“Para quem não precisa de cura, ou para quem já chegou à certeza de que não há cura, este discurso não fará sentido” (Fátima Pinheiro, em expresso.sapo.pt).
Independentemente de seu sentido religioso, o
termo “páscoa” tem uma conotação rica, uma vez que significa mudança, passagem,
travessia.
Justamente
pelo seu sentido religioso, falar deste tema pode ser uma experiência difícil,
já que poderemos ferir suscetibilidades, tanto daqueles que creem, como também
dos chamados ateus. Também há o risco de estar se falando o óbvio. Entretanto,
é preciso considerar que o óbvio, quando não vivido, torna-se oculto. Assim
acontece com as verdades da própria vida.
Os
cristãos vivenciam a Páscoa como a mais importante de suas celebrações. Eles se
apoiam nas palavras do apóstolo, quando diz: “Se Cristo não ressuscitasse, a
nossa fé seria vã, inútil”.
Olhando
a questão de forma mais penetrante, podemos ver que é um conforto para o
cristão reconhecer, numa dimensão de fé, que seu Deus assumiu a condição
humana, mesmo naqueles momentos mais difíceis, de angústia, humilhação,
sofrimento agudo e morte. No filme “A Paixão de Cristo”, dirigido por Mel
Gibson, essa ideia é muito explorada; a abertura é feita com a citação de
Isaías: “Pelas suas chagas fomos curados”.
A vida
é extremamente gratificante quando estamos saudáveis, gozamos de razoável
conforto material e convivemos com pessoas que nos querem bem. No entanto, como
acontece, sempre existe um reverso da medalha, onde viver nos parece algo
sombrio. Isso ocorre quando somos acometidos de doença, passamos por
dificuldades, sofremos derrotas. Nesses momentos, o cristão se sente
reconfortado pelo exemplo de seu mestre; por isso, consegue um novo alento, uma
esperança renovada para enfrentar os tropeços e obstáculos, enquanto outros
desistem, parando pelo caminho.
Entendo
que talvez seja essa a razão pela qual, na Semana Santa, a celebração da paixão
é mais cultuada do que a da própria ressurreição. Católicos, por exemplo,
passando em frente à imagem do Senhor morto, fazem questão de tocar e beijar as
chagas do peito, dos pés e mãos perfurados. Este é um momento de conforto que
levam para a vida, sabendo que chegará a hora em que terão que tirar dali as
forças para enfrentar suas próprias dores e calvários.
Tento
transferir para aqueles que não creem ou tenham outras crenças todo o
simbolismo desse tema, Páscoa.
Vejo
que a Vida é assim como a Natureza: existe a noite e existe o dia; temos
momentos de sol e de chuva; nas estações, a primavera sucede os rigores do
inverno.
Assim é
a vida humana. Temos momentos de dor e de prazer, de sorrisos e de lágrimas, de
tristeza e de alegria, de morte e de vida.
A que
vou me apegar? O que é mais importante? É mais correto considerar que viver é
sofrer, que a morte suplanta a vida? Eu me recuso a pensar assim, a fazer esse
tipo de juízo. Sei que a morte é algo inevitável, mas prefiro – repetindo uma
citação também óbvia, embora pouco compreendida – prefiro morrer vivendo que
viver morrendo. Essas são duas posturas distintas. Por causa de um natural
otimismo, inverto as ordens do jogo e afirmo: viver é dolorido, sim, mas essa
dor se reverte em um bem. Assim como o inverno que prepara a primavera, vejo
que os momentos difíceis da vida são vestíbulos para a páscoa de novos
momentos. Os momentos difíceis, de dor, angústia, lágrima, morte, são
prenúncios de alegria, prazer, sorriso, vida. Como já dizia um escritor: “Não
há problemas que não lhe tragam nas mãos um presente” (Richard Bach).
VIVER
requer coragem para enfrentar os desafios. Usando de linguagem poética, podemos
dizer que os desafios quase nunca escondem lobisomens e assombrações; pelo
contrário, na maioria das vezes, o que você descortina logo após a curva do
caminho é um belo pássaro, pousado sobre os galhos de uma árvore, e uma flor,
junto a um regato de águas cristalinas.
Concluindo,
retomo o que dizia Heráclito de Éfeso: πάντα ρεί (“Panta rei” - tudo flui, tudo
muda). Mudar faz parte do processo de amadurecimento humano. Entender a vida é
saber aceitar as mudanças, amadurecer é conviver com o novo. Mesmo porque, ao
fim de tudo, a vida é páscoa. E, como diziam os poetas, não podemos ficar
parados, já que navegar é preciso.
FELIZ
PÁSCOA!
Etelvaldo Vieira de
Melo