HISTÓRIAS PROS TEMPOS DE PANDEMIA: Aventuras e desventuras de Oswaldinho Ferreiro

Muitos dos ditados populares surgem assim por acaso, sem nenhuma intenção ou propósito. Caem no domínio público e se alastram como jerimum.

Falo isto tendo por base o que aconteceu na ferraria do Oswaldo Faspalha. Tratava-se de um galpão coberto com folhas de zinco. Um forno ficava ao fundo; ao lado havia uma espécie de mesa de ferro, junto a marretas e bigornas; dependuradas em varais estavam muitas ferraduras; um armário - com muitas bugigangas e um rádio em cima - ficava escorado bem distante do forno. A entrada da oficina era mais ou menos assim:


 

Foi ele, o Oswaldo, em determinado dia, colocar um jogo de ferraduras no burro que era usado nas lidas diárias, o Celestino. Quando não tinha nada pra fazer, Oswaldinho o arrendava para vizinhos e interessados. No dia anterior, tinha sido alugado pelo Jorjão, para o carreto de cascalho. O Jorjão, preguiçoso como ele só, além de entupir a carroça de cascalho, ainda teve o atrevimento de fazer as viagens sentado com sua bundona e tudo na boleia. Quando foi devolvido à tarde, o Celestino estava arriado, isto é, com meio metro de língua pra fora, tanto o seu cansaço. Estava, no entanto, cumprindo sua sina de “trabalhar pra burro”.

Antes de ajeitar os cravos e as ferraduras, Oswaldinho passou na cozinha de casa para tomar um gole de café, tentando com isso espantar a ressaca, ele que, na noite anterior, havia bebido mais de uma garrafa de cachaça. Junto com o café, tomado em caneca esmaltada, mastigou um pedaço de carne seca e que estava ajeitada em espeto sobre o fogão a lenha. O espeto era de ferro, contrariando o ditado que diz “em casa de ferreiro o espeto é de pau”. Entretanto, foi daí a origem de outro, o de que “toda regra tem sua exceção, e vice-versa”.

Oswaldinho tinha necessidade de tomar umas pingas, segundo ele, para se refrescar um pouco, já que o galpão era um local muito quente, ainda mais com o fogareiro aceso.

Antes de colocar as novas ferraduras, levantou as patas de Celestino e, com uma torquês, soltou os cravos, liberando as quatro ferraduras antigas, já bem gastas.

Enquanto Celestino ficava olhando desconfiado, Oswaldo Paspalha retirou um cigarro de palha de detrás da orelha e o acendeu com isqueiro à base de querosene. Foi até o armário e ligou o rádio, sintonizando sua emissora favorita, especializada em músicas populares, também chamadas de bregas. Um cantor contava a história de um cara que havia se apaixonado por uma mulher da zona, uma coisa que existia em tempos mais antigos.

Quando começou a pregar as ferraduras nas patas de Celestino, Oswaldo se deu conta de que não estava num bom dia para trabalho: era uma marretada no cravo, outro na ferradura. Foi daí que veio essa expressão “um no cravo, outro na ferradura” para dizer que uma coisa certa é feita junto com outra errada.

Celestino acusou as pancadas e, através de seus olhos tristes, assim falou pro seu dono:

- Lembre-se, Oswaldinho, “quem com ferro fere, com ferro será ferido!”.

Oswaldo parece não ter ouvido a recomendação do burro: continuou com suas marretadas, ora acertando o cravo, ora a ferradura, ora as patas de Celestino. Teve até hora que acertou o dedo polegar. Foi quando soltou um palavrão:

- Puta que pariu!

Palavrão é uma palavra que acorre à nossa boca sem pedir licença. Quando a gente se dá conta, ele já foi pro ar. Muitas vezes deixa a gente envergonhado, querendo pedir desculpas. O palavrão – que pode ser uma palavra curta – é solto de acordo com o contexto. Quando Oswaldinho falou “Puta que pariu!”, ele estava inconscientemente fazendo referência à música que tocava no rádio. Se estivesse com dor de barriga, iria dizer: “Puta merda!”; em outras circunstâncias, diria “Putzgrila!” (e não sei a que pode ser associada esta expressão).

Assim, depois de muitos “um no cravo, outro na ferradura”, depois de muitas marretadas nas patas do coitado do Celestino e outro tanto no dedo polegar direito, já que era canhoto, Oswaldo acabou de ferrar com quatro ferraduras as patas de seu burro. Distraído, nem reparou no olhar insistente de Celestino com seu vaticínio de que “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

Foi só o intervalo de uma noite com outro tanto de cachaça para que a profecia celestina se concretizasse.

Nem bem amanheceu o dia e lá estava Clotildes, esposa de Oswaldinho, a sacudi-lo, raivosa:

- Seu desgraçado, filho de jumento.

- O que foi, Crô? – perguntou Oswaldo se estrebuchando.

- O que que foi foi você passar a noite toda falando: “Boazinha, meu bem; Boazinha, querida do meu coração”. Quem é essa sirigaita?

- Ah, Boazinha é o nome de minha cachaça preferida!

- Que cachaça, que nada, seu excomungado! – gritou, mais raivosa, Clotildes, enquanto atirava um ferro de passar roupa, desses pesadões à base de brasa, em direção ao marido.

O ferro passou raspando a cabeça de Oswaldo, que por pouco “não bate a caçuleta”.

Clotildes pegou um espeto, agora de pau, e foi empurrando Oswaldinho que, apavorado, ia recuando de costas até chegar à oficina.

Quando lá chegou, Celestino, vendo Oswaldinho de costas, não pensou duas vezes: deu-lhe um coice duplo com as patas, estreando com louvor suas novas ferraduras.

Oswaldinho saiu “catando cavaco” e se estatelou dez metros adiante. Antes de desmaiar, teve o seguinte pensamento:

- Putz caramba, “fui sair do espeto pra cair na brasa!”.

Estou registrando estes fatos não para ficar mangando com Oswaldo Paspalha, que ele descanse em paz, tendo já partido deste mundo. Faço isto tão somente para documentar um fato histórico e que deu origem a um tanto de ditos populares. Quem quiser, que acredite.

Etelvaldo Vieira de Melo

1 comentários:

Unknown disse...

Deu para rir. Rrr

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