MÍDIA: UM DESAFIO REAL À DEMOCRACIA


 

Sophia Flora (*)

Pra Início de Conversa

Sei que é inútil falar a verdade para um povo que teve a mente programada pela mídia desde os tempos remotos, quando incutiu na memória do povão que a China é o diabo comunista (ela que tinha, em 1978, 800 milhões de pessoas na miséria e erradicou a pobreza em 2020), e os Estados Unidos como os heróis salvadores (que invadiram e bombardearam dezenas de países, depois da segunda guerra mundial até hoje). A história pífia da mídia televisiva começou quando descobriram que o controle da informação é a maior arma para a vitória sobre os imbecis. Posteriormente, veio a Internet que é um meio de comunicação e informação, e não fonte de conhecimento. Aí a vaca foi pro brejo de vez. O método de se produzir conhecimento foi abandonado: pesquisas, documentos, dados, embasamento, tudo que se podia provar e mensurar ficou desinteressante. Ficou mais interessante espalhar mentiras sem qualquer embasamento científico ou de provas, é o que se qualifica como fake news, e é bom lembrar que era exatamente isso que os militares fizeram na ditadura, impedindo o conhecimento. Por isso, até hoje recebem os brados dos zumbis que se acham vivos.

Liberdade X Estupidez

Parece que a liberdade começa quando questionamos aquilo que nos é apresentado como verdade. Tomemos uma situação atual:

- Qual a explicação do tal Marçal, um marginal bolsonarista e milionário pelas redes sociais, um estelionatário golpista já condenado pela justiça, um indivíduo totalmente boçal e mentiroso como o Inelegível, de um partido político desconhecido e com vínculos com o crime organizado, já contar 20% das intenções de votos na maior cidade da América do Sul?

Uma das respostas poderia ser: o fascismo sempre se nutre da estupidez, da burrice e do ódio, do amor a Deus e à Pátria. Outra resposta poderia ser: o mundo gosmento da Internet transformou a mentira em ponto de vista, a versão torpe na corrosão de tudo que é correto. Mas qual é o filtro que esses eleitores utilizam diante da enxurrada de informações falsas que consome diariamente? Talvez o filtro seja a loucura, o ódio e a estupidez que têm um enorme poder de sedução sobre a BURRICE.

Segundo Edward Bond, como podemos definir nossa época sem definir a loucura? Como as pessoas podem acreditar nas ideias loucas que a mídia lhes impõe? O que é que os deixou loucos? Eles criam uma sociedade que é uma realidade para eles, a sua loucura é a razão para a loucura que eles encontram no mundo!

E, nessa loucura total, o que é a mídia convencional? As TVS que são concessões públicas, nada mais são que uma engenharia social maligna que se utiliza do iletramento político e social para criar o tal “cidadão de bem!”

O A,B,C da ação da Mídia

Distraem o público com banalidades para evitar o conhecimento do que as elites decidem sobre depredação dos bens comuns a todos, e que a poucos pertencem. 

Intensificam a violência urbana, criam crises econômicas pra justificar o desmantelamento dos direitos sociais, causado pela elite, mas escondem as notícias boas.

Para as decisões neoliberais da direita, apresentam como dolorosas, mas necessárias à decisão impopular, e prometem um futuro melhor depois do sacrifício.

Fazem uso intenso do aspecto emocional, para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, ou até induzir comportamentos.

Conseguiram até mesmo fazer com que o público acreditasse que é moda o ato de ser estúpido, vulgar e inculto, e isso fez os eleitores do Inelegível. 

Concluíram o projeto de destruição e desidratação da política, para ter controle sobre a esquerda e dos eleitores, desde que houve o processo de redemocratização.

Decodificando os Debates Eleitorais

Cito como forma de controle da população votante, a evolução dos debates na televisão, sempre com o mesmo engessamento pelo horário impossível para a classe trabalhadora que levanta cedo, ou seja, é impossível uma DEMOCRACIA com esses canais de TV hereditários, que fazem os debates pra minoria ver (um minuto para a pergunta, um minuto para a resposta, vai falar o quê?).

