SABEDORIA POPULAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

Bahia Notícias cantava há tanto tempo e políticos nunca aprenderam - 31/03/2020
                                                                    Imagem: Bahia Notícias
        
        Penso que os chamados “ditados populares” são uma das maiores heranças culturais da humanidade. Muitos deles se tornam incompreensíveis ao passar dos anos, mas outros parecem ter um valor perene.

Ao transcrever alguns deles, pode ser que você, estimado Leiturino, tenha esta reação:

- Bah! Se conselho fosse bom, ele não seria dado de graça.

Por outro lado, minha esperança é que você seja igual o amigo Jaci, ele que já “bateu a cachuleta” (“esticou a canela”, “subiu no telhado”) já faz algum tempo. Dizia ele:

- Caraca! De graça, aceito até injeção na testa!

Estes ditados e estas citações foram selecionados tendo em vista o estado de confinamento em que grande parte da população está/estava sujeita, em decorrência da pandemia do coronavírus. O que vale aqui é a sabedoria universal acumulada ao longo dos séculos, mesmo para aqueles que já “chutaram o balde”, já “mandaram pra cucuia” esse tal de isolamento.

Cada macaco no seu galho: Esta é uma expressão que se aplica a diversas situações, como a de apelar para um militar não se meter em política. No caso, o apelo é no sentido de que cada pessoa fique no seu galho, ou seja, na sua casa, e que ninguém se atreva a ir pra outro galho e nem passear de moto se exibindo pra outros macacos.

De médico e louco, todo mundo tem um pouco. Tenho lido muitas receitas para essa tal covid-19: chá de cascas de alho, suplementos de vitamina D, uma mistura de mel, açafrão e outras ervas, Ginkgo Biloba, Gengibre, solução feita de prata, óleo de gergelim, chá de abacate com hortelã, chás de boldo e de jambu... Enfim, existe um receituário infindável de medicamentos ditos naturais. A esses se somam as simpatias e rezas bravas.  Nada mais natural do que tanta receita milagrosa, num país onde prevalece a automedicação. Só falta mesmo alguém mandar tomar sopa de capim marandu, misturada com caco de vidro triturado, arame farpado e angu. 

De grão em grão, a galinha enche o papo: É assim que pensa o tal do coronavírus, fiquei sabendo. Ele tem espírito mineiro, de ir comendo pelas beiradas, sabendo que devagar se vai ao longe, que ser apressado é correr o risco de comer cru. Danado.

Há males que vêm para bem: Eu sonho assim, penso que uma nova ordem mundial pode resultar dessa pandemia, com mais respeito ao meio ambiente, com as pessoas vivendo com mais justiça e fraternidade.

Mente vazia, oficina do diabo: Eu não acredito que as pessoas estejam dispondo de tanto tempo assim. Um vizinho, por exemplo, me falou, através de vídeo-chamada: - Eleutério, com essa pandemia, você não faz ideia do corrimento danado que estou passando! Agora, se você anda sem ter o que fazer, é bom recorrer a uma reserva de água benta pra afugentar os capetas, cruz credo!

Não deixe para amanhã aquilo que você pode fazer hoje: No início da pandemia (agora, a gente se acostumou), fomos tomados de ansiedade diante da urgência de ter que arrumar as coisas, face a uma fatalidade (de bater a cachuleta). De minha parte, pensei até na possibilidade de fazer um testamento. Depois, vi que não tinha nada mesmo, e o pouco que dispunha seria facilmente repartido entre os parentes próximos. O único entrave que preciso ainda resolver é o de explicar para as futuras gerações (em documento registrado em cartório) a história nebulosa de minha participação na Ditadura Militar, onde consta que fui denunciante e colaborador. Mas isso será tema de um futuro relato.

Quanto menos pessoas souberem de tua vida, mais feliz tu serás! Penso que o grande afetado pela pandemia foi o sistema capitalista, com os Estados Unidos sendo o país com maior número de pessoas contaminadas (o Brasil vem em segundo lugar, mais por culpa do nosso presidente que cismou: aonde o boi vai, a vaca tem que ir atrás, talkey?).  Com as pessoas ficando em casa, elas acabaram reduzindo drasticamente o consumo de bens supérfluos.

