INTELIGÊNCIA, GENIALIDADE, MERITOCRACIA!



Um dia desses, alguém me disse que sou inteligente e especial.

Como as pessoas criam imagens da gente, nesse teatro montado, de que sou o que eu não sou e assimilar o que as pessoas não são, né?

Qual das minhas máscaras eu teria utilizado para ser elogiada assim?

Observando-me atentamente, procurei em mim a tal inteligência: eu poderia ser genial se quisesse?

Acho que tudo que está no palco da vida é forjado...

Tive a sorte de nascer com a chance que eu tive, com as redes de contato que tive, e pude usar todas essas influências para chegar onde estou, se é que estou em algum lugar permanente. Tive oportunidade em vários caminhos da vida, mas sei que existem no mundo milhares de mulheres como eu, com as mesmas habilidades, que alguns chamam de inteligência, que nunca tiveram a mínima chance de trilhá-los. Nessa sociedade corrompida, pra você ser vitorioso, tem que ter centenas morrendo de inveja de você. A gente não sabe ser vitorioso junto, a gente tem que ganhar sobre, pra ser sucesso. O sucesso necessariamente se constrói em cima do fracasso alheio, essa é a máxima da sociedade. Como essa sociedade pode se achar humana, solidária, com as travas da interpretação do que seja inteligência e genialidade? O valor da tal inteligência não abrange o outro, o cooperar, apenas abrange o competir de forma VERGONHOSA E FORJADA na classe social em que se está inserido.

Pensei em alguns que SE ACHAM INTELIGENTES, mas defendem um modelo de sociedade onde um ambientalista e um jornalista foram violentamente assassinados na Amazônia e o ex-presidente inelegível diz: "a culpa foi deles, o que eles foram fazer lá?"

Pensei na minha vizinha espírita, que me disse que alguém psicografou que o filho dela autista é a reencarnação de um grande matemático inglês. Por que então o menino precisa de aula de inglês, de música, de fonoaudióloga, de psicóloga e o escambau, se é reencarnação do gênio?

Pensei então no filho autista da nossa faxineira, que tem 14 anos e não fala, não escreve, não lê!  Fica com a avó, enquanto a mãe trabalha pra comprar comida e pagar o aluguel. Será que ele é a reencarnação de um ser burro?

Então reafirmei a minha antiga conclusão: Quer ser inteligente? Seja rico! Pague por isso. O que quero dizer é: uma capacidade inata, num ambiente que não favorece, NÃO SE DESENVOLVE. Mas será que é isso mesmo? Vejamos:

Um menino pobre pode ter todas as capacidades necessárias para ser um poliglota, mas se ele não tiver acesso a livros e cursos, ele jamais, nunca aprenderá a falar idiomas.

No entanto, um menino rico que odeia idiomas aprenderá o inglês e tantas outras línguas que puder, por meio de cursos e livros, sobretudo se começar na tenra infância.

Você sabe se a pessoa não teve uma infância pobre pelas capacidades, pelos talentos que ela tem, pois O ACESSO À INTELIGÊNCIA NO CAPITALISMO SE DÁ PELO DINHEIRO.

Mesmo o pobre que tem acesso à universidade pública se sente menos, ele não sabe falar inglês, pois o sistema foi todo feito para que ele não ascendesse, para que ele não aprendesse inglês e nunca chegasse a ser um doutor, um juiz, um desembargador ou um professor de doutorado de universidade pública.

E esses que não tiveram acesso a cursos, a livros, a professores particulares desde a tenra infância, mas que tiveram que trabalhar paralelamente para se manter enquanto faziam a universidade, nem sabem que mesmo tendo acesso a uma universidade pública, jamais serão os mais inteligentes, segundo a lei capitalista.

E a genialidade, é forjada?

Dizem que colocavam uma luz atrás de Hitler, enquanto discursava, para parecer que ele era uma inteligência sobrenatural.

Assim como o palco de um pastor é forjado, o palco de um artista é forjado, nenhuma inteligência é natural.

A princesa Diana, em uma entrevista, disse ser uma mulher poderosa com a cabeça abaixada, olhos em evidência e voz suspirada. Aquilo transpareceu mais uma mistura de submissão e fragilidade, mas esse era o papel que ela tinha que interpretar no reino da inteligência.