A mídia criou uma figura mítica, um cidadão que vê debate público, que está ali pra ver propostas .... coisa nenhuma, ele está ali pra ver cadeirada, brigas, baixarias e bandidagem de toda sorte!

Mídia pífia, digna da pablomarcelização dos ouvintes levianos. Analfabetos sempre existiram, mas não tinham orgulho disso; hoje, o analfabeto funcional com formação - mas sem informação, tem orgulho de nada saber (a não ser a decoreba pro pão de cada dia, amassado pelo diabo, claro).

Soberania nacional é balela

Pra completar o atoleiro tecnológico golpista, o deputado cel Meira (PL) publicou um documento mostrando que o Exército e a Marinha dependem das antenas da Starlink, como que não pudéssemos mexer com a empresa do Elon Musk, ou seja, a comunicação das operações militares brasileiras passa pelos satélites de Musk. Disse que o exército pretende novos contratos para atender pelotões especiais de fronteira (PEF), situados em locais de difícil acesso. Fica a pergunta então aos sabichões bolsominions: a soberania nacional tá na mão de quem? Do cara mais poderoso do planeta, e isso dá poder político a Musk, que apoia a extrema direita, TRUMP e BOZO, com o objetivo de ganhar o compromisso para barrar qualquer tipo de regulação das big techs.

USA & CIA: quase tudo sobre controle

Li uma matéria no UOL-Operamundi - que diz o seguinte, resumidamente:

 "O New York Times investigou e chegou à conclusão que a CIA engloba mais de 800 organizações e indivíduos de ‘notícias e informações públicas’. A CIA se tornou proprietária de serviços de imprensa, revistas e jornais, colocou agentes nos serviços de imprensa. Transformava e transforma crimes de grandes potências em virtudes democráticas. William Schaap, um especialista em desinformação, testemunhou que a CIA possuía ou controla cerca de 2.500 meios de comunicação em todo o mundo, e tinha jornalistas e editores de destaque em sua folha de pagamento. Em cada capital estrangeira, tinham um jornalista de fachada ou infiltrado que podia publicar histórias úteis à CIA. Alguns estudiosos como Yasha Levine detalham o amplo envolvimento da segurança nacional dos EUA no âmbito das big techs e das mídias sociais, e que ocupam posições chaves no Facebook, X (Twitter), Tiktok, Reddit e Google.

O mesmo se aplica à sua virulenta propaganda anti-China 24 horas por dia. Em tempos passados, realizaram campanha de difamação contra figuras como Sartre e Beauvoir. Já figuras como Foucault, Lacan, Deleuze e outros foram associados ao movimento estruturalista e opositores de Sartre, tiveram sua promoção nos Estados Unidos, que os catapultou para os holofotes internacionais e os tornou leitura obrigatória para a intelectualidade global.

A guerra híbrida é levada a sério pelos Estados Unidos quando não pode bater de frente. A calúnia, difamação e fake news são modus operandi dos USA conseguirem que os seus adversários sejam malvistos e desvalorizados. Um constante combate ao pensamento progressista, pra fazer valer uma plutocracia, onde a sociedade é constituída por ativos de produção e os servidores públicos são produtos explorados pelo capital e o Estado, com todos os seus poderes dominados por uma única ideologia de privatização ao capitalismo, em detrimento de um desenvolvimento baseado na cooperação, proteção do cidadão e melhorias das condições socioeconômicas, sem as incertezas das crises sistêmicas do próprio capitalismo. Mas, contra tudo isso, move-se uma propaganda que subverte a lógica vivida na distorção de um sonho americano, financiado por guerras, golpes, protecionismo e embargos para impor os seus interesses. Coisa que se todos praticassem, não haveria justiça.” (Menos marxismo, mais ideologia burguesa: como CIA manipula esquerda ocidental há 70 anos - Diálogos do Sul Global)

Eles são avassaladores, não têm clemência: se preciso matar, eles matam; se precisar destruir a família, o país, eles destroem.

Mídia: controle da consciência de um povo tratado como imbecil

É uma ingenuidade pensarmos que podemos desenvolver uma análise correta e compartilhar nossos pontos de vista, convencendo as pessoas por meio de argumentação racional. Os filósofos se propuseram a criar revoluções imaginárias que em nada mudam a realidade, mas que a mídia apoia para dar um ar de (falsa) rebeldia.

