, está mesmo é buscando pretexto para se exibir, ostentando seus carrões.
Não me eximindo do ‘mea culpa’, devo dizer que até mesmo eu estou sentindo uma carenciazinha de exibicionismo. Pouco antes da pandemia, lá pelo final de janeiro, comprei um moedor de café deveras chique. Meu sonho era poder exibi-lo para as visitas aqui em casa com um cafezinho moído na hora. Com o isolamento, a ideia acabou gorando, me deixando um gosto amargo de frustração, que não chega a ser amenizado nem quando preparo um café arábico, com grãos selecionados.
Hoje, em conversa com o mano Jovelino Floriano, o Jojó, ocorreu-me uma ideia de resgatar um pouco da nossa carência de ostentação. Ele havia me enviado pelo WhatsApp três fotos onde aparece sorrindo, junto com a seguinte mensagem:
- Eu tinha que compartilhar o grande acontecimento de minha vida, aos 74 anos: estou com a boca cheia de dentes... terminei hoje os implantes. Ufa! Aumenta as fotos para ver melhor...
Ela já havia me notificado, com outras fotos, as diversas etapas do processo de implante. Quando a parte superior ficou pronta, seu dentista avaliou:
-  Seu sorriso Leonardo di Caprio está pronto. Daqui a um mês, será a vez do sorriso Reynaldo Gianecchini.
- Agora, você vai rir à toa – falei, vendo finalmente sua boca cheia de dentes.
E acrescentei:
- Como não pode sair (e, quando sair, terá que usar máscara), sugiro produzir algumas “lives” pra mostrar seu novo e radioso sorriso. Pode até agendar um patrocínio comercial com seu consultório odontológico.
- Boa ideia – Jojó falou. – Quem diz que é só cantor que pode produzir “live”?
- Para não ficar tão ostensiva a exibição dos dentes novos, você pode pegar o violão e cantar algumas músicas, como “L’amour est bleu”, “Aline”, “Les Marionettes”, Luar do Sertão e outras, intercaladas por largos sorrisos. Ao fundo, você prepara um banner com a publicidade do dentista.
- Vou pensar na sugestão, Eleutério. O fato merece, realmente, uma “live”. Vou pedir o apoio do dentista.
- Pense com carinho na ideia. Além de sua coleção de corujas, você também poderá mostrar o Pedro, a Maria e o Roberto.
(Para quem não sabe, o Pedro é uma calopsita, Maria é uma tartaruga e o Roberto, um peixinho de aquário.)
- Jojó, você vai chegar no trending topic do Twitter quando mostrar o Pedro cantando o hino do Clube Atlético Mineiro. Vai arrebentar, quando a câmera acompanhar a Maria correndo atrás de você, querendo morder o dedão de seu pé (por causa do chulé – segundo suas palavras). Enquanto isso, em vários closes, vai mostrar seu rosto em sorrisos da mais pura felicidade.
- Está bem – falou ele. – Eu preciso de um produtor. Não sei fazer isso.
Leiturino - amigo certo das horas incertas:  não teria você essa habilidade de cinegrafista para produzir a “live” do Jovelino? Ele está querendo inaugurar seu novo sorriso, mas não está tendo como por causa desse danado do confinamento. Reservadamente, me insinuou que, caso algo não seja feito, irá se converter ao gado de Bolsonaro, aderindo às carreatas, só para poder exibir sua boca cheia de dentes. Socorro!!!
Etelvaldo Vieira de Melo

2 comentários:

Unknown disse...

Uma crônica divertida, contemporânea que pontua a história da humanidade.

Fátima Fonseca disse...

Inspirado hem? Muito bom! Parabéns!

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