Pensando friamente, ficar confinado traz esta vantagem: você não tem que se expor à aprovação dos outros. Como dizia um filósofo: - O inferno são os outros! Sem eles, você pode ser muito mais feliz.

Aqui se faz, aqui se paga. Não acho isso não, mas, se for verdade, espero que aqueles responsáveis pelas queimadas na Amazônia contraiam todos o novo coronavírus. Depois, espero que sejam tratados pela técnica “ozonioterapia por via retal” e sejam curados. Penso que só assim aquele ministro do Meio Ambiente, um tal de Ricardo Salles, aquele que sugeriu aproveitar, que todos estão concentrados no combate à pandemia de covid-19, para ir “passando a boiada” de mudanças infralegais, só assim ele vai se preocupar com o buraco de ozônio, depois de ter passado pela aplicação de ozônio pelo ânus, essa nova técnica defendida pelo prefeito de Brusque, em Santa Catarina.

- Nunca reclame do que você permite.  Com o confinamento, você teve que conviver com pessoas próximas (marido, esposa, pais, filhos) “ad nauseam”, tendo oportunidade de conhecer tais pessoas até do lado do avesso. Não sei se ainda valem, mas aqui estão alguns conselhos dados pela sabedoria popular. O primeiro, você viu: se não concorda com alguma coisa, não fique calado. Agora, calado é bom nesta situação: - Calado não temos que repetir. Nem que explicar. Já, no dia a dia, é preciso agir com muito cuidado, pois: - Muitas vezes... gentileza gera gente folgada, enquanto que - Uma discussão prolongada significa que ambas as partes estão erradas.

- O difícil, como vocês sabem, não é fácil. Esta frase é de Vicente Matheus, ex-presidente do Corinthians, e está sendo incorporada, agora, aos Ditados Populares. Não, as pessoas nem sempre sabem que o difícil não é fácil. Dizendo: “como vocês sabem”, Matheus está convidando para que façamos um discernimento entre o que é fácil e o que é difícil. Se o difícil fosse fácil, ele não seria difícil; sendo difícil, ele não pode ser fácil. O problema da vida humana é que muitos tomam o fácil como difícil, tornando difícil aquilo que é fácil; de outro modo, outros acreditam que o difícil é fácil, facilitando aquilo que, por natureza, não é fácil, mas difícil. Uma frase, aparentemente simples, esconde toda a complexidade de ser e de não ser. Ela também desvela o cuidado que as pessoas e as autoridades tiveram com o coronavírus: enquanto uns levaram a sério a pandemia, outros julgaram se tratar de uma brincadeira fácil. Oscilando entre o difícil e o fácil, o país se perdeu, quando poderia ter tornado tudo fácil, sabendo que tudo era difícil.

 Finalmente, duas lições que você deve ter aprendido: - Come para viver, não vivas para comer. E, não poderia faltar: - Um mão lava a outra e as duas batem palmas.

Etelvaldo Vieira de Melo

SIMPLES ASSIM

 Convém ficar de olho no marcador de combustível.


TIGRESA

A Tigresa 🐯 (@umatigresa_) | Twitter 
Imagem: Twitter
UMA TIGRESA PRESA LESA QUE

usava unhas unheirissimamente

postiças negras QUE possuía íris cor de lei tão QUE por um triz nariz raiz perdiz foi atriz QUE trabalhou topou tentou chorou rosnou no HAIR

porque dançava nave ave alva no

Frenetic Dancing Days QUE hoje anos de vida eternos ternos (não os de passar a ferro em brasa!) QUE de vida dividida sofrida ainda QUE

jovem donzela mela QUE tela e tal completa meta poeta QUE capeta ela tinha 99 e 365 ânus QUE saudável sálmica com seis são QUE mocidade a

saltar atar QUE velas veleiros Que vilões tigrões botões

sacudiu-se em cancans                                     

febris em bistrôs de Paris.

Graça Rios

ABORTO: DÚVIDAS E QUESTÕES

Eis a diferença:

os que, antes, morriam de fome

passaram a morrer por falta de comida.

