Nesta longa estrada da vida, não pense que vou correndo;
ando devagar, porque já tive pressa. Andando devagar, pude perceber o que dizia
um cartaz afixado na vitrine de uma loja de importados: “Deus criou o céu e a terra; a China fez o resto”. Por causa de meu retardo
mental, na hora, achei aquilo engraçado; depois, fiquei muito irritado, pois
julguei que os chineses estavam extrapolando em arrogância. Pensei que já
estava passando da hora de inventar algo exportável, além do indefectível
minério de ferro. Foi hoje que tive aquela iluminação repentina e que os
estrangeiristas chamam de insight.
É fato facilmente observável
que, à medida que o tempo vai passando, os indivíduos vão se tornando cada vez
mais invisíveis. Eu mesmo, quando vou à rua, tenho que me precaver para não ser
derrubado por pessoas, que simplesmente ignoram minha presença. Percebi que
estava me tornando etéreo, quando nem impressão digital tinha mais.
Essa sensação de anomia, de
anonimato, ostracismo, dói demais, pois somos seres sociáveis, buscamos o
reconhecimento e a aceitação dos outros. Mas, então, o que fazer, quando
começamos a evaporar, quando ninguém liga pra gente? Depois, como encarar os
estragos que o tempo faz em nossa fisionomia, quando olhamos no espelho e somos
tomados de profunda depressão?
Como esse é o país do
futebol, pode ser que, para muitos, uma ginga de corpo e um drible sejam a
solução; para outros, não tem como evitar o choque e o sofrimento. Em geral,
esses outros acontecem quando a partida caminha para o final, o cansaço começa
a tomar conta e as pernas já não aguentam correr como antes. Em resumo, a
pergunta que eu me fazia e que não queria calar era: o que fazer para a
autoestima continuar em um nível satisfatório, diante das demandas do tempo e
do desgaste físico? Em outros termos: quando deixamos de ser cachorrinhos de
madame e somos relegados à condição de vira-latas?
Na portaria do edifício onde estou fazendo
tratamento dentário existe um enorme espelho, tomando conta de toda a parede
lateral. Enquanto aguardo o elevador, ocasionalmente olho para ele e,
geralmente, sinto aumentar o meu estado de depressão. (Os espelhos lá de casa
têm iluminação indireta, fazendo com que sempre me veja na penumbra). Hoje, pensei
assim: por que não disponibilizar para as pessoas um sensor (microchip), capaz
de fazer uma leitura de suas fisionomias quando se olham num espelho? Os dados
coletados serão, imediatamente, convertidos e as imperfeições corrigidas; a
imagem refletida atingirá 98% de melhoria. Assim, as pessoas vão se ver
bonitas e atraentes, mesmo contrariando a opinião dos outros.
Muitos podem alegar que já
existem as plásticas, os botox e os photoshops. Sei disso, mas também sei que
tais produtos são caros, proibitivos para quem mal consegue frequentar uma loja
de R$1,99. Mas que não se assustem os capitalistas: o novo visual frente ao
espelho será possível somente para aqueles que fizerem o implante do tal
microchip (mirrorshop®) na orelha, pagando módicos
R$439,99. O refil, com 12 meses de vida útil, sairá ao preço de R$79,99. Quando
esse novo produto for comercializado, o índice de satisfação das pessoas estará
lá em cima, mesmo que as aparências verdadeiras estejam lá em baixo.
Só mais uma coisa: em
governos passados, aqueles que se sentissem incapacitados financeiramente de
adquirir o mirrorshop® poderiam se inscrever num
programa de bolsas. Seria apenas mais uma, em meio a centenas de outras, e o
programa poderia se chamar “Meu Espelho, Minha Alegria”, com todos
fazendo jus ao slogan: sem medo de ser feliz. Com o governo atual, onde o
presidemente só se preocupa em encher suas burras com dinheiro vivo para
aplicar em investimentos imobiliários, tal programa será de todo inviável.
PS1: Como os chineses são
muito parecidos uns com os outros, tenho minhas dúvidas que eles venham a
desenvolver esse projeto. Se eu não tivesse queimado quase todos meus neurônios
em jogos de videogame, era hora de me arriscar em um curso de eletrônica.
PS2: Quando idealizo algo
como o de hoje, fico espantado com meu nível de inteligência. Nessas horas,
falo para mim mesmo: - Eleutério, você é uma pessoa desperdiçada. Pena nunca
ter aparecido em sua vida um Mecenas, para que pudesse desenvolver todo seu
potencial e talento. Você não pensa o mesmo, Leiturino?
Etelvaldo Vieira de Melo
0 comentários:
Postar um comentário