TODO MUNDO CABE NO MUNDO

 

Pelo sonho é que vamos.

(Sebastião da Gama)

 

As transformações no mundo contemporâneo são grandes. Tudo muda, mas nem sempre para melhor. É o caso, por exemplo, da concepção de tempo e espaço. Será que chegamos a um novo período no tempo? As novas gerações tendem a viver só no presente, pois não conseguem enxergar o futuro, que se tornou demasiadamente incerto. Que futuro está sendo construído? Um problema para a juventude como também para as demais pessoas é a crise de esperança, possível de determinações comportamentais negativas.

Vivemos em uma sociedade imediatista que não ensina a desejar além daquilo que é imediatamente acessível. Desconsidera o “transcendente”, o que vai além da experiência concreta. Como conjugar outros sentidos que não seja o mecanismo da autoperpetuação do mercado e seus cúmplices? No entanto, o importante é nossa tomada de posição com perspectivas críticas e, simultaneamente, propositivas para esses desafios. Assim, é possível, entre nós, pensar e repensar o Brasil. Ou melhor, o “Brasiu”, como escreveu Cristina Thorstenberg Ribas. O Brasiu dos sobreviventes nas cidades, nos alagados, nos modos de vida sub-humanos. O Brasiu das histórias silenciadas e do mesmo sonho comum: democracia política, autonomia nacional, respeito às diferenças sociais, culturais, sexuais e étnicas, fim da violência e da intolerância e, neste Brasiu, como nos lembra Leonardo Boff, é preciso incluir o pensamento ecológico da libertação.

Em cada época, pessoas e grupos se levantam, tomam a palavra e lutam pela justiça social e abrem caminhos para a construção de outro mundo (um mundo diferente é possível), como pensava a Irmã Dorothy sobre a Amazônia – um espaço de sombra e água, vida e árvore, ser e seres. Colocou em cena projetos, lutas e desafios como também Dom Pedro Casaldáliga, Marçal Guarani, Zilda Arns e outros, tantos outros. Para eles, o sonho é a chave de que todo mundo cabe no mundo – uma ideia que tem brilho e asas. É a “costura da história” com outras cores e novos contornos. Afinal, o desafio é encontrar caminhos de diálogo, não-violência e justiça entre os povos, as instituições e as pessoas.

Alguns questionamentos importam para o desassossego que nos atormenta – as pessoas violentas, os terroristas e assassinos produzem bombas e armamentos? São donos das fábricas do arsenal bélico? Esta é uma questão pertinente com relação à violência. São inúmeras as trajetórias da violência como também não existem um só lócus de sua produção, o que demonstra sua capacidade multiplicadora através da ciência, tecnologia, política e economia. Isso coloca o humanismo numa moldura. Então, uma questão maior se torna crucial – “Deixar fora toda esperança”, como escreveu Dante? Será que nem Deus pode com a burrice do ser humano? Com efeito, não se pode inclinar diante do reinado da força. Parodiando Descartes, a máxima no mundo contemporâneo pode ser: “Luto, logo existo”. O esforço para a construção de um mundo humano e solidário é contínuo na história. Como escreveu o militante, poeta e professor Nêgo Bispo: “Nós temos começo, meio e começo de novo, não temos fim”. Os grandes feitos nascem de uma semente de mostarda. Os atabaques, berimbaus, agogôs e pandeiros ressoam em territórios populares e misturam criatividade, som, ação e cores com o cotidiano para renovar a dureza da vida. Assim nasceram o antirracismo, os direitos dos povos originários, os gritos de todas Marias-da-Penha, as respostas contra a violência racial, de gênero e tantas outras. Com a criação de redes, diversos tipos de organização, articulações com grupos internacionais há um enriquecimento em coalizão e construção de alianças, a partir de diferentes lugares, como vem sendo feito, por exemplo, pelo Greenpeace. Assim, por meio de uma luta coletiva, ações pacíficas e criativas vêm sendo desenvolvidas, em defesa dos ecossistemas e de um futuro verde para o planeta. Com isso, um jogo de relações redefine posições, gera novos efeitos de sentido e promove uma prática mais participativa. Por sua vez, este processo não está isento de problemas, conflitos e divergências.

Nosso mundo carece de uma agenda que humanize as relações. Um mundo no qual só se conta a lei do valor e a lógica do saber não é um mundo humano. É possível humanidade sem espaço para o lazer, a solidariedade, a amizade e o sonho? O sentido da vida está na construção da história pessoal e social com direito ao acesso aos bens essenciais – saúde, educação, moradia, trabalho, cultura e lazer. O amor partilhado nos desperta, envolve e estimula. É dádiva e tarefa. É possível enxergar o cuidado com o outro na forma de dizer ‘bom dia’, mistério num abraço, convite num movimento social, encantamento no amanhecer e um renascer no pouso de uma abelha. Ideias mestras, fecundas e regeneradoras provocam e transformam a história. Chegamos a um momento no qual reconhecemos ser importante entender/reconhecer o discurso do outro. Mais ainda: não ver o outro menor que a gente.

Projetos para o futuro? Vamos trocar os donos do mundo por aqueles que semeiam vida e esperança. E, ao pensar nisso, repensar o lugar da juventude na sociedade brasileira. Como alçar outros voos para as novas gerações, principalmente para os jovens negros das periferias? Repensar o cotidiano, a formação e a educação, tendo em vista as modulações e articulações que compõem as juventudes. Um dado a ser considerando é o fato de que a juventude atual nasceu num mundo globalizado, mediático e tecnológico. Além disso, sofre a violência da cultura do consumo. É nesse mundo de incertezas e violências que se insere a “experiência geracional” dos jovens. A crise mundial restaura um desafio: “Decifra-me ou devoro-te”.

Concluo com o pensamento de Martin Luther King em sua “Carta a colegas de bom senso”: “Chegamos agora ao momento de tornar real a promessa da democracia e transformar nossa promissora elegia nacional num salmo criador de fraternidade. Chegamos ao momento de elevar nossa política nacional da areia movediça da injustiça racial ao rochedo inabalável da dignidade humana”.

Não importa quão duro seja o presente, precisamos evocar outros cenários. Cenários inaugurais de comunhão, respeito às diferenças sociais, culturais, religiosas, sexuais e étnicas, fim da violência e intolerância. Espaço para novas sínteses.

 

Mauro Passos

CEHILA – Brasil

Belo Horizonte (MG)


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