(Taberneiro Tuzébio/ Mia Couto)

O futuro do cristianismo, mais que em outros períodos históricos, depende de sua capacidade de ser uma religião da esperança, do diálogo e da solidariedade.  Vivemos um tempo em que o futuro não é o inesperado, pois o homem contemporâneo sabe e planeja esse novo horizonte e transcende-se pela sua capacidade de reflexão. Assim sendo, qual o papel das religiões e sua capacidade de harmonizar o mundo contemporâneo? A história mostra que quaisquer que sejam as instituições, inclusive a Igreja Católica, devem ser de seu tempo; portanto, capazes de avançar e dialogar. Apontar direções. Outras direções.

É comum ouvir dizer que, em dúvida, se deve priorizar a vida que representa um bem maior – o que, em alguns contextos, constitui uma escolha delicada e difícil. Exemplo: no Brasil pratica-se, anualmente, um sem-número de abortos mal assistidos, que custam milhares de vida. Estatisticamente, esse número é grande. Traduz muitas questões, problemas e silêncios. O que pensar sobre o número de pessoas, inclusive crianças, que morrem de fome diariamente? E o número de seres humanos que vivem abaixo da linha da pobreza? Tal situação desafia a exigência ética e merece intervenção do Estado e das Igrejas.

A primeira forma de socorro parece ser a criação de “Comitês Pró-Vida”, para que o problema seja enfrentado com meios humanitários – ou seja, da forma mais ética, moral e humanitária possível. A pergunta inicial seria: é possível decidir que uma vida humana tenha mais valor que outra? Ou será que todas têm o mesmo valor e merecem igual tratamento? Seja como for, é preciso salvar o maior número possível de vidas. O problema é legalizar ou não o aborto? Em suma, basta se trancar em uma questão?  A globalização é uma injustiça institucionalizada. É um dogma internacional.

Mas há outras razões contra o aborto: a) com ele, pode-se matar quem tem direito de continuar vivo; b) constituiria uma injustiça, pois é mais fácil privar de um direito que respeitá-lo; c) requer-se uma legislação que beneficie a vida, particularmente em sua forma mais frágil. E, no caso de abortos, o capricho da irresponsabilidade incidiria sobre o destino de inúmeras vidas potencialmente humanas.

A ética exige, até prioritariamente, que se invistam cuidados e dinheiro na vida humana, sobretudo naquela forma, que, como dito acima, é a mais frágil e promissora. Isso significa investir em prevenção – como se faz com o fumo, drogas, bebida e obesidade. No caso do aborto, é preciso prevenir a gravidez irresponsável, abusiva e/ou imposta – o que exige todo um trabalho preventivo. Mas solucionar todos os casos de gravidez irresponsável é impossível; seria o caso de escolher um mal menor?

O Estado tem o dever de fornecer a assistência básica de forma eficiente, devendo as instituições religiosas alertar quanto à dimensão ética do problema e sugerir programas de prevenção. Diante da complexidade do problema – educação, exploração, desigualdade social, mídia – há situações em que a moral deve preferir que se escolha, entre os males, o menor, para assim tornar mais eficiente a prevenção. Pois, além de um dever do Estado, reside aí um direito do cidadão.

Pergunta: em caso de aborto, quem poderia definir, categoricamente, o que vem a ser o melhor para outros? Em questões controversas, membros da instituição religiosa têm o direito de cultivar ideias fixas e impô-las? Não conviria, antes, ouvir – quanto à complexidade do fato – as pessoas envolvidas no episódio, para só então emitir uma opinião? Se, em princípio, temos de ser contra o aborto, não poderia haver exceções? Nem todos os envolvidos nessa questão – pai, mãe, médico – gostariam de fazer o aborto por prazer ou ganha-pão. O grande mérito do atual papa é convidar toda a Igreja a reformar-se. A ser uma “Igreja em saída”.

Por que as mulheres teriam de tremer de vergonha ou culpa ao se lembrarem de que, no passado, pensaram em abortar? Teriam de ser pessoas de outro mundo? Ser-lhes-ia vedado terem sentimentos comuns? E mais: padre/pastor/bispo, médico ou jurista poderiam arrogar-se o direito de falar em nome delas ou contra elas, com segurança catedrática? Basta conhecer as leis para saber julgar? Não seria melhor enfronhar-se, modestamente, no mistério das relações humanas, sofridas e ameaçadoras? Por que enquadrar as mães, genérica e globalmente, na mesma bitola? Não julgueis...