Um exemplo de como a mídia trata o povo como imbecil, é ignorar o movimento Woke (esquerda abduzida), queimadas e responsáveis, bets (que é um crime organizado). Só falam em Venezuela, para dar continuidade à enfermidade da sociedade, que é uma sociedade cansada, infartada neurologicamente, sustentada a medicamentos para esquizofrenia, psicoses e bipolaridades!  Enquanto isso, espertos se vendem como antissistema (Bozo, Marçal) para que a mídia tenha escândalos programados.

A mídia nada informa, sua programação inibe a população de desenvolver um senso crítico, de cuidado com a natureza, do cuidado com o outro, de cuidar do outro.  A imagem é de comportamento animal, como se fôssemos bichos. Enquanto milhões de brasileiros são permanentemente ameaçados por insegurança física e alimentar, encontramos a mídia exercendo um domínio sobre a consciência do povo, ao controlar os discursos e as notícias a serem dadas, verdadeira simulação do fascismo. O Brasil teve nos últimos 6 anos um regime muito agressivo à democracia, e a mídia sustentou isso, de forma absoluta e corriqueira, quando apoiou unanimemente ao impeachment mentiroso e farsante da Dilma Roussef, ajudando a colocar na presidência da república um traidor bandido e, posteriormente, um torturador assumido e ladrão de toda sorte (imagina comprar 51 imóveis com dinheiro vivo, e de onde saiu tantas malas e malas de dinheiro?) , e até hoje tem milhões de brasileiros que defendem um ladrão de joias e defensor da tortura. Alguém questiona que o Inelegível é um torturador? Ele homenageou o torturador Ustra, na presença da vítima torturada Dilma, no dia do seu impeachment, homenageou Ustra, esse que foi o torturador dela, e, portanto, reincidiu o ato da tortura, e a mídia mostrou em rede nacional essa tortura e normalizou. A grande mídia criou Sérgio Moro e apoiou a gangue da Lava Jato, inclusive levando inocentes ao suicídio, como foi o caso do professor Concellier. Fez de Moro o paladino da justiça, e esse paladino foi Ministro da Justiça do governo fascista, mostrando que o Brasil é um país fascista ao colocar na liderança esses monstros. Nós só não sofremos um Golpe de Estado efetivo, no dia 08 de janeiro, porque Trump não foi reeleito, pois se o tivesse sido, ele apoiaria o comparsa ladrão de joias no golpe ditatorial. A mídia, através dessa gentalha, conseguiu numa pesquisa, que 44% dos entrevistados concluíssem que o Brasil é um país comunista, e o que fez esse povo ficar com uma mente imobilizada foi a falta de uma dialética no jornalismo. Nenhum capitalista que investe na venda de informação PAGA PARA OUVIR O QUE NÃO QUER!

Sabe por que os nazistas chegaram ao momento mais medonho da História? Porque a interpretação não foi feita! 

Lembremos que, numa pandemia, um presidente da república foi pra porta do palácio imitar uma pessoa morrendo de falta de ar. E a interpretação não foi feita! 

O FANTÁSTICO fez, no último final de semana, uma matéria sobre crime ambiental na Amazônia sem um nome sequer de fazendeiro ou de governador culpado. Parecendo que a natureza armou pra se queimar por ela mesma. A abordagem me lembrou a frase do Mark Ficher (“é mais fácil imaginar o fim do mundo, do que o fim do capitalismo”).

Toda essa massa jornalística estará ou já está psiquicamente escangalhada, pois esse grau de negação, aceitação desse capitalismo de catástrofe, um modelo neocolonial digital, destruindo os biomas, junto com queimadas controladas e mineração, destruindo nascentes e florestas, garimpo ilegal poluindo e matando tudo que corre pelos rios, agronegócio e fenômenos extremos criando um vodu climático e com uma tornozeleira geopolítica no Lula. 

