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Nota Explicativa: O presente texto é um documento histórico: 1º) fala de um tempo em que até mesmo as pessoas pobres podiam viajar, e não havia um ministro da Economia (nojento!) dizendo que isso – pobre viajar - é um absurdo; 2º) não havia restrição quanto ao volume e peso da bagagem, com as malas sendo usadas à vontade.
Para neófitos em viagens longas, sem
dúvida, a mala se constitui um problema crucial. Desde sua aquisição, passando
pela montagem e transporte, ela se apresenta como motivo de medo, ansiedade,
angústia, muita preocupação.
Comecemos pela compra e as perguntas
inevitáveis: Qual o tamanho apropriado? Diante da opção por uma no limite do
exagero, não seria conveniente que ela fosse um pouquinho maior, em razão do
volume inimaginável que vai transportar? Qual deve ser a sua cor, para ser
reconhecida mais facilmente na esteira do aeroporto? Será conveniente
amarrar-lhe uma fitinha, para melhor identificação?
Transposto esse round, que quase leva a
nocaute nosso herói, eis que ele depara com novo desafio: como equipá-la? Para
responder a essa questão, ele faz profundos cálculos mentais, multiplica o
número de peças pelo número de dias, acrescenta o coeficiente de imprevistos,
consulta o Dr. Google e internautas experts. Por fim, está atolado no lamaçal
da incerteza, pois quando a dúvida chega, o bom-senso se afasta.
Com esse tempo destemperado em razão do
aquecimento global, considera – ouvindo sábios conselhos - que deve levar
agasalhos para todas as estações. Os especialistas dão orientações
desbaratadas, cada qual com sua lógica e que merece ser atendida. A mala se
torna insuportavelmente pequena, mas alguém dá a sugestão de se comprar um saco
plástico do qual pode ser retirado o ar em excesso, por meio de um aspirador de
pó, com a consequente redução de volume. Outro sugere que as roupas devem ser
enroladas em tubinhos. Atende a todas as propostas, ele que se considera um
analfabeto perante tantas sumidades.
Finalmente, a mala fica pronta,
etiquetada e com dois lacinhos amarrados para identificação: um azul e outro
verde. Olha, orgulhoso, para sua obra como a dizer:
- Está vendo? Eu venci...
Entretanto, parece que a mala está a
lhe responder:
- Bem que você venceu esta batalha, mas
e a guerra?
Nos primeiros momentos, a guerra lhe
foi favorável: o entra e sai de táxi, o deslocamento no aeroporto, a retirada
da esteira, o percurso de trem, a entrada no hotel, a acomodação no
quarto.
Ali, teve o primeiro revés: não teve
como reativar o sistema a vácuo do saco plástico, que se tornou inútil e foi
descartado. O volume ficou transbordante, o que levou à mudança de algumas
peças para uma mochila de mão.
No deslocamento pela estação
ferroviária, ela quebra sua base de suporte, o que faz com que se apoie apenas
nas rodas, sendo impossível deixá-la na posição vertical. Com imensa
dificuldade, é arrastada até o hotel do novo destino, sendo substituída por
outra, naturalmente maior e melhor reforçada.
Com o suceder dos dias, vai a mala
passando por arranjos e desarranjos, sofrendo e fazendo sofrer nos deslocamentos
entre estações, trens e hotéis, com a compra de uma lembrancinha aqui e outra
acolá, tornando-se naturalmente incapaz de transportar tudo que lhe é
devido. Ganha uma companheira, nas mesmas proporções e medidas, também
capaz de provocar as mesmas ganas assassinas, quando aberta e arranjada no
interior do quarto de hotel.
E assim transcorre aquele maravilhoso
passeio, com a mala se destacando em primeiro lugar pelo tempo de
arruma-desarruma, pelo aborrecimento de ter que deslocá-la, pelo esforço de
acomodá-la em diferentes lugares, por se tornar insuficiente ao ponto de
requerer mais duas companheiras. Pior é que os conselhos dos especialistas
falharam miseravelmente: fazia muito calor e as roupas de inverno só serviram
para ocupar espaço e aumentar o volume.
Na chegada, enquanto retira as suas da
esteira, tem o consolo de verificar que o problema não é privilégio seu: outros
passageiros também estão abarrotados de malas, etiquetadas e enfeitadas com
fitinhas de todos os matizes...
Nota Complementar. Malartrose: Trata-se de uma
virose decorrente do uso doentio de mala em viagem. Ela se manifesta através de
pesadelos, durante oito noites, em que o paciente sonha que está arrastando
malas entre aeroportos, estações e hotéis; em outros momentos, ele se vê
arrumando a mala, mas ela nunca fica pronta, sempre há alguma coisa a ser
retirada ou ali colocada.
Infelizmente, ainda não se descobriu um
medicamento apropriado para essa moléstia. Estudos, nos USA, em países da
Europa e Ásia, já conseguiram uma regressão em torno de 34,52% nos casos
pesquisados; entretanto, a droga definitiva continua sendo uma esperança para
os turistas, notadamente de brasileiros que realizam, agora, aquele
sonho/pesadelo de Ícaro: “Voar, voar, subir, subir...
Etelvaldo Vieira de
Melo
1 comentários:
Etevaldo, além da 'malartrose', adquiri uma infecção brava - a aeroportrite. Soube que caldo de cana é um bom remédio.
Mauro Passos
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