E então, como se posicionar em caso de estupro? Como tomar uma posição no caso da “menina estuprada pelo tio e grávida aos dez anos de idade”? “E agora, José”? Basta a lei? A solução é submeter-se à moral dos homens da hierarquia eclesiástica?  Mas, quem poderá se apresentar como justo juiz? Os líderes religiosos não deveriam ter grande sensibilidade frente ao drama desse sofrimento humano, particularmente dessa criança? Ou será que não devem nada a ninguém, só imposições e proibições categóricas? Compaixão, nem pensar – porque sabem das “coisas”? Frente a relações humanas, continuam analfabetos? Quem sabe, seu estilo de vida empobrece ou até castra sua sensibilidade; e os outros, então, é que não passam de algozes. Religião é um lugar de encontro com Deus no cotidiano da vida.

     Além de outros fatores, reina entre nós uma grande injustiça social e falta educação básica, favorecendo desequilíbrios nas relações familiares e sociais. Estejamos atentos – deixar esse problema à margem da lei agrava o mesmo. É o que tem acontecido com o aborto. De modo selvagem, o radicalismo moralista das instituições agrava o problema, porque o deixa desamparado. O mero legalismo ignora a dimensão social do problema e não leva a sério milhares de mortes desnecessárias. O discurso religioso também ignora esse aspecto e apenas pincela normas e deveres. Em geral, há um evidente farisaísmo: o poder público simplesmente proíbe e pune; as instituições religiosas condenam e excomungam, sem nenhuma proposta de solução, exceto a proibição. Uma vez mais, o peso dos mandamentos (O Decálogo do Antigo Testamento) interessa mais que as Bem-aventuranças. Basta pôr as pessoas no Index. A verdade não está em um só centro – chega de todo canto. É conquista.

É fundamental mostrar-se capaz de discernir as circunstâncias. Tudo e todos não passam de “coisa”? Para boa orientação, basta a lei? No catolicismo, por exemplo, a proibição é a única resposta? Não passa por nossa cabeça que todos somos, de alguma forma, assassinos e suicidas por nosso jeito defeituoso de lidar com a vida, os fatos e as pessoas? O drama alheio não nos atinge, a não ser como transgressão da lei; nem um conselho é preciso dar? Basta uma ordem, uma condenação? Um cardápio de verdades?

Felizes os que respeitam leis justas e têm na compaixão a força motriz de seu comportamento. Felizes os que não impõem a outros um peso que doutores e líderes religiosos não querem mover nem com um dedo! Feliz quem assume a fragilidade da condição humana e, em dúvida, busca no diálogo uma luz para suas decisões.

É sempre bom lembrar que: “A Palavra abriga o princípio” (João 1, 1).

 

 

Mauro Passos

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Doutor em Ciências da Educação e Pós-doutor em Antropologia da Religião

Presidente do Cehila (Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina/ Cehila-Brasil) 

PODE, QUEM PODE. QUEM NÃO PODE, SE SACODE


Num desses aplicativos de vídeos curtos, uma atriz famosa dizia, enquanto se exibia com trejeitos e mostrava seus óculos:

- Em primeiro lugar, não se fala “esse óculos”, mas “esses óculos”, porque (apontando as lentes) “um” ... “dois”, esses óculos, ok?, aprenda a falar.

(Mas ela mesma não sabe falar, pois se referia aos óculos que estavam na sua mão. Ela deveria dizer: “estes”, e não “esses” ...)

- A marca dele é Pra-da – falou a distinta – e eu paguei R$1.200,00 - só a armação. - E continuou, fazendo uma caretinha de charme, enquanto levantava os óculos e os prendia na cabeça: - Ah, e tem também aquele vermelhinho, você viu o vermelhinho? ... Yves Saint Laurent: ai, R$1.700,00 - só a armação!

E a belezoca concluiu sua aula:

- Sabe, meu amor, olha só, não tenho nada contra quem compra na “25 de Março”, tá?, mas só para sua informação, viu querido, beijo pra você, amor de vida.