Tem gente tacando fogo, e eles não mostram onde e quem foi, e nem quem são os mandantes porque a maioria são seus patrões, o agronegócio. Após a notícia construída, mostram logo a jornalista com informações do tempo, para produzir uma estranha NORMALIDADE. Quem ganha? O AGRO, com a notícia contra o governo, em seguida:  HOUVE ATRASO NA GESTAO DO GOVERNO. É isso, é disso que se trata, manipulação e articulação organizada, e olha que o Silas Malafaia avisou uma semana antes das sequências das queimadas: “O Brasil vai pegar fogo”. Qual a explicação cientifica para a bola de cristal do Malafaia?

Uma jornalista da Globo, na cidade de SP, disse ao ver voluntários salvando animais: "é bonito ver biólogos e bombeiros agindo juntos, não é bonito?" Esse é o jornalismo fofo que o povo desmiolado gosta. Os animais morrendo queimados em situação de dor extrema e a jornalista: "olha que lindo, não é fofo?".

Jornalismo de negação psíquica, então virá o universo mais tarde pra cobrar a disfunção cognitiva em forma de psicose, esquizofrenia, doenças mentais de toda ordem, pois não passaram de seres humanos com PONTOS no ouvido, para dizer o que o mercado queria que dissessem. 

Concluindo

Informação não é igual a formação. 

Nós somos a única espécie viva no planeta Terra que conspira para sua própria extinção. Você não vê nenhum outro organismo no mundo explorando seu habitat, a ponto de não conseguir viver nele, matando a si mesmo, se autodestruindo na magnitude como a gente faz. A estratégia de extermínio começa na mente, a mídia faz o servicinho sujo com tipos de abstrações mentais deletérias pra nossa espécie, nós esquecemos que o mundo natural não está sobre o nosso controle, num cosmo cheio de riscos que nós não controlamos e que a qualquer momento pode demonstrar estar incorreta a nossa tese.

(*) Colaboração Especial

LEITURA DINÂMICA

Imagem: IStock

Nas escolas de antigamente, os estudantes estudavam, sendo que a leitura de livros fazia parte do processo de aprendizagem. Daí, os estudantes tinham que ler muitos livros. Com o passar do tempo, pedagogos foram se apiedando dos pobres adolescentes, dispensando-os de atividades tão maçantes, substituídas por jogos e outras de lazer, que ninguém é de ferro. Estou falando isso porque, há pouco tempo, caí na besteira de publicar um livro. Achei que seria no ambiente escolar que iria encontrar a maior parte dos possíveis leitores. Desisti na primeira investida quando, ao abordar uma professora, ela, tapando a boca com a mão esquerda e fazendo um gesto de empurrar com a direita, falou:

- Que você me desculpe, mas tenho alergia só de ouvir a palavra “livro”.

Deixei pra lá, e os livros continuam empilhados lá no quartinho da dispensa de casa. Se, por um lado, minha experiência foi ruim, por outro foi boa. É que consegui realizar aquela tríade de objetivos da vida de um ser humano: plantar uma árvore (olha o dia da árvore aí, gente!), ter um filho, escrever um livro. Maktub!

Mas, voltando aos tempos de antigamente. Vendo que os estudantes viviam sobrecarregados com a tarefa de ler muito, alguém teve a ideia de inventar um curso de “leitura dinâmica”. Através dele, um livro, que iria gastar umas cinco horas de leitura, poderia ser degustado em pouco mais de cinco minutos, ao tempo das páginas serem passadas lentamente uma a uma.

Não cheguei a fazer um curso de leitura dinâmica, mas ela, a leitura dinâmica, chegou hoje ao meu encalço, e ao de todo mundo, com a Internet, os telefones celulares, as Redes Sociais. Porque hoje as notícias são digeridas pelas manchetes, que ninguém se dá ao trabalho de perder tempo, buscando saber e compreender os detalhes. Sendo assim, as manchetes são cuidadosamente elaboradas para que suas mensagens sejam prazerosamente engolidas pelos incautos internautas. Elas são apresentadas de forma axiomática, como se fossem verdades absolutas, a não permitir o mínimo de contestação. Daí, qual rastilho de pólvora, irão se espalhar pelas bolhas das redes sociais, fazendo seus estragos.

Vamos a um exemplo, que estou naquela fase de matar a cobra, passando atestado, e acredite quem quiser, que estou me lixando.

