MIRAGEM

 

Bela bola que rola

E embala a geografia do espaço

Entre nuvens e estrelas.

 

Inverno de saudade

Pecado de beijo roubado

Debaixo de ipês amarelos.

 

Lilases estações

Folias de sonhos –

em sonhos apagados

esquecidos ou mortos

quem sabe, talvez.

Etelvaldo Vieira de Melo


O BEIJO, VÉSPERA DO ESCARRO

imagem: Freepik


         A você,

que desconhece /

a tênue trança dos

 

filamentos fluídicos

de um halo /

e as Macbeths de

 

patológica vigília, /

tintadas em

rembrandtescas

 

       telas várias;

           A você,

     alma avoenga,

 

propriedade do

carbono ferido

ido que

 

a hostil gleba

atra escarva

na própria ânsia

 

      dionísica do gozo;

              A você,

    agregado abstrato      

          

da vã paixão,

molambo ambulante,

língua paralítica,

 

                 A você,

          abro o convite:

          Quebre a força

 

centrípeta

das amarras.

Arranque asas

 

descarnadas

de feias moscas.

Busque em si

 

cancro assíduo:

consciência

tateante

 

entre tênebras.

Realize

ultraepilético

 

esforço: ali estou,

em orográfica

crua biblioteca. /

 

Quem sou?

Procedo de

um tropismo

 

ancestral com

todo o fogo

telúrico do verso

 

Decomponho-me

chama e morte

seráfica.

 

Resido

entre caveiras:

poesito ferrolho

 

Olho-me

vibrião molécula

augusta imunda.

 

Sou anjo revelador

do seu EU

interior.

 

                 G. Rios


MASSACRE EM CINCO ESTAÇÕES


Imagem: Terra



 

Primeira Estação

De repente, sem saber como,

Estava preso a uma corrente

Que o apertava e sufocava.

 

Segunda Estação

Gritou por socorro

Mas ninguém apareceu.

 

Terceira Estação

Vendo que estava só

Sentiu um doído aperto no coração.

 

Quarta Estação

Tentou, num esforço sobre-humano,

Desprender-se

Mas em vão.

 

Quinta Estação

Foi então que morreu

Sem uma palavra

Sem um gemido

Sem uma lágrima.

 

Em seu rosto havia apenas desespero

E mal disfarçado asco... de si mesmo.

Etelvaldo Vieira de Melo

ÁGAPE

 

Imagem: Freepik

Vivem as palavras obscuras lá onde a clara aurora nos deserta. Conto: Um cheiro de romã provém dos lábios dele. Agora, há leite e mel debaixo de sua língua. Ouso falar nada, sob a pujança do vento alísio vindo das narinas. Experimento, só: ‘Sopra teu hálito puro em minha garganta. Silêncio. Momento monumento, ali, onde o voo das aves se detém. Surpreso, rasga-me o véu dos olhos. Sou eu ele única pessoa: ardente lava em furioso mar. Leve Eva, construo Amor de paina à margem dos muros. Vai comigo um perfume de aloés que excede mil aromas. Ensaio, abelha insinuante: ‘Prova a delícia de minha carícia dentro e fora adentro do Paraíso. Aqui, no leito, a seda nos possui na voz dos deuses, e Zeus permite às colchas volúpia de embriaguez. Quer?’ A flama do desejo subindo dos lençóis nos basta ao existir lhe pertencendo. Alevanta a cabeça. Ensejo-lhe fingida calma no perto parto da paixão. Quase desmancho. Deslacrimejo: ‘Tange-me as mãos com tua face branda. Penetra na cava entreaberta deste corpo. Descobre destemido o esconderijo onde pascem livres negros carneirinhos. Agora, vem. A vida é pra se desdobrar no volume dos beijos.’ Passarinho dez braços abraços pelas dele espáduas frondosas. Cabelos enovelam-se na crina de seu ventre. Pele inteira veste a extensão do rijo membro em água destilada. Torno a insistir, rainha da colmeia: ‘Tira-me, amado, o sol, a flor, a primavera. Meus ouvidos te verão cor líquida no outono dos pés.’ Passeia a sede na pelúcia das nascentes. A fonte lança-me âmbar e pérolas no seio. Recolho o bosque de douradas maçãs. Versejo: ‘Olha bem. Contempla a imensidão: nardo e cinamomo rescendem de ambas as nossas entranhas. Avança e recua. Rende-me as costas. Melhor que o vinho são rios espumosos derramando-se entre tufos de alvos lírios.’ Irrompe sob as colchas súbito estremecimento. Harpa angelical. Ao sopro da brisa no começo do mundo, um gesto rouco acompanha soluçantes sons. Após, horas rompida a ânsia do morrer, resplendemos entes vivos. E a árvore amaciando doces lisos pomos...

