MALA: COMO AMÁ-LA?

Para neófitos em viagens longas, sem dúvida, a mala se constitui um problema crucial. Desde sua aquisição, passando pela montagem e transporte, ela se apresenta como motivo de medo, ansiedade, angústia, muita preocupação.

Comecemos pela compra e as perguntas inevitáveis: Qual o tamanho apropriado? Diante da opção por uma no limite do exagero, não seria conveniente que ela fosse um pouquinho maior, em razão do volume inimaginável que vai transportar? Qual deve ser a sua cor, para ser reconhecida mais facilmente na esteira do aeroporto? Será conveniente amarrar-lhe uma fitinha, para melhor identificação?

Transposto esse round, que quase leva a nocaute nosso herói, eis que ele depara com novo desafio: como equipá-la? Para responder a essa questão, ele faz profundos cálculos mentais, multiplica o número de peças pelo número de dias, acrescenta o coeficiente de imprevistos, consulta o Dr. Google e internautas experts. Por fim, está atolado no lamaçal da incerteza, pois quando a dúvida chega, o bom-senso se afasta.

Com esse tempo destemperado em razão do aquecimento global, considera – ouvindo sábios conselhos - que deve levar agasalhos para todas as estações. Os especialistas dão orientações desbaratadas, cada qual com sua lógica e que merece ser atendida. A mala se torna insuportavelmente pequena, mas alguém dá a sugestão de se comprar um saco plástico do qual pode ser retirado o ar em excesso, por meio de um aspirador de pó, com a consequente redução de volume. Outro sugere que as roupas devem ser enroladas em tubinhos. Atende a todas propostas, ele que se considera um analfabeto perante tantas sumidades.

Finalmente, a mala fica pronta, etiquetada e com dois lacinhos amarrados para identificação: um azul e outro verde. Olha, orgulhoso, para sua obra como a dizer:

- Está vendo? Eu venci...

Entretanto, parece que a mala está a lhe responder:

- Bem que você venceu esta batalha, mas e a guerra?

Nos primeiros momentos, a guerra lhe foi favorável: o entra-e-sai de táxi, o deslocamento no aeroporto, a retirada da esteira, o percurso de trem, a entrada no hotel, a acomodação no quarto.

Ali, teve o primeiro revés: não teve como reativar o sistema a vácuo do saco plástico, que se tornou inútil e foi descartado. O volume ficou transbordante, o que levou à mudança de algumas peças para uma mochila de mão.

No deslocamento pela estação ferroviária, ela quebra sua base de suporte, o que faz com que se apoie apenas nas rodas, sendo impossível deixá-la na posição vertical. Com imensa dificuldade, é arrastada até o hotel do novo destino, sendo substituída por outra, naturalmente maior e melhor reforçada.

Com o suceder dos dias, vai a mala passando por arranjos e desarranjos, sofrendo e fazendo sofrer nos deslocamentos entre estações, trens e hotéis, com a compra de uma lembrancinha aqui e outra acolá, tornando-se naturalmente incapaz de transportar tudo que lhe é devido.  Ganha uma companheira, nas mesmas proporções e medidas, também capaz de provocar as mesmas ganas assassinas, quando aberta e arranjada no interior do quarto de hotel.

E assim transcorre aquele maravilhoso passeio, com a mala se destacando em primeiro lugar pelo tempo de arruma-desarruma, pelo aborrecimento de ter que deslocá-la, pelo esforço de acomodá-la em diferentes lugares, por se tornar insuficiente ao ponto de requerer mais duas companheiras. Pior é que os conselhos dos especialistas falharam miseravelmente: fazia muito calor e as roupas de inverno só serviram para ocupar espaço e aumentar o volume.

Na chegada, enquanto retira as suas da esteira, tem o consolo de verificar que o problema não é privilégio seu: outros passageiros também estão abarrotados de malas, etiquetadas e enfeitadas com fitinhas de todos os matizes...

Nota Complementar. Malartrose: Trata-se de uma virose decorrente do uso doentio de mala em viagem. Ela se manifesta através de pesadelos, durante oito noites, em que o paciente sonha que está arrastando malas entre aeroportos, estações e hotéis; em outros momentos, ele se vê arrumando a mala, mas ela nunca fica pronta, sempre há alguma coisa a ser retirada ou ali colocada.

Infelizmente, ainda não se descobriu um medicamento apropriado para essa moléstia. Estudos, nos USA, em países da Europa e Ásia, já conseguiram uma regressão em torno de 34,52% nos casos pesquisados; entretanto, a droga definitiva continua sendo uma esperança para os turistas, notadamente de brasileiros que realizam, agora, aquele sonho/pesadelo de Ícaro: “Voar, voar, subir, subir... / Ir até que um dia chegue enfim / Em que o Sol (a Mala) derreta a cera até o fim”.  
Etelvaldo Vieira de Melo

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