DIVAGAÇÕES EM TORNO DE UM POTE DE DOCE DE LEITE SEM AÇÚCAR

 



“Assim, porque você é morno, não é frio nem quente, estou

 a ponto de vomitá-lo da minha boca.” (Apocalipse, 3:16)

 

Devagarzinho e comendo pelas beiradas, como convém a um bom mineiro, ele foi conquistando seu espaço, contando com a ajuda de poderes espirituais, temporais e, acidentalmente, ocasionais. Até se firmar como pop star, usando de seu charme discreto, ostentando sem ostentar, exibindo uma aparente modéstia – como é de praxe a quem acabara de entrar no seleto clube da pequena-burguesia, não aquela pseudo-burguesia, aquela que come salame e arrota caviar.

Especializou-se em oratória e música. Como orador, serviu-se de uma voz empostada, de tonalidade baixa, sem nunca subir o tom. Dissonante mesmo era seu jeito de construir frases em negativas, nunca desdizendo o que não queria dizer ao dizer algo, negando aquilo que dizia. Pode parecer confuso isso que estou dizendo, mas a plateia delirava – especialmente a feminina, maioria absoluta de seu fã-clube.

Como cantor, teve o cuidado de usar um repertório de músicas com poucos rompantes, mesmo porque seus recursos vocais não eram lá essas coisas, pedindo moderação e caldo de galinha nos agudos.

E, assim, ele foi indo, foi “fondo” (como diria um ex-jogador de futebol), consolidando sua fama, vendendo a imagem de um sujeito certinho e bem-comportado, tipo daquele bibelô que todo mundo quer para decorar a estante da sala de casa.

E, assim, dia sim e outro também, lá estava ele frequentando as redes sociais e canais de notícias, de amenidades e de futilidades. Até que ventos ferozes da política começaram a soprar violentamente e ele, tal qual uma avestruz, enfiou a cabeça num buraco, esperando a turbulência acalmar.

Quando deu as caras (para a revista Caras, inclusive), sentiu-se ressabiado, mas achou que sua ausência do bate-boca político tinha passado despercebida.

Foi desse modo, mas sentindo-se um tanto quanto baqueado psicologicamente e com crises de depressão, que o pop star voltou aos holofotes, sujeitando-se – para seu espanto – a alguns desagravos, tanto da direita como da esquerda, tanto de cima como de baixo.  Até chegar às páginas policiais de jornais e revistas. Tudo por conta de dois potes de doce de leite sem açúcar.

Por causa de um desacordo entre os preços exibidos na estante e os efetivamente cobrados em uma cafeteria, o moço levantou o tom, discutiu com o gerente, criou um bafafá, foi para as redes sociais, não quis abaixar o facho. Nessa troca de acusações de cá para lá e de lá para cá, o gerente passou a ser visto como bandido e foi logo demitido.

(A bem da verdade, o pop star disse depois que uma demissão sumária não era para tanto, pois quem erra merece uma segunda chance.)

No desdobramento do imbróglio, começaram os internautas a atacar o próprio pop star. Como resposta, em vez do cristão “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que falam”, ele disse que seus críticos são pessoas mal resolvidas, que usam do ódio para compensar suas frustrações; que exigem dele um posicionamento político, sem respeitarem seu direito de ficar em cima do muro; que está a um passo de desistir (certamente, de frequentar as redes sociais) e que o mundo virtual é a mais assertiva armadilha que o Diabo criou.

De tudo por tudo, você pode perguntar o que fica dessa narrativa.

Ingenaldo comentou:

- Que bom que o pop star se posicionou, foi assertivo, saiu de cima do muro para alguma coisa.

Ao que Ironildo completou:

  - Resta saber para que lado do muro ele está pulando.

De minha parte, eu digo assim:

- Não é para tanto essa ideia de se afastar das redes sociais. Penso que uma boa água benta para afastar o Diabo é a regulamentação das redes. Deixo aqui o convite para junte sua voz a de todos aqueles que lutam para que sejam criadas normas, coibindo as agressões, as manifestações de ódio e as mentiras (fake news) nos zap-zaps e outros mais. O país está se tornando tóxico por causa dessas redes, muita gente tem morrido por causa do ódio e da difamação propagados. E mais uma coisa: ficar em cima do muro é, sim, um posicionamento político. Quem fica em cima do muro se cala diante das coisas erradas e, como bem diz a sabedoria popular, “quem cala, consente”.

Mas eu gostei de sua fala sobre as redes sociais. Tomo a liberdade de transcrevê-la, mais uma vez:

O mundo virtual (com suas redes sociais) é a mais assertiva, a mais declarada armadilha que o Diabo criou.”

Etelvaldo Vieira de Melo


3 comentários:

Anônimo disse...

Este é um texto clássico à moda das sátiras de Horácio. Isso acontece a cada cem anos, como o cometa Halley. Etevaldo, lavo seus cabelos a exemplo de Madalena, só não os enxugo porque me falta a potência dos mesmos. Com isso, aquele abraço em “sol maior”, tom difícil para o pseudo-cantor em destaque na crônica.
(Mauro Passos)

Anônimo disse...

Pois é amigo.
O Zuckerberg e o Elon Musk enfim rasgaram a fantasia, e termina a ilusão de que as plataformas estavam do lado da sociedade e a respeitava. Mas de repente dizem: “não estamos a fim de respeitar legislação e vamos lutar para derruba-la. Isso logo após a posse do Trump, megalomaníaco a quem se juntaram.
Se já era difícil lidar com a mentirada e manipulação emocional que faz a extrema direita, imagine ter que lidar com os donos da ferramenta que propaga isso tudo!
O país assiste a tudo, mal informado pela grande imprensa, que reduz o fato político essencial, a uma questão jurídica!
As ruas ficaram vazias, o povo está hipnotizado pelas mídias digitais, e toda a esperança foi transferida para os doutores, bacharéis, os semi deuses da república de bacharéis!
Enquanto o povo tá distraído, como dizia o ministro Guedes, as Comissões do Senado (Bolsonarista) aprovam flexibilização do licenciamento ambiental, e continuam passando a boiada!
A confusão é tamanha, que não sei se penso no digital ou no veneno na comida ou na liberação da destruição do meio ambiente!
Melhor eu parar de pensar… parei… vou ali tomar um chá de camomila 👋

Anônimo disse...

Li por aí, e concordo:
Além da regulamentação das bigtechs não podemos esquecer o mal maior:
“ A cagada que a "Velha de Tubarão" deu no STF no 8 de Janeiro, e que deve ter se limpado na Bandeira Nacional, foi só uma representação do que os bolsoinsanos fizeram em todo o Brasil. É preciso lavar e descontaminar todo o país, desses dejetos odiosos. Desse futum que contaminou os ares brasileiro. 2026 vai ser a eleição da faxina. Vamos limpar o Brasil!!!!!.”
Ellen Pietra

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