As pessoas forjam o que você pensa a respeito delas.  Eu trabalhei com uma pessoa que era considerada a mais inteligente da empresa. Quando perguntavam se falava inglês, ela dizia que não, mas falava russo, quem iria testar se era verdade? Perguntaram pra ela que tipo de filme ela gostava, e ela respondeu que eram os filmes iranianos, ninguém conhecia cinema iraniano, ninguém a colocou à prova. Dizia que adorava ler Foucault, e quando alguém perguntava, só sabia dizer que ele falava sobre a loucura. É fácil fazer o papel de inteligente: leia 3 livros, decore algumas frases desses livros, cite 3 autores, 2 músicas, 2 filmes. As pessoas vão achá-lo um gênio!

Então, no capitalismo temos que falar de novo sobre dinheiro.

O clube dos artistas é seleto, difícil de ser alcançado. No mundo há muita gente talentosa, mas nem todos terão sucesso, e o sucesso geralmente é dinheiro, é preciso SER INDICADO, E TER MUITO DINHEIRO POR TRÁS PRA FAZER SUCESSO.

Cito como exemplo Chico Buarque, da importante família Buarque de Holanda. Ele escreve coisas geniais, mas teve anos de exercício prévio da educação, teve seu cérebro estimulado desde a infância, cresceu num ambiente abastado, esteve com a nata intelectual do Brasil e vem de um lar de intelectuais ricos demais. Imagina Chico Buarque numa pracinha, sem dinheiro, vendendo seus poemas em folhinhas de papel, quem seria Chico Buarque? Falo aqui de tempo, de treino, capital de contatos e de dinheiro. Imagina um filho de pobre escrever um poeminha e mostrar pro pai que trabalhou 12 horas por dia, esse pai o mandaria caçar serviço. Nós temos centenas de Chicos sentados nas esquinas do mundo. Michael Jackson foi treinado desde a tenra infância, foi descoberto por milionários, seus clips custavam meio milhão de dólares cada um, com produção e coreografias impecáveis, quem não o acharia GENIAL? São milhões de dólares investidos, as mãos dos homens mais poderosos da indústria cultural, e muito trabalho de muita gente, então, quem não seria um gênio? Chacrinha já dizia: nada se cria, tudo se copia. Grande parte das obras de artistas, escritores e poetas é roubada (se achar o termo pesado, pode trocar por copiada).

E a meritocracia, essa menina dos olhos do capitalismo da politicagem?

Percebo que todo esse sistema foi feito pra produzir pessoas fracassadas e como jogá-las no fracasso, para depois culpá-las, dizendo: você não se esforçou o bastante.

Nós temos no Brasil 100 milhões de brasileiros sem saneamento básico, que estão preocupados somente em ter algo pra comer. Meninas que faltam às aulas, por não ter absorventes quando estão menstruadas. Mais de 67 milhões de pessoas ganham abaixo de meio salário mínimo e mais de 12 milhões são miseráveis (IBGE 2022 a 2023).  Alguém aí que lê isso está preocupado com essa população? Quem votou no Inelegível, não, pois ele disse na época da pandemia que no Brasil ninguém passa fome, e tivemos 144 milhões de brasileiros em insegurança alimentar na pandemia. O único projeto de governo da extrema direita é a desumanização dos pretos e pobres, utilizando-se da PRIVATIZAÇÃO dos presídios, para retornar jovens negros à escravidão, para que trabalhem nas cadeias de graça para os empresários donos da carceragem.

A extrema direita e centrão venceram as eleições municipais assustadoramente, a gente tá voltando pra escravidão, um país de extração, de saque e violência. A falência da educação pública é um projeto desses governos neoliberais, para que os donos da privatização possam fazer dinheiro.

Quando vou ao supermercado e vejo o jovem adolescente ensacando as compras, eu poderia pensar: ele não se esforçou.... só que não, vem de família pobre, marginalizada, servil. Que valor de mérito esse garoto poderia alcançar algum dia? As mulheres pretas são, dos trabalhadores, as mais mal remuneradas, e que valor de mérito elas poderiam alcançar algum dia?

Meritocracia real deveria ser aquela que parte da IGUALDADE DE CONDIÇÕES e pode produzir desigualdade de RESULTADOS, para se viver com dignidade. Mas na meritocracia irreal ela é aquela que não produz o básico para as pessoas, mas somente a riqueza para alguns poucos, que não querem e não deixam um farelo pros pobres (por isso odeiam esquerda e justiça social).

