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Foto: Márcia Chagas |
Para me posicionar diante de tudo que acontece
em minha vida, aprendi com o tempo que devo sempre escolher a melhor
perspectiva, o melhor ângulo. Dependendo do ângulo com que vemos as coisas,
elas irão ter uma dimensão, um sentido ou outro, um valor maior ou menor.
Veja o caso de Jair Messias Bolsonaro. Para
uns, ele é um mito, o suprassumo da perfeição humana; para outros, não passa de
um capeta com a figura de gente. Enquanto uns veem nele a expressão máxima da
honestidade, do amor à família e à verdade, dos valores cristãos, da nobreza de
caráter, de espírito democrático e do mais puro patriotismo, outros enxergam
nele um ladrão vulgar, um trambiqueiro, um mentiroso falastrão, um cretino e
falso moralista, um aloprado, ignorante e golpista (seus seguidores - em grande
maioria - são à sua imagem e semelhança, existindo também os simplesmente
cretinos, os estúpidos e os ignorantes).
É assim, com seus conceitos e seus juízos, que
as pessoas vão tocando a vida, cada um buscando a sua felicidade. E isso não
seria um problema maior, se elas não se julgassem possuidoras absolutas da
verdade em seus juízos de valor. Igual àquela lenda dos cegos e do elefante. No
Brasil de hoje, por exemplo, tem muita gente que acha conhecer um elefante,
quando mal conhece o seu rabo.
Tal reflexão, sobre as diferentes maneiras como
enxergamos as coisas ao nosso redor, vem a propósito de uma conversa entre
quatro amigas, em um grupo de WhatsApp. A primeira delas, depois de postar uma
foto (veja acima), comenta:
- Bom dia. Alguém fez uma oferenda na esquina
da minha casinha... Pergunta aos universitários: a quem?
- Exu –
responde uma segunda. E acrescenta, logo em seguida: - Farofa e pimenta na
encruzilhada.
- No dia da minha mudança pro endereço... Axé!
- Por dúvida, faz uma oração – recomenda uma
terceira amiga.
Ao que a segunda, demonstrando conhecimento
profundo do Candomblé, tranquiliza:
- Ótimo sinal. Exu abre caminhos e é regente
deste ano, junto com Obaluaiê e Yemanjá. Amanhã é dia dela. ‘Laroye Exu’ é a
saudação.
- Uau! Axé mil vezes – respira, aliviada, a
primeira amiga.
Já no desfecho da conversa, surge uma quarta
personagem, revelando um outro lado para a medalha:
- Coincidência, amiga. Aqui perto de casa tem
uma encruzilhada. Sempre aparecem coisas assim, para fascínio do meu
cachorrinho.
A conclusão de tudo é que cada uma das amigas
saiu reconfortada da conversa, apesar das visões diferentes sobre uma mesma
questão. A segunda se sentiu feliz ao ver que o Candomblé está presente na vida
dos brasileiros; a terceira continuou acreditando na força da oração, sempre
por via das dúvidas; a quarta amiga julgou que a vida tem desses momentos de
unir o útil (a oferenda como manifestação de fé) ao agradável (a oferenda como
possível petisco para seu cãozinho).
E a primeira amiga?
- Ela demonstrou, ao longo da conversa, seu
sincretismo religioso. Também mostrou cuidado com a saúde pública. Não tendo o
cachorrinho da quarta amiga para resolver a questão, teve que ela mesma, dias
depois, munida de máscara e luvas, ensacar a dita oferenda e despachá-la no
caminhão de lixo da prefeitura...
De minha parte, gostaria muito de me acercar da
vida, procurando o melhor ângulo para enxergá-la e vivê-la. Quer dizer:
gostaria de perceber o elefante como um todo, sem me contentar com a visão de
uma de suas partes.
Paulinho da Viola parece ter essa mesma
percepção quando, em uma de suas músicas, enaltece a Escola de Samba Estação
Mangueira. Diz ele:
Vista assim do alto
Mais parece um céu no chão
Sei lá, em Mangueira a poesia feito o mar, se
alastrou
E a beleza do lugar
Pra se entender
Tem que se achar
Que a vida não é só isso que se vê
É um pouco mais, que os olhos não conseguem
perceber
E as mãos não ousam tocar
E os pés recusam pisar
Sei lá, não sei
Sei lá, não sei
Não sei, se toda beleza de que lhes falo
Sai tão somente do meu coração
Em Mangueira a poesia
Num sobe e desce constante
Anda descalço ensinando
Um modo novo da gente viver
De sonhar, de pensar e sofrer
Sei lá, não sei
Sei lá, não sei não
A Mangueira é tão grande, que nem cabe
explicação...
Assim eu
gostaria de enxergar a vida, ela parecendo um céu no chão, sendo bem mais do
que se vê, do que os olhos percebem, as mãos tocam e os pés pisam. A vida...
tão grande, que nem cabe explicação.
Etelvaldo Vieira de Melo