Eu me considero um privilegiado por estar vendo uma pessoa falar desta maneira, porque, caso contrário, eu nunca poderia imaginar que existe gente assim. Antes de baixar o aplicativo de vídeos, já julgava o mundo muito estranho; agora, percebo que ele endoidou de vez.

O vídeo em questão escancara de maneira crua o que é o capitalismo tupiniquim: pura ostentação. O prazer do indivíduo não é exatamente ter as coisas, mas esfregar na cara dos outros um bem que não lhes passa de sonho de consumo.

Mas, e quando as “25 de Março” e shoppings populares falsificam tudo, vendendo produtos de “grife” a preço de chuchu?

Aí, aparece alguém igual a essa dondoca para mostrar a diferença, deixando na boca das pessoas mais pobres um gosto amargo de frustração.

Eu já disse aqui, e considero ter sido a primeira pessoa a ter feito tal descoberta, que o grande derrotado pela pandemia do coronavírus foi o Capitalismo, nos aspectos de consumir e de ostentar.

Quando vejo alguém igual a essa atriz falando tanta baboseira, dá vontade de mandar parar o mundo e pedir para descer.

Por outro lado, sempre existe a possibilidade de uma leitura alternativa para o que é dito. Quando a famosa fala: “- Olha, estes óculos custaram R$1.200,00, só a armação!” – ela está chamando a atenção para as desigualdades sociais, dizendo, subliminarmente, que não está bem certo alguém ter as coisas, enquanto outros são tratados como cachorro vira-lata nos tempos de antigamente.

Então, podemos considerar que o discurso dessa famosa (de rosto lindo, de nome e sobrenomes bonitos – nome de uma divindade egípcia, sobrenome com cor que indica esperança), mostra, entre tantas revelações, que o dinheiro, ao mesmo tempo que possibilita a aquisição de bens, também contribui para espalhar a estupidez e a mediocridade.

P.S. Pode ser que eu esteja sendo injusto nesta análise, que a atriz em questão estava fazendo tão somente um número humorístico. Pode ser. Pode ser que esteja ficando neurótico com esse confinamento, que estou muito sensibilizado quando vejo coisas absurdas serem banalizadas no país, como o estupro e a gravidez de uma menina de dez anos, com pessoas achando que foi bem feito, que ela estava gostando, que ela procurou e, mais absurdo ainda, fiquei sabendo: entre tantas pessoas que assim pensaram e atiravam pedras, havia um padre e havia uma professora.

Etelvaldo Vieira de Melo

CARRO DE ENTREGA

 Vale gritar contra a banalização dos verbos.

PAUSA


Caro ouvinte.

Gastei meu dia.

As árvores lá fora

se meditam.

Ai, frutos

que não tenho,

nem colhia.

Dia que nos fia

porfias no sudário

vário.

Espelhos de projeto

não vivido,

demos luz à parede?

Maybe.

Prometem deuses

um tempo templo

novo ovo pós-corona.

Krónos se anuncia

ou o hoje cega,

renega-nos,

sonhos nega?

Aí, pergunto:

Amigo, o que vivemos

em fátuos fás

fugas de bar?

Mar de sargaços?

Aço boreal?

Val de vau Vivaldi.

Não. Never. Jamais.

Urdimos por certo

sós,

ós pós solução

soluços sons ronrons

em tom de dó maior

quiçá menor.

Bravíssimo breve.

Semibreves

semínima hora demora

mora-nos nus agora.

Bravo! Bravo!

Maestrina,

tomo poesia:

eis minha/sua suave

suada sina.

No mais,

que há

de mim a mim

que sei seio de mi

e de si

lá? Lalá   laços.

Lalarilá sofejos

harpas harpejos

harmonia rocio cicio

cio via...

Ri! Aprume-se!

Já a bruma

me entrelaça

em vão suspiro.

VIVA! VIVA!

EIS A VIDA! Vivamos.

ALEVANTE-SE!

Onda aonde indo

inda hemos de saber

se, filhos da pauta,

apenas sonorizamos

jogo meu seu mel

fel fez flor,

cônjuge felá.

OuOuOu... eco...

Ecoou além vem,

venha.

Seco ruído ido,

delido compositor,

saiba:

Você me deu a nota

em ré bem sustenido.

Decimei sem medo.