Graça Rios


POSTO Nº 1

 
Imagem: 123RF

Perdido em si mesmo

Amordaçado em lembranças

Inventa desejos

Idealiza sensações

Desvirtua esperanças

 

O tempo passa

Os sonhos acordam

E a realidade se faz

 

Tudo muda

Tudo se transforma

Tudo se refaz

 

A tristeza é grande

O desespero é grande

E a solidão também

 

Mas ele

Sabendo que nada é definitivo

Que nada é consagrado

Sente-se provisório mas feliz

Por recomeçar tudo mais uma vez

Etelvaldo Vieira de Melo


CÃO


 
Imagem: Vecteezy

Menina quer presente de aniversário. Insiste:           

— Vestido de princesa? Pura gasteza. burra.

Livro, já me deu 3x6 ‘Era uma vez’.

Bonecra? Ecra, merrecra! Celular,

 

Canta, rindo, Cachorrinho está Latindo:

— Rá! Ache um chihuahua marciano.

Skatista. Óculos azuis. Rabo ruuuivo,

cheiim de uivos. Patas pateando na lua...

 

Sai velha avó caçando cachorro: Tiu, tiiiu. Xiu xiuu psiu sssiu

 

... mas vê apenas cães de plástico

nos gagás verdes galhos altíssimos anzóis das lojas de girassóis

 

— Favô. Envio, aqui, pato pônei pinto animal extinto?

 

— Senhor Sedex: Só jacaré lelé de boné. Bom, né?

 

Correio Central. Carta-bilhete.

Rua Bicho de Pé/n. Zero/23.

 

Clara mel amor meu.

Nestas mal traçadas linhas, conto morrinhas.

Sabia, sábia sabiá? Cobre, caso em casa tanto sobre,

rato rói gato mói cofre embaixo do colchão some e dói!

Vai via vento um mirréis barato prato pra seu bebê                     furão sablê

chocolate. Gostoso vê-lo no site! E nem late.

Sereia, seria — aquel’outro — fronho cão? Sonho fujão?

Viajam, pelo voar, rapadura queijo meia-cura doce de                           leite

da jaca. Tudo feito por vô Yô-Yô no forno do fogão.

 

Ailoviú,

viu, xodó?

Sempre sua,

Corujavó.

Graça Rios

OS MAGOS DO ORIENTE: MANIFESTAÇÃO DO AMOR E DO BEM



Prof. Mauro Passos

 

A parábola dos Magos do Oriente é um recurso literário de grande alcance para os dias atuais. É a revelação e manifestação do bem (epifania). Atualmente há muitos perigos que ameaçam a vida – guerras, intolerância, fanatismos, preconceitos, desigualdades. Precisamos (re)aprender a olhar as estrelas. Elas vão nos colocar a caminho, como os Magos, em busca da luz. Em busca do bem. O bem dialoga com a vida, por isso, não discrimina, nem exclui. Envolve pessoas, crenças, etnias. Para o bem importa o amor, o afeto e a comunhão de vida.

Os Sábios do Oriente não vieram defender o prestígio, o poder, a prepotência. Vieram partilhar a busca, o encontro, o cuidado. Com afeto humano, criatividade, calor da liberdade e o fio do mistério pacificaram caminhos com a dinâmica da solidariedade. Importa na vida a abertura de coração, a atitude de acolhida e a leveza da gratuidade. Aí está a nova “Tábua da lei” – o amor de Deus. E, como “Deus é amor” (1 João 4,16), toda forma de amor é uma manifestação do amor de Deus. É um recomeço da criação.

Na lembrança dos Sábios do Oriente, somos estimulados a viver o tempo como dinâmica de esperança. Esperança de bênção para todos (sem discriminação). Só assim, seremos capazes de renovar as relações para uma doação-acolhida. É preciso, enfim, ter a coragem de se arriscar, ir em frente, questionar, buscar, relacionar-se, inverter hierarquias. É preciso “questionar tudo que não se alinha com o amor”.

A imaginação de quem espera é grande. O que há nessa história dos Sábios do Oriente? E os presentes – ouro, incenso e mirra? Afinal, esses sábios eram personagens que preservaram os sonhos. Por isso, atravessam o tempo e encaram as incertezas para construir outros caminhos com o ouro da esperança, o incenso da ternura e a mirra da solidariedade. Num fervoroso abraço, numa grande união e com uma infinita alegria abrem caminhos de vigília.

Na figura de uma criança, Deus se manifesta desarmado e acolhedor. Com a inocência da espera, nos convida a traçar outros caminhos e a buscar novas referências para (re)humanizar as relações e partilhar a verdade em clima de fraterna tolerância.

DICIONÁRIO


Imagem: Pinterest

INTELIGÊNCIA

                Latim:

         intus (dentro);

       lègere (escolher,                   

          recolher, ler);

           Portanto,

                 LER

           SIGNIFICA

          ESCOLHER,

          DENTRO DE

          NÓS, O QUE

        OUTRO POSSA

           RECOLHER.

Graça Rios