Vivemos o período pré-eleitoral, para a escolha de prefeitos, vereadores e parte de senadores. É uma época onde rola muito dinheiro, deixando muita gente de barriga cheia. Se, antes, a campanha ficava por conta dos “santinhos”, dos postes de luz (e dos “joões do poste”), dos cabos eleitorais e dos votos de cabresto, a coisa hoje sofisticou um pouco, caindo nas Redes Sociais. E o negócio passou a ser produzir notas curtas, os chamados “cortes”, para serem espalhadas pelos robôs. As redes de notícias irão dar o suporte logístico necessário.

Tivemos no domingo, dia 15 de setembro, um debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, produzido e transmitido pela TV Cultura. A certa altura, após sofrer várias agressões morais do oponente Pablo... (como é mesmo o sobrenome dele? Marçal, achei aqui anotado), José Luiz Datena foi em sua direção, agredindo-o com uma cadeirada. Na segunda-feira, fomos bombardeados com as repercussões do acontecido.

- “Marçal teve fratura na costela e está com braço imobilizado”, esbravejou a CNN, indo além do que disse, no momento, a assessoria do candidato Marçal (que levantou apenas a sus-pei-ta de fratura) e do que não disse o hospital;

- “Marçal fala sobre estado de saúde e dispara contra adversários após agressão em debate”, corrobora a Rádio Itatiaia, farinha do mesmo saco da CNN, tanto física quanto ideologicamente falando;

- “Datena dá seu show de horror. É grave! Pablo Marçal hospitalizado!”, repercute vídeo do YouTube, usando logotipo G1;

- “Pablo Marçal ganha seguidores nas redes sociais após agressão em debate”, arremata o Correio Braziliense.

Estando as mensagens subliminares das reportagens de jornais e revistas contidas nos seus títulos, já que quase ninguém vai se dar ao trabalho de ler seus conteúdos, é com base em leituras superficiais que as pessoas tiram suas conclusões e fazem seus juízos de valor. Daí, podemos dizer que estamos perdidos num mato sem cachorro, diante da avalanche de notícias falsamente produzidas e embaladas por uma mídia subserviente ao poder dos tubarões da Faria Lima, todos temerosos de que o controle político caia nas mãos de quem não atende diretamente aos seus interesses.

O saudoso Jô Soares dizia: “Se a propaganda é a alma do negócio, que nenhum negócio seja a alma da propaganda”. No Brasil, os poderosos pensam assim: “Por dinheiro, vendemos a alma ao capeta. E o povo que se dane”. E, felizes, vão abraçar os capetas em figura de gente, enquanto pastores e padres dão a bênção.

Etelvaldo Vieira de Melo

VALE A PENA LER DE NOVO: UMA DÚVIDA CRUEL


   Por essas contingências do Tempo, a nos proporcionar perdas e danos, Eleutério sente necessidade de usar um aparelho auditivo. Seu otorrino - aquele que se parece um pouco com Mr. Magoo, personagem de desenho animado, e que faz lembrar também Yoda, de Star Wars - é radicalmente contra; ele acha que devemos nos conformar com os percalços da idade. Sua filosofia de vida inclui também a receita para um casal viver feliz: cada um dormindo em cama separada, em quarto separado. Melhor se morassem em cidades diferentes ou, o que seria perfeito, em países diferentes.  Quanto a usar ou deixar de usar aparelho auditivo, Eleutério se vê pressionado por pessoas próximas, talvez cansadas de terem de repetir frases por várias vezes.

   Mas ele está em dúvida. Para ter uma melhor resposta, procura observar as pessoas, trocando ideias com umas e outras. Viu – antes nem tinha reparado – que o colega Adamor usava um aparelho. Eleutério quis saber o custo e como era usar o dito cujo.

   - Cara Pálida, é o maior barato, putz grila! – (Adamor tem mania de usar gíria da década de 60). – Comprei há dois anos, e custou R$25 mil.

   - Putz grila digo eu – falou Eleutério, indignado. – Eu não quero um aparelho para ouvir até pensamento dos outros, não!

