Páscoa é a
crisálida que se transforma em
borboleta, para
poder voar, para poder ser feliz.
Talvez por causa de sua delicadeza e colorido,
geralmente poeta adora borboleta, ignorando o estrago que ela faz nos jardins e
canteiros, botando seus ovos em folhas das plantas. Quando o ovo eclode, surge
a dona larva ou lagarta, verdadeiro terror daquelas plantas mais delicadas,
como acontece com a samambaia lá da área de casa, atacada periodicamente por
esse bichinho, só perceptível por causa de seu cocô que se espalha pelo piso ao
redor. O estrago na planta salta aos olhos, causando extremo desgosto em minha
esposa, além de lhe provocar um estrago nas vistas de tanto ficar procurando um
bichinho verde em meio a folhas verdes.
A lembrança de uma borboleta me ocorre quando
estou me dirigindo para uma casa de ração do bairro, encarregado que fui de
comprar um kg de adubo para planta, do tipo 10-10-10. Ele vai ser usado em
alguns pés de limão e mexerica, infestados que estão por uma outra praga, uma
tal de cochonilha. Esse inimigo das plantas costuma ficar na parte de baixo das
folhas e dos brotos e constantemente produz uma substância pegajosa. Isso faz
com que as folhas aparentem estar com cera na cobertura, e essa substância
atrai formigas doceiras. “A relação entre cochonilhas e formigas doceiras é um
exemplo de mutualismo, onde ambas as espécies se beneficiam da interação”,
explica para mim a IA (e eu repasso prazerosamente para você). As cochonilhas
liberam um líquido açucarado (honeydew) que as formigas doceiras utilizam como
fonte de alimento. Em troca, as formigas protegem as cochonilhas de predadores
e transportam-nas para locais mais favoráveis. A proteção das formigas permite
que as cochonilhas se reproduzam e se desenvolvam, reduzindo a mortalidade por
predadores. Já a planta, pobre coitada... (Foi daí, da observação desse fato da
natureza, que veio o ditado, muito usado pela classe política: “uma mão lava a
outra”, também conhecido como “é dando que se recebe” e “toma lá, dá cá”.)
Deixando de lado esses preâmbulos botânicos e
arquitetônicos, quero dizer que cheguei lá na casa de ração, ela que, tempos
atrás, vivia jogada às traças, sendo frequentada por quase ninguém. Isso se
levarmos em consideração o testemunho de Waldick Soriano, que lamentava em sua
música ser humilhado e desprezado feito cachorro. Hoje, com a ascensão social
das espécies canina (“canis lúpus familiares”) e “felis catus” (eu ia escrever
“gatuna”, mas a senhora IA muito educadamente me corrigiu), mudaram até o nome:
de “Casa de Ração” passou a se chamar “Pet Shop”, com direito a um médico
veterinário plantonista.
A história teria este desfecho se não fosse por
um pequeno detalhe. Depois de pagar pelo adubo, o senhor dono da loja me falou:
- Feliz Páscoa para você.
Como ando revendo meus conceitos acerca de
tudo, quis saber exatamente o que ele estava querendo dizer com aquela
expressão. Pacientemente, o senhor me explicou:
- Entendo a Páscoa como uma borboleta que voa.
Curioso, uma vez que estava justamente pensando
sobre borboletas, pedi para que me explicasse o que estava dizendo.
- A palavra páscoa significa passagem, mudança, travessia, libertação. E ninguém realiza melhor essa passagem do que a borboleta em suas quatro fases de vida: a de ovo, de larva ou lagarta, a de pupa ou crisálida e a de borboleta propriamente. Em sua terceira fase, ela – enquanto lagarta – se prende em uma superfície pela porção superior de seu corpo. Por meio de fios de seda produzidos, inicia-se a formação da crisálida. Essa é uma fase imóvel, que pode durar de uma a três semanas, e onde ocorrem as mais profundas mudanças, com a lagarta se preparando para transmutar em borboleta. É aí que vejo uma analogia com a nossa condição de seres humanos. Na vida, chega um momento em que devo me fechar, voltar para mim mesmo, buscando me libertar daquelas crostas em que os outros me moldaram, tentando direcionar o meu rumo. Através desse esforço, passo a ser eu mesmo, tomo minhas decisões e assumo suas consequências. Enfim, torno-me uma pessoa livre. E é nesse sentido que desejo para você uma Feliz Páscoa, ou seja, uma feliz travessia para uma vida nova, onde você será você mesmo, e não cópia dos outros; onde, com sua liberdade, irá construir as possibilidades de ser feliz. Porque a verdadeira felicidade só é possível para quem é livre. E a Páscoa é justamente essa passagem para a liberdade, a crisálida que se reinventa como borboleta, para poder voar, para poder ser feliz.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Gostei do conceito de Páscoa desse moço da casa de ração. Feliz Passagem para você, caro blogueiro.
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