Concluindo:

Podemos dizer que existe um formato de como uma pessoa se constrói, e é o mesmo que dizer como uma inteligência se constrói. Normalmente, elas estão forjando algo, elas estão pousando pela construção que haviam feito.

Perceber que todos nós estamos num palco é perceber que não existe inteligência, mas a escolha de quem você quer ser, o que representar com a chamada inteligência.

Até onde isso é real? Até que ponto as pessoas seguem uma carreira pela inteligência nata, por amor a ela ou pelo dinheiro?

Inteligência não pode ser um cérebro barulhento, cheio de pensamentos que projetam fantasias do que seja inteligência e que tenta alcançar essa fantasia. Inteligência não pode ser um cérebro que coloca a harmonia de lado e continua cheio de fragmentos e conflitos. Inteligência não pode ser um cérebro inseguro, que busca incessantemente por segurança e sucesso. A inteligência só pode nascer da quietude e não da atividade do pensamento.

Portanto, a inteligência não divide minha inteligência da sua inteligência, pois é indivisível, e o pensamento não consegue alcançá-la, pois a inteligência é a fonte imaculada que não pode ser tocada pela corrupção do pensamento.

Meus caros, inteligência é afeição, é amor, é um cérebro totalmente desocupado, livre, quieto, onde há o entendimento que, a inteligência não é sua nem minha. Enfim, Inteligência é reconhecer O PENSAMENTO NÃO INTELIGENTE em si mesmo.

Elis Queralt

6 comentários:

Anônimo disse...

Espero que Elis Queralt e você, Etelvaldo, continuem prescrutando as inteligências não inteligentes desse tanto de gente que vota no inimigo e contra si própria… essa gente quer continuar escrava?

Anônimo disse...

A alma humana é um manicômio de caricaturas. Se uma alma pudesse revelar-se com verdade, nem
houvesse um pudor mais profundo que todas as vergonhas conhecidas e definidas, seria, como dizem da verdade, um poço, mas um poço sinistro cheio de ecos vagos, habitado por vidas ignóbeis, viscosidades sem vida, lesmas sem ser, ranho da subjetividade.
Fernando Pessoa

Anônimo disse...

E põe forjado nisso!
Observo que as tais inteligências, que escrevem os livros didáticos para as tais futuras tais inteligências que aprenderão com eles, na realidade tem a história que o sistema quer, e nós temos que engolir essa propaganda.
Os gregos obtiveram sua civilização dos egípcios, que eram pretos, mas a propaganda didática ensina que, supostamente, os fundadores da “civilização” foram os gregos, PORQUE ERAM BRANCOS. E os gregos perderam essa civilização egípcia preta para os romanos, e tiveram 500 anos de trevas. Depois, outro grupo de africanos, os mouros do norte da África, mudou-se para a Espanha e começaram uma nova civilização. Portanto, a África civilizou a Europa duas vezes. Os Europeus brancos (não conheciam o bolsonarismo na época rsss) mas diziam que a Terra era plana, com sol, lua e estrelas girando em torno dela. Mas os pretos egípcios, HÁ SEIS MIL ANOS ATRÁS, sabiam que a terra era redonda e girava em torno do sol. Esses pretos egípcios calcularam a circunferência da terra com tanta precisão, que os astronômicos modernos dizem que erraram por 94 cm. A HISTÓRIA AFRICANA NÃO ESTÁ NOS LIVROS DIDÁTICOS, porque forjaram a inteligência dos brancos em detrimento da inteligência dos pretos.
Atualmente, uma criança preta é afetada psicologicamente pela violência policial, e tem medo de morrer quando vai ou volta da escola. Ninguém aprende nos estudos quando tem medo de morrer! Passaram-se 6000 mil anos e nada mudou! A inteligência é um engodo!
Abraço!
Sophia Flora

Anônimo disse...

Por isso queimaram a biblioteca de ALEXANDRIA, imagina o tanto de inteligência real que tinha lá!

Anônimo disse...

Elis,
Inteligentes suas abordagens finas a respeito da relação capital x trabalho. Parabéns pelo artigo, muito boa reflexão pra nosso mundo polarizado e medíocre.

Anônimo disse...

Antonieta de Barros, primeira deputada NEGRA do Brasil, foi responsável por criar o Dia do Professor, celebrado neste 15 de outubro.
Nascida em Florianópolis, em 1901, Antonieta foi jornalista, professora, escritora e ativista pelo voto feminino.

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