   Outro que usa aparelho é o Marízio. Quando adolescente, os colegas diziam que ele era surdo por conveniência. Foram muitas as vezes em que, nas aulas, durante arguições, respondia coisas que o professor não havia perguntado. Quando esse chamava sua atenção, vinha com a desculpa: “- Peço desculpas, professor, mas entendi outra coisa”. O professor se conformava: “- Deixa por isso mesmo”. E o Marízio acabava se dava bem.

   Em casa, assim que vai dormir, ele pergunta para a mulher:

   - Maria, você tem mais alguma coisa para me dizer?

   - Não – fala a Maria. – Está tudo bem.

   - Então, boa noite – ele diz, enquanto retira o aparelho.

A partir daí, o mundo pode desabar, que ele nem vai se dar conta. Como aconteceu daquela vez, em que a vizinhança passou a noite em polvorosa por causa um assalto à mão armada, com direito a tiros. Maria passou a noite em claro, com os olhos arregalados e tremendo feito vara verde. Enquanto isso, Marízio roncava pacificamente. Só no dia seguinte é que ele ficou sabendo da cena de bangue-bangue.

   Já o vizinho Antenor, o Nô, além de surdo é analfabeto, nem sabe olhar as horas num relógio. Diz que se orienta pelo Sol; quando chove ou o tempo está nublado, deixa-se levar pela barriga (hora de almoçar ou de jantar). Perguntado se não gostaria de usar um aparelho, falou:

   - Comigo não tem mais jeito. Com 87 anos de idade, agora é só esperar a hora de ir – diz ele, apontando para o céu, enquanto uma lágrima teima em rolar pelo seu rosto.

   Nô é uma pessoa emotiva e de muita fé. Quando teve que tirar o dedão do pé numa cirurgia, se alguém perguntava onde estava o dedo, respondia: “- O dedo ficou com o doutor Alfredo” (o médico que o operou).

   Fazendo pesquisa de preços, Eleutério ouviu de uma fonoaudióloga:

   - Veja você o que dá uma pessoa ouvir direito e tire suas conclusões: um cliente aqui da loja já refez seu testamento três vezes, depois que passou a usar um aparelho.

   Usar ou não usar um aparelho? – Eleutério continua se perguntando. Fazendo o teste proporcionado pela loja de revenda, tem hora que pensa que sim: quando ouve sons antes não percebidos, como o cantar de pássaros soltos nas árvores. Ou, então, quando consegue perceber novamente aquele toque especial do contrabaixo na música “Bridge Over Troubled Water”, de Simon & Garfunfel. No entanto, tem momentos em que pensa que é melhor não. Como, por exemplo, quando ouve o relógio da cozinha de casa e seu tic-tac parecido com aquele do filme “Matar ou Morrer” ou, então, quando está dentro de uma lotação. Se antes o barulho do motor mais as conversas pareciam fundo musical, agora parecem uma sessão de tortura, impedindo-lhe de fazer o que gosta: pegar uma caneta e papel, ficar escrevendo suas bobagens. Na verdade, o mundo está parecendo para ele uma grande sala de cinema, cheio de efeitos surrounds. Ao ouvir, por exemplo, a freada de um ônibus, ele quase enfarta.

   Tem outra coisa mais séria. Eleutério sofre de um distúrbio neuropsíquico chamado PFL. Não se trata de uma sigla de time de futebol nem de partido político, mas de uma invenção sua (Prolapso de Fim de Curso), quando sua filha começou a estudar medicina e ele frequentava um curso de eletrônica. Tal nome não passa de uma forma delicada para designar lerdeza. Eleutério quer crer que seu PFL, ou retardo mental, se deve à sua surdez. Ele que, até agora, viveu conformado com sua lerdeza, está preocupado: vai que ela não tem nada a ver com sua perda auditiva e seja coisa congênita dele mesmo. Coitado, como vai ficar sua autoestima, tendo de conviver com a verdade de que é lerdo por natureza?

Etelvaldo Vieira de Melo

ENTREVISTANDO LEON TOLSTOI

 
Leon Tolstoi e o correspondente da BBCr. "Foto" de Sophia Flora 

Ao longo de 12 anos, ser correspondente deste blog, BBCr: Blog das Belas Coletâneas Ridículas, tem me proporcionado muitas e inusitadas alegrias. Uma delas foi a de poder viajar no tempo e encontrar pessoas especiais. Por exemplo, quando voltei à infância e estive em Andrelândia, terra natal do amigo Cleber, esse que só cheguei a conhecer depois de adulto. Ele tinha tido um acidente fatal, e a volta à infância era uma forma que encontrei de tentar mudar o curso da História. Um outro exemplo foi o de ter visitado José e Maria em Belém, poucas horas antes do nascimento de Jesus.

