Tive uma infância e uma adolescência
profundamente marcadas pela religiosidade. A Semana Santa, por exemplo, é uma
celebração da qual guardo inesquecíveis lembranças.
Uma delas vem de minha mãe. Para aumentar um
pouco o salário de sua magra pensão, tendo que cuidar sozinha de sete filhos,
ela se virava de todo jeito ao longo do ano. Quando da celebração da Semana
Santa, inventava de fabricar velas, para serem vendidas durantes as procissões.
Eu me lembro bem desta cena. Depois de armar um
guarda-chuva sem o tecido, ela dependurava pedaços de barbantes nas
extremidades das barbatanas. Em um tacho sobre um fogareiro improvisado no
quintal, colocava restos de velas consumidas na igreja da cidade e que eram
repassados pelo vigário - a troco de um percentual nas vendas. Quando a cera
estava toda derretida, mãe pegava o caldo com uma canequinha e ia despejando
nos barbantes, um por um, até a vela se formar.
Em determinado ano, ela se descuidou na
fabricação, deixando um pouco de água misturar com a cera. Durante a procissão,
muitas velas começaram a “pipocar”, a estalar, assustando as pessoas. Uma
senhora se aproximou de mãe e falou: “Olha, eu comprei uma vela com o João
Pesco (o vendedor de mãe), e ela quase me mata de susto, de tanto estralar”. E
mãe: “Iiii... eu também comprei uma assim, comadre!”. E ria, escondido.
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Quando adolescente, participei de trabalhos de
Evangelização em algumas cidades de minha diocese.
Durante a celebração da Páscoa, em determinada cidade,
aconteceu um fato dramático e divertido ao mesmo tempo.
Foi no momento em que o celebrante dizia:
“Glória a Deus nas Alturas....”. Como se sabe, neste momento, a ressurreição de
Cristo é celebrada com alegria: as luzes da igreja são acesas, as imagens dos
santos, cobertas de pano roxo, são destampadas, o coral canta o “Glória a
Deus”, enquanto os sinos da igreja dobram e repicam.
E assim aconteceu naquela celebração, que teve
ainda fogos de artifício, acrescidos dos acordes da banda de música paroquial.
O acidente começou quando o pano roxo, que
cobria uma das imagens, agarrou e não queria se soltar. A moça puxava, puxava
e... nada! Enquanto isso, o coral cantava com todo fervor, o sino dobrava e
repicava, a banda de música tocava entusiasmada suas marchas e contramarchas,
os foguetes estouravam e arrebentavam... por sobre o telhado velho da velha
igreja, fazendo com que um pozinho (de cupim, imagino) caísse sobre as pessoas.
E tudo foi indo assim até o Prefácio: pano agarrado, coro cantando, sino repicando,
banda tocando, foguete pipocando e pó caindo sobre as pessoas.
O celebrante, todo solene e de braços abertos,
disse: “Porque, neste momento de tanta alegria e (acrescentou por conta
própria) de tanta confusão...”. Começaram a rir o celebrante e seus ajudantes
(eu estando no meio). E rimos tanto que até choramos de tanto rir. E, quanto
mais a gente ria, mais vontade de rir tinha.
Depois da celebração, ficamos todos
envergonhados, o que iria pensar o povo vendo aquela falta de respeito? Mas uma
senhora se aproximou de mim e disse, me deixando abestalhado: “Foi tudo muito
bonito. A gente viu que vocês se emocionaram tanto que até choraram!”.
Depois dessa, eu aprendi: os olhos veem o que o
coração sente. Talvez seja por isso que a lembrança da Semana Santa me traz
tanta emoção. Os pensamentos até me fazem ouvir o João Pesco tocando a matraca
pelas ruas da cidadezinha da minha infância: trac, trac, trac.
3 comentários:
Etel, eu também estava nesta celebração. Foi um verdadeira Páscoa - barulho, luzes e alegria. Naquele tempo era páscoa mesmo... Sem chocolate e sem coelhos. As velas iluminação mais. Viajei no topo com este texto. Só parara acrescentar: a cidade é Cana Verde.
Mauro Passos
Belas e saudosas recordações! A marcha do tempo é deveras inexorável!
Eu me lembro desse dia como se fosse hoje. Eu estava lá, cantando no coral, do alto daquele mezanino de madeira que chamávamos de "coro". Éramos uns vinte componentes, regidos pelo saudoso Veiga e, neste momento, iniciamos o hino Santo, Senhor do Universo... hosana nas alturas... passando a fazer parte da confusão! De lá não dava pra ver que vocês riam, mas achávamos que vocês choravam de emoção, por ser considerado pelos fiéis de Cana Verde como um evento "bonito e triste"! Ao término da celebração é que ficamos sabendo. Atualmente é muito diferente: sem risos, nem choro, nem emoção alguma. Talvez, fé!
Maria José
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