Não vês que somos viajantes? E tu me perguntas: que é viajar?
Eu respondo com uma palavra: é avançar.
Avança sempre: não fiques parado no caminho.
(Santo Agostinho)
Caro Pe. Júlio Lancelotti
O cristianismo é um convite a caminhar.
Avançar, como está no texto de Santo Agostinho. Nesse caminho, a construção do
bem é um equilíbrio de gestos e atos para ir ao encontro do Outro. Ir para
devolver ao Outro sua dignidade. Há 50 anos, Pe. Júlio, seu trabalho é um
contínuo gesto de “lava-pés” do pobre, do morador de rua, do desfigurado porque
a opressão continua e seus processos não só se repetem como estão mais
refinados.
Você, Pe. Júlio, tem repartido com os
excluídos a palavra, o pão e o carinho. O sopro de Deus – que animou Jesus a
realizar sua obra – está com você na solidariedade e alegria de viver esse amor
com os pobres da rua. Como a mesa da fraternidade não cobra ingresso, perturba
o poder constituído e, agora, está perturbando o poder religioso (incômodo
social e político). Isso fez Dom Odilo Scherer suspender a transmissão de
missas e suas atividades em redes sociais. O que leva uma instituição religiosa
a calar um profeta? Quais os fundamentos para uma censura, com silêncio pisado,
em plena era digital? O poeta Fernando Pessoa lembra: “Sou do tamanho que vejo/
e não do tamanho da minha altura”.
A viagem não termina, sua causa é o
pobre: o empobrecido. Uma instituição que esconde suas decisões não responde às
exigências do direito natural. As pessoas têm o direito de saber os fundamentos
da decisão tomada pelo líder religioso. O diálogo veicula análise e reflexão,
enquanto o seu cerco é um atentado à ética e à liberdade.
O sentido da vida é deixar-se envolver
num amor que faz partilha e frui para crescer de todo lado, como escreveu
Guimarães Rosa. O amor inquieto marca presença ao se confrontar com tantas
“Marias” e tantos “Josés” que vivem no tempo, sem perspectiva de uma
“terra/casa prometida”. O desafio é lidar com a realidade da fome, frio e
doença, por um lado. Por outro, é superar a desumanização das pessoas da rua e
entender as exigências que elas trazem para incluir a humanização. Os pobres
hoje têm fome e sede de política. Seu trabalho, Pe. Júlio, vai além do
horizonte religioso. Está em sintonia com a dinâmica social.
A Igreja Católica não é uma entidade
abstrata. Ela é constituída por seres humanos concretos – homens e mulheres. A
situação dos empobrecidos são as perguntas de hoje. Tema que deveria compor um
capítulo do "Catecismo da Igreja Católica”, para atualizar o Concílio
Vaticano II com prática, compromisso e diálogo. Termino, caro Pe. Júlio, com
uma inquietação: qual a posição da CNBB e do bispo responsável pela Pastoral do
Povo da Rua, diante desta armação? Os 50 anos que já se foram, foram mais ricos
do que se imagina, pois seu projeto se define em função da dinâmica social.
O que está acontecendo com você, Pe.
Júlio, não é um fato isolado. A história mostra que, em outros tempos, profetas
e místicos, também, sofreram perseguição e ameaças porque ser cristão demais é
muito perigoso.
A você, todo carinho, solidariedade e
gratidão.
Mauro Passos
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