REGIS, O RATO QUE NÃO ROEU A ROUPA DA RAINHA

A existência desse rato inglês foi tornada pública em crônica postada em 01/12/2012. Hoje, transcrevo a singular história de Regis, o rato que não roeu a roupa da rainha.

Regis, o rato que não roeu a roupa da rainha, tinha um nome, registro e domicílio próprios, como sói acontecer aos ratos britânicos de nascença, colonização ou adoção. 

Seu nome era Regis, genitivo de Rex, do Rei, conforme certidão passada em cartório aos seus pais, numa prova cabal de que na Grã-Bretanha até os ratos cultuam a monarquia.

Regis, além da devoção para com a rainha-mãe, Elizabeth, era fã ardoroso da princesa Diane, tendo vários de seus posters espalhados pelas paredes de sua toca. Por isso, torna-se deveras impossível descrever sua consternação, seu desespero quase, quando da morte daquela pela qual era ratazanalmente apaixonado. Entrou em estado de depressão, pensou até em suicídio, quando passava pela sua cabeça a hipótese de ser o trono ocupado pelo príncipe herdeiro, Charles.

O domicílio de Regis estava no rés-do-chão de uma residência nas proximidades da Tower Bridge, aquela famosa ponte sobre o Tâmisa. Ele estava também próximo da Tower of London, uma fortaleza que havia sido transformada em museu. Regis visitou esse museu uma única vez, quando recebeu a visita de parentes vindos do interior. Sentiu-se na obrigação de levá-los até aquela antiga fortaleza, embora estivesse consternado diante da complexidade do comportamento do ser humano: constrói armas de destruição, que provocam a morte de outros humanos e, depois, as exibe como troféus, conseguindo dividendos com a visita de turistas. Aquilo que deveria ser motivo de vergonha torna-se razão de orgulho.

Regis sentia-se bem morando ali em Londres, junto com seus familiares e amigos. Ele não se incomodava nem um pouco com as variações climáticas, com as chuvas intermitentes. Enquanto rato de razoável nível cultural, sabia que a capital britânica tinha muito a lhe oferecer em termos de eventos em casas de espetáculos e museus: Cecil Sharp House, Union Chapel, Royal Albert Hall, 02 Arena, Royal Opera House, Museum of London, Bristish Museum... Apaixonado por futebol e torcedor do Chelsea, frequentava o Stamford Brigde e o Estádio de Wembley.

Certo dia, estando em visita ao Museu de Madame Tussauds, um museu de cera, Regis presenciou uma cena divertida. Entre os inúmeros turistas, havia um brasileiro - Regis ficou sabendo por causa de sua fala - posando para fotos ao lado de personagens históricos e artísticos. Quando ficou ao lado de Steve Spielberg para uma foto, muita gente pediu para que repetisse a pose. Assustado, ele se deu conta de que, com boné, ficava parecido com o diretor cinematográfico. Regis ouviu seu comentário com a esposa, ao que parece:

- Está vendo só? Talvez Steve necessite de alguém para representá-lo em alguma situação. Não custa nada investir nesse sentido. Quando estiver no Brasil, vou quebrar os traumas de minha adolescência e fazer um curso de inglês para me tornar, quem sabe, dublê de um famoso.

 A lembrança desse fato provocava em Regis um sorriso amargo. Já havia passado muitos anos, mas ele não tinha como esquecer aquela que era a luz, o queijo suíço de seus olhos.

Até o dia em que ele estava nas proximidades da Loja Primark, com o olhar perdido no infinito, nem se dando conta do burburinho de pessoas num entra-e-sai frenético, com sacolas abarrotadas de compras. Em épocas passadas, não lhe passaria despercebida a profusão de mulheres árabes e seus vestidos típicos. Ele haveria até de fazer um comentário mordaz: “Olha onde vieram parar os petrodólares!” Mas não naquele momento, quase atropelado por pés apressados.

Foi então que aconteceu o inusitado: uma mão se estendeu até ele e o pegou com cuidado. Tratava-se de um indiano, acompanhado por uma mulher. Entorpecido e um pouco assustado, ouviu-o falar:

- Veja, Rajnandhini, sinto pela maneira de olhar que este rato é a reencarnação de meu pai, Jayanti.

- Suas palavras são sábias, Abhijat. Vamos levá-lo para o Templo de Kasni Mata, onde ele poderá se tornar um kaba.

- E, assim, Regis foi levado para a Índia e alojado no templo de Kasni Mata, ou Templo dos Ratos, onde se tornou um kaba, um rato sagrado. Lá, ele é tratado e alimentado com todas as honrarias. Aos poucos, a dor pela perda da princesa foi passando e, agora, já é visto passeando alegremente entre as salas. Caso você queira visitar esse templo, não se esqueça de cumprir algumas formalidades, como, por exemplo, a de tirar os calçados, mesmo tendo, depois, que pisar nos excrementos dos ratos. Talvez possa identificar Regis em meio a mais de 15.000 outros. Se prestar atenção, vai descobrir fácil: seu sotaque britânico é inconfundível.

Obs.: Einstein teve aquele insight sobre a Teoria da Relatividade observando situações como a descrita acima. Tudo é relativo: ser rato pode representar uma bênção ou uma maldição, dependendo do contexto.

Etelvaldo Vieira de Melo

 


1 comentários:

Geraldo Uzac disse...

Concordo com o comentário "ser rato pode representar uma benção ou uma maldição, dependendo do contexto". No Brasil, para muitos que vivem em Brasília é uma benção: são 513 na Câmara dos Deputados e 81 no Senado Federal. No serviço público federal, sem generalizar, também e existem muitos.

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