O tempo não é só de flores. Nem sempre existe o
privilégio de se viver em liberdade e livre de incursões e injunções incômodas.
Principalmente num passado estudantil mais exigente e agressivo, de sofrimentos
e sacrifício. Assim foi nossa iniciação no primeiro e parte do segundo grau de escolaridade. Invejam-nos, hoje, de um lado, as
oportunidades e a educação bem mais liberal oferecida ao estudante. Mas de
outro, louvamos e decantamos a seriedade do ensino daquela época, apesar do
rigor disciplinar. Nossos primeiros anos de estudo foram em parte de alegrias
e, em parte, de tristezas. Estudamos, a princípio, num colégio onde predominava
o rigor e a exigência/intransigência da disciplina moral, cultural e cívica.
Tinha o mérito, e era esta nossa maior alegria, especificamente naquele
ambiente escolar, de oferecer, embora sob pressão, uma base sólida que nos
facilitaria os estudos seguintes, e a condição que nos permitiria galgar, mais
tarde, destacada posição social e profissional.
Conseguimos tornar-nos profissionais qualificados, prestarmos
consultoria especializada a inúmeras instituições públicas e privadas,
ocuparmos cargos de direção ou assessoramento superior, lecionarmos em duas
universidades e em organizações de destaque e, por fim, prestarmos, na área de
desenvolvimento de sistemas informatizados, serviços técnicos de natureza
intelectual. Salta-nos à memória aquela nossa iniciação nos estudos. Lembra-nos
o rigor do internato, a vivência enclausurada, sob um regime disciplinar quase
intolerável, distantes e longe dos familiares. O dia era cheio. Cedo, bem cedo,
a capela ou a educação física. Em seguida o café e daí as aulas. Após, a
refeição, o quimo, salão de estudos, banho, refeição, salão de estudo, capela e
dormitório. A chegada das férias era nossa talvez única e maior alegria. Não
deixou de ser, em nada menos de seis longos e tenebrosos anos, a fonte de nossa
tristeza, num ambiente em que não reinava o respeito à dignidade humana, a
compreensão e a ternura. Apesar da indiscutível qualidade do ensino e da
inexorável experiência obtida, pareciam tempos perdidos de nossa infantilidade
e juventude. O colégio era dirigido por um ex-seminarista do Caraça. Era um
admirável dominador do latim e da história geral e do Brasil. Todos se
encantavam com a sua capacidade didática, incontestável e incomparável, de
contar as histórias do novo e velho mundo, das peripécias do imperador romano
Nero, das conquistas de Alexandre O Grande, e de fazer com que o aluno
entendesse a declinar, conjugar verbos, traduzir fábulas de Esopo e Fedro e
trechos célebres da imortal flor do Lácio.
Contudo, aplicava a disciplina daquele velho e vetusto seminário,
certamente em proporções bem maiores.
Tal a violência e agressividade como aplicava sua disciplina que, na
comunidade, chegou a ser taxado de “a fera da rua larga, o “leão da esquina” e
outros cognomes indesejáveis. Trago na mente o castigo impiedoso e quiçá
desumano aplicado em quem não o respeitasse, desobedecesse, não seguisse suas
ordens ou não se dedicasse seriamente aos estudos. Muito mais sofriam os
internos, o tempo todo sob seu jugo. Embora raramente, não desprezava a
tradicional varinha de marmelo, a palmatória recheada de furinhos e o peso de
dois dicionários Saraiva, conforme a natureza e o porte da infração cometida pelo
interno, em especial o da ala de menores.
Lembra-me quando, encontrando um da ala de maiores a fumar, fez com que
comesse os cigarros. Auxiliava-o o chamado “regente” controlador da disciplina
dos internos. Portava uma cadernetinha onde apontavam as infrações, na base do
que eram chamadas de “cruzinhas de comportamento e de aplicação nos estudos”.
Se o interno tivesse na semana três ou mais cruzinhas no comportamento ou na aplicação
ficaria preso no domingo de folga e não podia sair nem mesmo para visitar os
parentes e amigos. O exército nos levou para outros páramos, onde, como
externos, vivendo em repúblicas, passamos a uma forma diferente de sacrifício e
de vida. Uma juventude marcada, então, pela instrução militar em Tiro de
Guerra, onde cedo era a instrução, de onde seguia o nosso trabalho numa
indústria e, à noite, o colégio. Ainda costumávamos lavar e engomar, no tardar
da noite, a farda enlameada de algum rastejo para ao dia seguinte. Velhos
tempos! Talvez um bom exemplo para o que
vem fácil. Afinal, tem mais valor o que custa boa dose de sofrimento e sacrifício.
Sebastião Rios Júnior
3 comentários:
Disciplina e hierarquia fazem parte do aprendizado para a vida social. "Velhos tempos, belos dias!"...
Não se chega a rosa sem passar pelos espinhos.
Concordo
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