Uma experiência que me agrada de forma especial é a de poder entrevistar pessoas especiais. Recentemente, entrevistei Ellen Pietra, fato que teve uma repercussão muito bacana. Antes, já havia conversado com o doutor Fábio Gikovak, Eliane Brum e Millôr Fernandes. Hoje, minha conversa é com Leon Tolstoi.

Lev Nikolaevitich Tolstoi, mais conhecido em português como Leon Tolstoi, foi um escritor russo, que viveu de 1828 a 1910, amplamente reconhecido como um dos maiores de todos os tempos, autor de Guerra e Paz, Anna Karenina e A Morte de Ivan Ilitch, entre outros. Tolstoi concedeu esta entrevista no dia 17 de maio de 1902, poucos meses antes de completar 80 anos. Nossa conversa aconteceu numa ampla sala de sua fazenda, Yasnaya Polyana, também usada como sala de aula para os filhos dos camponeses que ali trabalhavam.

- Tolstoi, é um prazer estar aqui conversando com você. Antes, como curiosidade, gostaria de saber: tem algum problema no estômago?

- Não. Por que a pergunta?

- É que, na maioria de suas fotos, você aparece apertando a barriga, num gesto muito parecido com o de meu tio Lalau, que tinha uma úlcera crônica. Mas vamos às perguntas, a primeira com um pouco de provocação: tenho notado que você tem umas ideias estranhas sobre as mulheres...

- Pois é.  A mulher é tão interessante que a diferença entre uma boa e uma má mulher quase não existe. Penso que é difícil amar uma mulher e simultaneamente fazer alguma coisa com juízo.

- E o casamento?

-  Devíamos sempre casar-nos da mesma maneira que se morre: só quando é impossível fazer outra coisa. O que conta para fazer um casamento feliz não é tanto quanto você é compatível, mas como você lida com a incompatibilidade. Quanto ao amor.... bem, amar um homem ou amar uma mulher toda a vida é teimar que uma vela acesa pode arder eternamente.

- Por que você é vegetariano?

- O comer carne é a sobrevivência da maior brutalidade; a mudança para o vegetarianismo é a primeira consequência natural da iluminação. Se o homem aspira sinceramente viver uma vida real, sua primeira decisão deve ser abster-se de comer carne e não matar nenhum animal para comer.

- De onde vem essa maneira de pensar?

- Quando pensei sobre o que ainda é mais terrível que o sofrimento e a morte dos animais: o fato de o homem, sem necessidade, suprimir a suprema susceptibilidade espiritual de sentir compaixão e piedade para com os seres vivos como ele; o fato do homem se tornar cruel violando as leis da Natureza, matando para comer. Um homem pode viver uma vida saudável sem ter que matar animais para comer; portanto, se ele come carne, participa do ato de tirar a vida de uma criatura meramente para saciar seu apetite. E agir dessa maneira é imoral.

Tolstoi e o correspondente da BBCr caminhando pelas dependências da Yasnaya Polyana. "Foto": Sophia Flora

- Com o avanço da Internet e a criação das Redes Sociais, apareceu lá no meu tempo muita gente estúpida. O que devemos fazer? Ignorar essa gente?

- Não. Deve valorizar-se a opinião dos estúpidos: são a maioria.

-  Quer dizer, então, que você concorda com o erro, a mentira?

- Não, absolutamente. O errado não deixa de ser errado só porque a maioria concorda e participa.

- Sendo assim, qual o seu conselho para os internautas?

- Que tenham cuidado com a palavra. A palavra pode unir os homens, a palavra pode também separá-los, a palavra pode servir o amor como pode servir a amizade e o rancor. Livra-te da palavra que pode provocar o ódio.

- Vamos fala de política.

