TURISTA ACIDENTADO
Janeiro é aquela época do
ano na qual muita gente assume ares de turista. Durante certo tempo, passa a
sofrer de uma doença denominada turistrose. Se você está nessa relação, isso
não quer dizer que estará estampando em sua testa uma máxima que diz mais ou
menos assim: “Sou turista; portanto, estou atacado de bobeira”.
Não estará estampada em sua
testa, embora seus sintomas sejam facilmente perceptíveis, em especial para os
vendilhodogs, membros de uma raça especializada em farejar as diferentes
categorias de turista e seu potencial de consumo. Quem cair nas malhas desses
espertalhões pode estar certo que será depenado até o limite do possível. Caso
estejam associados a determinada agência de viagem, só terão o trabalho de
abrirem as bocas para engolir os incautos turistinhas e suas bandeirolas de
identificação.
Não que isso venha a fazer
alguma espécie de diferença. O turista, mesmo o usualmente sovina, munheca de
samambaia, abre mão, enquanto turistável, de todo senso de normalidade, de todo
pudor, de toda contenção financeira, pois está tomado pela síndrome do
consumismo e qualquer espécie de bugiganga desperta nele não o desejo, mas a
necessidade imperiosa de compra. (Procurei em dicionários a origem da expressão
“munheca de samambaia”, mas não encontrei nada de esclarecedor. Presumo que sua
explicação tenha origem no fato de que o broto de samambaia aparenta o formato
de uma mão fechada, imagem que é associada à ideia de avareza.)
Nas casas de formação para
padres, lugares também denominados seminários, é corrente a lenda urbana de um
pozinho mágico colocado na comida dos seminaristas, para que o apetite sexual lhes
seja reprimido, contido, estagnado, quiçá morto, assassinado. Com tanto avanço
na área dos fármacos, das drogas, quem pode garantir que os hotéis e
restaurantes de cidades turísticas não usem do artifício de pós e aerossóis
para despertar e ativar, em seus hóspedes e frequentadores, ímpetos
consumistas? Em tempos recentes, assisti a um filme, The Joneses (Amor por Contrato, em português) estrelado por Demi
Moore e David Duchovny, em que uma equipe de vendedores, constituída como uma
família, com marido, esposa e um casal de filhos, era enviada a uma cidade e,
lá, induzia a população a comprar os produtos que aparentava ter. Em pouco
tempo, essa “família” se tornava referência para os habitantes da cidade,
propagandista de produtos que se tornavam alvos de disputa e consumo. Não é pra
ser levada pelo vento a frase do velho Shakespeare dizendo “existe mais coisa
entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia”.
O ímpeto consumista faz parte da natureza humana? Pode
ser que sim, pois o capitalismo foi o sistema econômico que sobreviveu até
hoje, jogando por terra os projetos de justiça e igualdade sonhados pelo
comunismo, projetos bonitos na teoria, mas pouco produtivos na prática. Ao
longo do ano, festas e datas comemorativas são instituídas com o objetivo
camuflado ou descarado de levar as pessoas ao consumo. Até mesmo em cidades de
pequeno porte, a devoção ao padroeiro, seus possíveis milagres ou de
conterrâneos, que faleceram em odores de santidade, atrações de toda espécie,
tudo é forjado por espertos comerciantes para atrair turistas e aumentar o
faturamento de suas lojas. Enquanto o lobo não vem, isto é, uma data
comemorativa não acontece, o cidadão é convidado a conhecer outras culturas e
esvaziar um pouco seu bolso.
O turismo cultural vai bem como verniz, tornando-se ainda
melhor, quando associado ao de compras. Não adianta a Psicologia explicar que o
consumismo é uma forma de compensar nossas carências afetivas. Nós nos
assumimos como carentes e necessitados, dependentes e espoliados. nem que seja
uma vez ou outra.
Gostaria muito de continuar essa reflexão sobre as
implicações psíquico-somáticas do turismo em nossas vidas. Infelizmente, o
tempo está jogando contra, pois tenho que ir arrumar as malas para um passeio,
tudo acertado com uma Agência de Viagem. Já colei em minha blusa, em torno do
braço, uma fita de identificação. Já me olhei no espelho e não visualizei a
expressão “Turista Bobo” em minha testa. Estou me sentindo ansioso, excitado,
estou rindo à toa. Será que consigo passar impune frente aos vendilhodogs?
Etelvaldo Vieira de
Melo
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