Numa cidade do interior, um juiz de
Direito, tomado de profundo tédio existencial, propôs aos moradores da
localidade o seguinte desafio:
- Quero provar para vocês que Deus não
existe. Quem quiser debater comigo, que se atreva.
Os moradores, tomados de espanto,
olharam uns para os outros. E um pesado silêncio caiu sobre eles. Até que
alguém, logo identificado com Chico da Fiinha, falou:
- Pois não, seu doutor. Com sua licença,
aceito o desafio.
Cuidaram de acertar os detalhes do
embate, dia, horário, local, tinha que ser lugar bem espaçoso para caber tanta
gente, etecétera e tal.
A curiosidade começou a tomar conta do
povo, todos queriam saber quem haveria de ganhar o desafio, até começaram a
fazer apostas. O Chico, coitado, tido e havido por todos como verdadeiro bocó,
perdia feio, coisa de 20 por 1.
E chegou o esperado dia. O salão cheio.
E o juiz, bem vestido, solene e bem-falante, propôs, arborizou, podou, floriu,
dissertou, dissecou, amassou, enrolou, embrulhou, empacotou, argumentou e
provou por A mais B, pela prova dos nove, tintim por tintim, que Deus não
existia, que era invenção do homem, fantasia, projeção, desejo frustrado,
compensação, muleta, amuleto e outras coisas rebuscadas que não consegui
traduzir. O povaréu, boquiaberto, balançava a cabeça, concordava, “... e não
é que o seu juiz tem mesmo razão?”, tinha pena do Chico coitado, “como
vai se defender?”, “tá é perdido”. E o Chico, enquanto o juiz
desfilava e destilava sua jactância, o Chico cuidava de descascar uma laranja!
Depois de falar e falar, o juiz se deu
por satisfeito.
- E agora, senhoras e senhores,
cavalheiros e damas, cedo a palavra ao senhor Francisco, para que defenda a
tese de que Deus existe. Alea jacta est!
Ao que muitos, em tom de deboche, gritaram:
- Segura esta, Chico!
Outros falaram com incentivo:
- Vai que é sua, Chico!
E Chico falou assim:
- Seu juiz, para provar pro senhor que
Deus existe, é preciso que o senhor me diga, primeiro, qual o gosto desta
laranja que acabo de descascar. Ela é doce ou azeda?
- Como assim? – espantou-se o juiz, sem
entender bem a pergunta. - O senhor quer que eu diga o sabor da laranja?
- Justamente, é isso mesmo.
- Como eu vou saber sem experimentar?
Deixe-me experimentar, que eu posso dizer para o senhor se ela é doce ou azeda.
- A mesma coisa é com Deus, seu juiz. O
senhor não pode, não é capaz de dizer o sabor da laranja só de olhar. Assim é
com Deus. Só podemos falar de Deus quando experimentamos Deus em nossas vidas.
Assim, desta maneira, o caipira acabou
derrotando o juiz. E esse fato se tornou tão famoso que, desde então, pais o
recontam para os filhos. E foi dessa
maneira que ele chegou ao meu conhecimento.
Pois bem. Falar e viver. Falar de Deus é
muito bom, é muito importante. Neste mundo, de tanta notícia ruim, tanta coisa
feia, violência, miséria, injustiça, exploração, é bom ouvir falar daquele que
representa Amor, Verdade, Liberdade, Justiça. Acontece que não basta falar, ou
não é o mais importante falar. Desconfio de que muitos falam, mas são poucos os
que vivem Deus. Nos fins de semana, nas igrejas, templos, assembleias, as
pessoas rezam, oram, falam muito de Deus, desculpe a expressão, “é Deus pra cá,
é Deus pra lá”, enquanto que, durante a semana, parece que Deus some,
desaparece da vida das pessoas. Se as pessoas que falam de Deus vivessem
realmente Deus em suas vidas, o mundo seria bem melhor do que é. O mundo está
desse jeito aí porque existe muita gente mentirosa, fingida, que fala uma coisa
e vive outra bem diferente.
Até pouco tempo atrás, tivemos um
presidente que apregoava “Deus acima de tudo”, ao mesmo tempo em que debochava
das milhares de pessoas morrendo, vítimas da Covid. Esse mesmo incentivava o
uso de arma de fogo, enquanto se indispunha contra mulheres, pobres e minorias.
No Brasil, tivemos padres, pastores e pessoas que se dizem cristãs compactuando
com essas ideias demoníacas, propalando o ódio e a mentira, em nome de Jesus
Cristo.
Assim é que, tenho para mim, viver Deus
é muito mais importante que falar de Deus. Além disso, a linguagem da vida tem
muito mais riqueza e sabor que a complexa linguagem das palavras.
Etelvaldo Vieira de
Melo
2 comentários:
Belíssima reflexão.
Este realmente foi, é e será sempre o maior desafio, para toda humanidade. Todos têm livre e total acesso para este experimento e "vivem", mas não sabem qual o verdadeiro sentido dela e muito menos, o sabor que Deus tem.
Brilhante
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