- Todo mundo pensa em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo. Já os governos precisam de exércitos para protegê-los de seus oprimidos e escravizados súditos. Quanto as leis, elas não foram feitas para atender à vontade da maioria, mas sim à vontade daqueles que detêm o poder. O único fim dos tribunais é o de manter a sociedade no seu estado atual.

- E a relação dos ricos com os pobres?

- Os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descer de suas costas. Depois, é preciso ter cuidado, pois andam confundindo as coisas, dizendo que é caridade dar centavos com a mão esquerda depois de tirar milhares com a direita.

- O tempo passa e os homens continuam praticando a guerra.

- Será então impossível aos homens viverem em paz neste mundo tão belo debaixo deste incomensurável céu estrelado? Como podem eles, num lugar como este, guardar sentimentos de ódio e de vingança e a ânsia de destruir seus semelhantes? Todo mal que há no coração humano devia desaparecer ao contato com a natureza, essa que é a expressão mais imediata do belo e do bom.

- O clima na Terra anda descontrolado, com muito calor, muita seca, pouca chuva. Lá no Brasil, você precisa ver, a terra anda pegando fogo, literalmente.

- Pois é. Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira.

-  Mudando de assunto. Acredita em predestinação, destino?

- Qualquer que seja ou venha a ser o nosso destino, somos nós que o fazemos, e não nos lamentamos.

- Diante disso, como fica o sofrimento?

- Se não houvesse sofrimento, o homem não conheceria o seu limite, não conheceria a si mesmo.

- Como superar a mágoa provocada pelas decepções?

- Se seu coração é grande, nenhuma ingratidão o machuca, nenhuma indiferença o cansa.

- O que é mais importante: fazer o bem ou praticar a justiça?

- Fico feliz quando posso fazer o bem, mas corrigir uma injustiça é a felicidade suprema. Agora, a alegria de fazer um bem é a única felicidade verdadeira.

- Falando em verdade, como alcançar a liberdade?

- Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência.

- Uai! Lá no Brasil, muita gente pensa diferente: quer uma tal de liberdade de expressão, usando a mentira e correndo da verdade. Mas, voltando ao roteiro: - Uma grande falha das pessoas.

- Falta de respeito. Os homens não têm muito respeito pelos outros porque têm pouco até por si próprios.

- E suas principais virtudes?

- O amor. O homem ama, porque o amor é a essência da sua alma. Por isso não pode deixar de amar.

Ter fé.  Se, por um lado, a única certeza absoluta que o homem tem é que a vida não tem sentido, por outro, a fé é a força da vida. Se o homem vive é porque acredita em alguma coisa.

- Nesse caso, cabe perguntar: na vida, devemos nos guiar pela razão ou pelo sentimento, pela emoção?

- Pretender-se que a vida dos homens seja sempre dirigida pela razão é destruir toda a possibilidade de vida. É no coração do homem que reside o princípio e o fim de todas as coisas.

- Qual o maior bem do ser humano?

- O amor, como o da planta é a luz. O homem ama, porque o amor é a essência da sua alma. Por isso não pode deixar de amar. Por isso, quando alguém morre, podemos dizer a seu respeito: viveu tanto quanto amou.

- Se a felicidade é o objetivo da vida, qual o seu segredo?

- O segredo da felicidade não é fazer sempre o que se quer, mas querer sempre o que se faz. Sua condição essencial é ser humano e dedicado ao trabalho. Pode-se viver uma vida magnífica quando se sabe trabalhar e amar. Trabalhar por aquilo que se ama e amar aquilo em que se trabalha.

- O que representa Deus para você?

- Onde há amor, lá Deus está. Aquele que tem amor está em Deus, e Deus está nele, pois Deus é amor.

- O que passa pela sua cabeça quando pensa na morte?

- O único consolo que sinto ao pensar na inevitabilidade da minha morte é o mesmo que se sente quando o barco está em perigo: encontramo-nos todos na mesma situação. Mas penso também: o Amor é Deus; e a morte significa que uma gota deste Amor deve retornar à sua Fonte. Quando se pensa na morte, a vida tem menos encantos, mas é mais pacífica. É o que penso.

- Muito obrigado, meu amigo.

- Disponha. Um abraço para as pessoas do Brasil.

Etelvaldo Vieira de Melo