Já faz tempo abandonei a pretensão de explicar racionalmente
o sentido da vida. O que tenho procurado fazer, desde então, é me escorar
naquilo que o ser humano armazenou através dos tempos nos chamados ditados
populares. Penso assim: - Se não sei de nada, pelo menos devo dar crédito ao
que os homens estabeleceram como verdade. Desse modo, as pessoas atentas podem
ver: são esses ditados, em última análise, os fundamentos das análises que faço
das coisas que acontecem.
Tal é o caso do ditado “dois pesos, duas medidas”. A expressão tem origem na Bíblia, no livro
Deuteronômio 25:13-16: “Não carregueis convosco dois pesos, um pesado e o outro
leve, nem tenhais à mão duas medidas, uma longa e uma curta. Usai apenas um
peso, um peso honesto e franco, e uma medida, uma medida honesta e franca, para
que vivais longamente na terra que Deus vosso Senhor vos deu. Pesos desonestos
e medidas desonestas são uma abominação para Deus vosso Senhor.”
Quando se diz que foram usados dois pesos e duas medidas para
algo, o que se quer dizer é que duas situações similares, com os mesmos
elementos, foram tratadas de forma totalmente diferente por alguma razão. Ou
seja, fatos semelhantes foram julgados segundo critérios muito distintos e,
portanto, o julgamento não foi justo. Com isso, podemos concluir que a
principal mensagem dessa expressão é a justiça.
Usar dos mesmos padrões e critérios para julgar as situações e pessoas, sem
permitir que interesses pessoais interfiram nesse julgamento.
(Para ser justo, é preciso confessar: estes dois últimos
parágrafos foram compilados de significadofacil.com/dois-pesos-e-duas-medidas/)
Um personagem da vida brasileira por quem tenho profunda
admiração é o general Hamilton Mourão. A rima veio sem querer, mas o tom de
ironia não: quando ele abre a boca para
falar alguma coisa, ou usa das redes sociais para escrever algo, pode ter
certeza que dali vai sair bobagem. Tal aconteceu, por exemplo, quando fez uma
análise sociológica da origem do caráter do brasileiro, dizendo que o índio nos
legou a indolência e o preto, a malandragem.
O termo ‘malandragem’ foi usado no sentido depreciativo, para
designar alguém que é vadio, preguiçoso, que não gosta de trabalhar. Ora, se
formos reportar aos tempos da escravidão, poderemos dizer que a malandragem é
uma virtude, meio pelo qual o ser humano é capaz de driblar a exploração do
trabalho para sobreviver. Foi com base nessa constatação que Euclides da Cunha
pôde dizer: - O sertanejo (brasileiro) é, antes de tudo, um forte!
[No início da pandemia da covid 19, o então presidente
Bolsonaro recorreu a esta frase, quando disse: “o brasileiro é um forte e não
tem medo do perigo”. E eu achando que o homem não tinha estudado nada! Mais à
frente, para reforçar sua ideia de que não deveria haver isolamento social, falou:
“O brasileiro pula esgoto e não acontece nada”.]
Voltando ao Mourão, outra pérola de sua vasta sapiência. Em
operação da polícia do Rio de Janeiro em Jacarezinho, em 6 de maio de 2021, que
ocasionou a morte de pelo menos 28 pessoas, o general afirmou: “Tudo bandido”,
fazendo valer a máxima de que ‘bandido bom é bandido morto’. Quando da apuração
dos fatos, constatou-se que 13 dos mortos nem tinham ficha policial.
O tempo passou e tivemos, no dia 8 de janeiro de 2023, a
invasão dos prédios dos Três Poderes em Brasília, sendo eles depredados por um
grupo de terroristas de extrema direita. Diante das cenas de vandalismo e a
consequente prisão de muitos desses desclassificados, o general Mourão comentou
candidamente: Tudo gente de bem, não podem ser chamados de terroristas. O novo
governo agiu de forma amadora, desumana e ilegal. As pessoas (coitadas!) estão
confinadas de forma precária. Onde estão os Direitos Humanos?
Você, que quer entender melhor o sentido da expressão bíblica
dos ‘dois pesos e duas medidas’, captou o sentido daquilo que é uma abominação
para Deus? Percebe também como nossa sociedade está estruturada de maneira
injusta?
Ainda sonho com um Brasil, onde o pau que dá em Chico também
dá no Francisco.
Etelvaldo Vieira de Melo
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