Nenhum arremedo.

Ora, pois.

A presente poeta

então lhe exprime

saudade do É FOI SERÁ

futuros.

A Deus, adeus eu eus.

Somos mesmo

NÓS

de marinheiro

brasileiro lesa

leseiro.

Muito obrigada.

De nada.

Animada,

sou autora graciosa

ciosa do simulacro

simulador sem cor

do Quixote.

Graça Rios

FILOSOFINHAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: VAZIO, RASO, PROFUNDO


Quando criança e adolescente, por muitas e muitas vezes fui pescar em rios que volteavam minha pequena cidade natal. Essas pescarias quase sempre aconteciam na companhia de um tio, solteiro convicto, e que sempre morou lá em casa.

Tinha apelido de Lalau e, na minha lembrança, sempre aparece de chapéu e com as mãos, apoiadas no cinto da calça, apertando a barriga. Sofria ele de uma gastrite crônica, embora nunca tenha abandonado o hábito de fumar e tomar café. Somente depois de muitos anos é que se submeteu a uma cirurgia, que lhe provocou estreitamento do esôfago, fato que o obrigou a se alimentar de ensopados.

Era o Lalau quem cuidava de preparar os anzóis e as varas de pesca. Levantávamos bem cedinho, com ele também cuidando de preparar as iscas, minhocas - que eram cavadas no quintal de casa. Eu tinha uma espécie de “olho gordo”, isto é, nunca achava que as iscas seriam suficientes. Elas eram ajeitadas em latas, geralmente aquelas de salsichas, junto com um tanto de terra. Quando aqueles anelídeos eram bravos, o meu entusiasmo crescia. Pensava: “Hoje eu vou me dar bem!”

O que acontecia quase sempre é que eu me dava muito mal, já que era um péssimo pescador, fisgando mais os galhos das árvores que os peixes propriamente.

Quando chegávamos ao pesqueiro, procurava lugares onde o rio fazia encosto junto às árvores, formando os remansos. Meu tio escolhia um local qualquer e, enquanto eu brigava com as muriçocas e sem ter experimentado sequer um puxãozinho no anzol, lá estava ele enchendo o embornal de peixes.

Ao ver aquilo, eu ia me achegando, enquanto ele, gentilmente, ia se afastando. No final, lá estava ele no meu ponto de partida, enquanto eu, mais perdido do que cego em tiroteio, não sabia mais onde jogar o anzol.

Estas lembranças me acorrem quando leio uma citação de Guimarães Rosa, dizendo ele que “ama os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem”.

Que a alma humana seja profunda eu não tenho como discordar. Só não aceito a analogia com grandes rios, já que eles não fazem parte de minha história de vida. Depois, o meu tio Lalau me mostrou que esses detalhes de raso e profundo são muito relativos. A profundidade pode estar escondida em águas aparentemente rasas, enquanto aquilo que aparenta ser profundo é, na verdade, uma coisa rasa.

No fundo, chegando a uma discórdia total com Guimarães Rosa, penso que a vida humana também é assim: pessoas aparentemente profundas são superficiais, enquanto outras, para as quais você não dá valor, são de riqueza imensa e inesgotável.

Bênção e um abraço, querido tio Lalau, onde quer que esteja. O senhor, dentro de sua simplicidade, foi um homem de extrema sabedoria.

Etelvaldo Vieira de Melo


 

HISTÓRIAS PROS TEMPOS DE PANDEMIA: Aventuras e desventuras de Oswaldinho Ferreiro

Muitos dos ditados populares surgem assim por acaso, sem nenhuma intenção ou propósito. Caem no domínio público e se alastram como jerimum.

