ESSA MANIA DE QUERER LEVAR VANTAGEM

Imagem: Glam4You


Você já ouviu falar em Easy Space? Premido e espremido pela necessidade de comprimir roupas e afins em uma mala de viagem, tomei conhecimento desse novo produto, um organizador a vácuo, que consiste num saco plástico do qual é retirado o ar, após os artigos ali serem colocados ordenadamente. Com isso, a economia de espaço chega a ser de quatro vezes.

Estava numa loja escolhendo os tamanhos apropriados, seguindo orientação – via telefone – passada por minha esposa, quando observei que vários consumidores presentes eram tomados de curiosidade. Um deles quis saber do que se tratava:

- Trata-se de um organizador que diminui o volume das roupas, colocadas numa mala ou dispostas num guarda-roupa, possibilitando um melhor aproveitamento do espaço com agasalhos volumosos, tais como colchas, mantas, travesseiros, cobertores...

- Que ótimo, vou levar um.

- O preço está meio exagerado...

- Que nada! Levando esse organizador, eu me livro de comprar outro guarda-roupa, que minha esposa anda enchendo minha paciência para fazer!

E lá vai ele, todo feliz, pagar o produto, não cabendo em si de satisfação diante de sua esperteza.

Está bem que o gerente da loja não me ofereceu uma comissão de venda, mas já observou como conseguimos chamar a atenção de outras pessoas quando em lojas de departamento, por exemplo, paramos para observar um produto? Os psicólogos chamam isso de Percepção Associativa Relevante (PAR), onde uma pessoa é levada a copiar determinado comportamento, achando, com isso, estar levando alguma espécie de vantagem. (Você tem todo o direito de achar que esse tal PAR é um ‘chute’ que estou dando.)

A psicologia de venda, e isso não é um chute, ensina aos comerciantes fazerem trapaças com a mente dos consumidores. Ela sabe que um valor redondo é fatídico; então, recomenda uma pequena redução: o produto, de R$200,00, passa a ser vendido por R$199,99. Tal valor está na casa dos 100, nunca na casa dos 200. Muitos adolescentes são vítimas frequentes desse engodo.

- Quanto está sendo vendido aquele tênis? – pergunta o pai com o coração doendo.

- Não chega a R$900,00. Trata-se de 800 e alguma coisinha...  – responde o jovenzinho topetudo.

Quando o pai vai ver, o valor do tênis está em R$ 899,99.

Tomados por aquele obscuro desejo de levar algum tipo de vantagem nas compras, somos seduzidos por palavras mágicas, tais como “oferta”, “liquidação”, “pague 2 e leve 3”, “promoção”, “brinde”.

Certas lojas conseguem deturpar o sentido de liquidação. O tempo passa, os dias se sucedem, mas a placa apelativa lá está na entrada do estabelecimento: “Sensacional Liquidação!” E isso durante todo o ano!  

Não sei se acontece em todas as regiões do Brasil ou se é uma característica peculiar do mineiro a mania de pechinchar. Sei que os vendedores aqui já parecem vacinados. Você chega para comprar um produto, nem chega a abrir a boca para pedir um descontinho, e eles vão logo dizendo:

- Este produto custa (por exemplo) R$170,00, mas está em promoção por R$149,99.

Aí, você perde a graça e o prazer de realizar uma compra, pois um dos componentes essenciais do bom consumo é o sentimento de ter levado vantagem, de ter conquistado algo que não lhe seria repassado, se você não tivesse usado de esperteza.

Pior é você ouvir do vendedor:

- Olha, esse preço eu garanto agora. Depois, haverá um reajuste e eu não poderei fazer nada.

Assim, ele como que coloca uma corda em seu pescoço, roubando-lhe o prazer de estender a pesquisa para aumentar o seu grau de vantagem.

Chega a soar de maneira ridícula - essa mania de esperteza - quando, numa loja de artigos de 1 e 99, alguém, querendo comprar um conjunto de ferramentas, pergunta, inocentemente, para você:

- Será que isso é bom?

Você faz um gesto dúbio, que pode ser interpretado como um sim, um mais ou menos ou um definitivamente-não, enquanto pensa: “Por um valor assim, até que está bom demais!”.

E, assim, vamos tocando a vida, nessa sociedade capitalista, por um lado, e consumista, por outro, cada um querendo ter sua vantagem. Adivinhe quem, no fim de tudo, vai acabar levando a melhor.

Você pode pensar que este texto está cheirando a coisa velha e terá toda razão – ele veio à luz em 17 de novembro de 2012.  Você pode alegar que as compras hoje são feitas pela Internet, através das chamadas lojas virtuais. Está certo. Mas não pense que a situação está melhor para os lados do consumidor. Hoje, você é monitorado até na hora em que entra no banheiro. Quantas e quantas vezes, conversando com minha esposa (com o telefone desligado!), revelei um sonho de consumo. Daí a pouco, meu celular era entupido de propagandas. Depois, tem esses cookies, essas ‘bolachas’ cibernéticas, cuja utilização você é livremente coagido a aceitar, sob a alegação de que ‘permitem uma experiência de navegação mais personalizada pela Internet’ ...

Sei não. Em meio século e beirando um quarto de existência, nunca fui sondado por um Instituto de Pesquisa de Opinião Pública. Hoje, nem é preciso fazer amostragem. Sei muito bem que eles (os que estão do outro lado da telinha do smartphone) sabem não só de nossas preferências de consumo, afetivas, espirituais, sociais, sexuais, políticas, eleitorais e existenciais, como até mesmo a cor da cueca que estamos usando (eu, por exemplo, estou usando uma estampada, eles sabem disso).

Etelvaldo Vieira de Melo


2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito. Principalmente da cueca estampada. Tanto que estou planejando comprar uma. Por um bom preço, é claro !

Anônimo disse...

Texto bem agradável! Leve, além de instrutivo.

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