Falo isto tendo por base o que aconteceu na ferraria do Oswaldo Faspalha. Tratava-se de um galpão coberto com folhas de zinco. Um forno ficava ao fundo; ao lado havia uma espécie de mesa de ferro, junto a marretas e bigornas; dependuradas em varais estavam muitas ferraduras; um armário - com muitas bugigangas e um rádio em cima - ficava escorado bem distante do forno. A entrada da oficina era mais ou menos assim:


 

Foi ele, o Oswaldo, em determinado dia, colocar um jogo de ferraduras no burro que era usado nas lidas diárias, o Celestino. Quando não tinha nada pra fazer, Oswaldinho o arrendava para vizinhos e interessados. No dia anterior, tinha sido alugado pelo Jorjão, para o carreto de cascalho. O Jorjão, preguiçoso como ele só, além de entupir a carroça de cascalho, ainda teve o atrevimento de fazer as viagens sentado com sua bundona e tudo na boleia. Quando foi devolvido à tarde, o Celestino estava arriado, isto é, com meio metro de língua pra fora, tanto o seu cansaço. Estava, no entanto, cumprindo sua sina de “trabalhar pra burro”.

Antes de ajeitar os cravos e as ferraduras, Oswaldinho passou na cozinha de casa para tomar um gole de café, tentando com isso espantar a ressaca, ele que, na noite anterior, havia bebido mais de uma garrafa de cachaça. Junto com o café, tomado em caneca esmaltada, mastigou um pedaço de carne seca e que estava ajeitada em espeto sobre o fogão a lenha. O espeto era de ferro, contrariando o ditado que diz “em casa de ferreiro o espeto é de pau”. Entretanto, foi daí a origem de outro, o de que “toda regra tem sua exceção, e vice-versa”.

Oswaldinho tinha necessidade de tomar umas pingas, segundo ele, para se refrescar um pouco, já que o galpão era um local muito quente, ainda mais com o fogareiro aceso.

Antes de colocar as novas ferraduras, levantou as patas de Celestino e, com uma torquês, soltou os cravos, liberando as quatro ferraduras antigas, já bem gastas.

Enquanto Celestino ficava olhando desconfiado, Oswaldo Paspalha retirou um cigarro de palha de detrás da orelha e o acendeu com isqueiro à base de querosene. Foi até o armário e ligou o rádio, sintonizando sua emissora favorita, especializada em músicas populares, também chamadas de bregas. Um cantor contava a história de um cara que havia se apaixonado por uma mulher da zona, uma coisa que existia em tempos mais antigos.

Quando começou a pregar as ferraduras nas patas de Celestino, Oswaldo se deu conta de que não estava num bom dia para trabalho: era uma marretada no cravo, outro na ferradura. Foi daí que veio essa expressão “um no cravo, outro na ferradura” para dizer que uma coisa certa é feita junto com outra errada.

Celestino acusou as pancadas e, através de seus olhos tristes, assim falou pro seu dono:

- Lembre-se, Oswaldinho, “quem com ferro fere, com ferro será ferido!”.

Oswaldo parece não ter ouvido a recomendação do burro: continuou com suas marretadas, ora acertando o cravo, ora a ferradura, ora as patas de Celestino. Teve até hora que acertou o dedo polegar. Foi quando soltou um palavrão:

- Puta que pariu!

Palavrão é uma palavra que acorre à nossa boca sem pedir licença. Quando a gente se dá conta, ele já foi pro ar. Muitas vezes deixa a gente envergonhado, querendo pedir desculpas. O palavrão – que pode ser uma palavra curta – é solto de acordo com o contexto. Quando Oswaldinho falou “Puta que pariu!”, ele estava inconscientemente fazendo referência à música que tocava no rádio. Se estivesse com dor de barriga, iria dizer: “Puta merda!”; em outras circunstâncias, diria “Putzgrila!” (e não sei a que pode ser associada esta expressão).

Assim, depois de muitos “um no cravo, outro na ferradura”, depois de muitas marretadas nas patas do coitado do Celestino e outro tanto no dedo polegar direito, já que era canhoto, Oswaldo acabou de ferrar com quatro ferraduras as patas de seu burro. Distraído, nem reparou no olhar insistente de Celestino com seu vaticínio de que “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

Foi só o intervalo de uma noite com outro tanto de cachaça para que a profecia celestina se concretizasse.

Nem bem amanheceu o dia e lá estava Clotildes, esposa de Oswaldinho, a sacudi-lo, raivosa:

- Seu desgraçado, filho de jumento.

- O que foi, Crô? – perguntou Oswaldo se estrebuchando.

- O que que foi foi você passar a noite toda falando: “Boazinha, meu bem; Boazinha, querida do meu coração”. Quem é essa sirigaita?

- Ah, Boazinha é o nome de minha cachaça preferida!

- Que cachaça, que nada, seu excomungado! – gritou, mais raivosa, Clotildes, enquanto atirava um ferro de passar roupa, desses pesadões à base de brasa, em direção ao marido.

O ferro passou raspando a cabeça de Oswaldo, que por pouco “não bate a caçuleta”.

Clotildes pegou um espeto, agora de pau, e foi empurrando Oswaldinho que, apavorado, ia recuando de costas até chegar à oficina.

Quando lá chegou, Celestino, vendo Oswaldinho de costas, não pensou duas vezes: deu-lhe um coice duplo com as patas, estreando com louvor suas novas ferraduras.

Oswaldinho saiu “catando cavaco” e se estatelou dez metros adiante. Antes de desmaiar, teve o seguinte pensamento:

- Putz caramba, “fui sair do espeto pra cair na brasa!”.

Estou registrando estes fatos não para ficar mangando com Oswaldo Paspalha, que ele descanse em paz, tendo já partido deste mundo. Faço isto tão somente para documentar um fato histórico e que deu origem a um tanto de ditos populares. Quem quiser, que acredite.

Etelvaldo Vieira de Melo

INDO VINDO PELO LINDO INFINDO LAR

Venha comigo, meu mel menino. Que tal sair por aí a saborear doçuras da vida? Está frio. Mil arrepios. Vista um paletó, pocotó! Protegido, hein, querido? Então, basta olhar para ver alegrias fantasias dias.

Pois sorria da alva nuvem que desliza monalisa peralta pernalta no escorregador abrasador do céu. Aquela ela meninice tagarelice devorando algodão doce, docedoce, nos convida a passear no imenso suspenso parque Cetim Pirlimpimpim. Vá, filhim.

Viaje inocentes entes sagrados encantados: gnomos, sereias, teias, centauros, feras gentis e belas desadormecidas em aguapés igarapés... mururés                                                                                         

Brincam nas arcas das barcas doces anjinhos - tão fofinhos! - semeando brigadeiros em canteiros fá dó mi comilão Rei Sol. Rasas asas esvoaçam voejam adejam, namorando bordados de serra. Serra-serra-serrador. Quantas tábuas já serrou? Puro Amor.                                                                                                                                                                           

Passarinham borboletas amarelas  brancas  pretas sob o anel do meu chapéu. Canarinhas azuis meio rosas, dez mais prosas, alvas ninfas anunciam: Gente, Luca vem ali, montado em carrossel. Corre, corre, corcel. Cavalinho, ligeirinho, traga logo nosso amigo sem perigo.                                                            

Peixinhas vão no vaivém vão.  Rubros beijos borbulhantes acenando: Quer um deles,

maroto garoto? Tome cá ou dê lá uma duas  adivinhas:

                          - Estrela do mar ama estro celestial? Por bem ou por mal?

                                   - Rá, ra, rá. Ró, ró, ró! Quem falou que é uma só, bocó?                                                                                                                                                                                                          

Fadas levadas irmãs mimadas contam histórias balançantes dançantes ululantes rodas gigantes:

Luca, era uma vez... certa princesa que brincava que saltava que bamboleava que aprontava no tobogã, mas o pequeno heleno Pã...                                                                                                                                                     

Acertando no tiro ao alvo, papai  acha dura loucura ganhar essa peça linguaruda dentadura: 

Ai, ai. ai! Ui, ui, ui. Sou muito novo, chupa-ovo. Melhor ter medo - que mané medo, seu Alfredo?

Ora, ora, vou-me embora no trem-fantasma.  Fora, ooô asma!  Olê, olê, olê, olá. Grita, grita, inté mancá: Café com pão, café com pão, manteiga não.  

                                                           ME DÁ UM PIÃO!

Será mesmo computador? Será celular? Divagar a vagar devagar, lá vem SuperPai carregando no abraço laço do braço seu fiote. Quanta sorte!

A noite chega. Alguém graceja: Ê, sono bravo, sem alinhavo!  

É hora. Vamo s’imbora. Mamãe espera pelo moleque.

Salamaleque, caia na cama, gatinho bom.

Amanhã dou sobremesa com recheio bembém cheio de bombom.

Graça Rios