LOTERIA
A vida
corre hoje
corre
corre
corre hoje.
POLÍTICO
O gato
gRato
engole o rato.
                                         

Tá na cara
que o tempo
passa?


                           
                                   
                                       
                Imagens: filosofosdechapadinha.blogspot.com.br / / bibliotecaesa.wordpress.com

NEM TUDO É O QUE APARENTA SER

Não é que ele fosse uma pessoa extremamente corajosa, mas seu índice girava em torno de 85%, uma marca muito boa para quem morava em cidade em que as casas ainda eram iluminadas por lamparinas abastecidas a querosene.

Certa tarde, em que os últimos raios de sol se escondiam no horizonte e as primeiras sombras da noite começavam a se espalhar pelo céu, estava ele caminhando por uma trilha em meio a um cerrado quando, vindo de certa distância à frente, pareceu ouvir um barulho assim:

- Toc, toc, toc, toc. Chiiii...

Achou que era barulho de vento nas árvores da redondeza, seguiu tranquilo.

Poucos passos à frente, o ruído se repetiu, agora de maneira indubitável:

- Toc, toc, toc, toc. Chiiii...

Suas pernas começaram a tremer, o coração disparou e ele, instintivamente e motivado pelos 15% de covardia, começou a correr em sentido contrário ao som. No entanto, 20 metros adiante, retomando a coragem, ele pensou:

- Não posso fugir desse jeito, como uma criança que teme assombração. Preciso saber o que é isso.

Assim pensando, retomou o caminho e, passo a passo, foi se aproximando daquele barulho estranho:

- Toc, toc, toc, toc. Chiiii...

O ruído foi aumentando cada vez mais, enquanto que o coração parecia não mais caber dentro do peito.

- Toc, toc, toc, toc. Chiiii...

Foi aí que avistou o lago, logo após a curva da trilha. Uma árvore estava tombada à sua margem, com tronco e galhos boiando na água.

Forçando a vista, avistou um pica-pau sobre o tronco. E lá estava ele a bicar: toc-toc-toc-toc. Depois, enfiava o bico na água: Chiii...

Quem me contou esse caso foi um vizinho. Como ele tem a tendência de exagerar as coisas, pode ser que seja invenção sua ou que a história não é bem assim. Mas isso não importa.

Estou me lembrando desse conto, quando tento compreender certas coisas que acontecem na vida da gente.

A vida moderna, não só através da luz elétrica, conseguiu banalizar e jogar no ridículo os mistérios que se escondiam na natureza. Tempos atrás, quando o relógio na igreja tocava as badaladas da meia-noite, o mundo da normalidade ia dormir para que reinasse o da fantasia e do mistério, cheio de suspense e assombrações.

Viver é fazer confronto com o mistério. E o mistério nos assusta porque ainda estamos no tempo da lamparina a querosene em nossas dimensões psicológica e emocional. Somos dominados pelo medo de correr riscos, de enfrentar o desconhecido; preferimos fugir, porque a fuga nos dá uma fugaz sensação de tranquilidade. Por isso não amadurecemos, porque não corremos riscos. Mas a tranquilidade é apenas um sentimento passageiro, porque a fuga é filha do medo de enfrentar os desafios da vida e mãe do mais vil dos sentimentos, a covardia.

De tudo, fica a ideia de que VIVER requer coragem para enfrentar os desafios. Os desafios quase nunca escondem lobisomens e assombrações; pelo contrário, na maioria das vezes, o que você descortina logo após a curva do caminho é um lindo pássaro, pousado sobre os galhos de uma árvore, e uma flor, junto a um regato de águas cristalinas.
Etelvaldo Vieira de Melo 
OCASO                                                          
Um tom de cinzas frias
sobre o Vaticano.

Seria um moribundo
a política, o engano?

Uma casa de vidro
o divino e o infernal
a renúncia do Papa
no jornal.





PAINEL                                                                                         
442064 As belezas do Egito fotos 03 150x150 As belezas do Egito: fotosMomentos, monumentos
indefinição.
Onde ficou perdido
o enigma da esfinge
tábuas profecias?
Em tudo o pó dos séculos
devassando janelas.
 
O COPO VAZIO E O PAPA
Os jornais, as revistas e as emissoras de TV noticiam com alarde a renúncia ao papado de Bento XVI. Agora, qualquer declaração sua em público é explorada “ad nauseam”. Interessante como alguém sem nenhum apelo midiático, mistura de chuchu com repolho, de repente, por causa de uma decisão inusitada, torna-se popstar, figurinha disputada a tapas, manchete de noticiários, ídolo emergente de pessoas ávidas de celebridades a quem cultuar.
Consideração de tal natureza pode parecer injusta, já que não disponho de dados suficientes para avaliar uma pessoa com um histórico de vida merecedor de respeito. Mas esse exemplo nada mais representa do que um pretexto para outras considerações acerca da natureza humana e suas estranhas peculiaridades, independente de qualquer juízo de valor. Bento XVI estava fadado a ter um pontificado medíocre, apenas considerando a dimensão de marketing, graças a seu temperamento alemão e por suceder a um verdadeiro campeão de audiência, João Paulo II. De repente, não mais que de repente, toma a decisão de renunciar ao pontificado, atitude, se não inédita, pelo menos de uma raridade que chega a soar como surrealista. Não importa, pois a decorrência de tudo isso foi que ele demonstrou ter uma personalidade intrigante e provocativa das mais variadas insinuações possíveis.
É preciso observar, entretanto, que não só Ratzinger faz o mundo rodar. Nós mesmos – e a maioria das pessoas de nossa convivência – somos vistos como seres obscuros e medíocres em termos de projeção social. Isso é o que pode parecer, mas somos constituídos de valores inimagináveis que poderiam ser facilmente desvendados, se o mundo nos olhasse de maneira mais atenta e cuidadosa.
Por quase uma semana, a título de exemplo, tenho convivido – no Hospital Felício Rocho, de Belo Horizonte – com profissionais que colocam a pessoa humana acima dos interesses financeiros, tratando os pacientes com dedicação, carinho e respeito. Em um mundo onde prevalece a linguagem do egoísmo, chega a ser comovente estar num ambiente que transpira sentimento de humanidade.
O mundo da mídia, no entanto, o que mais quer é o circo, o espetáculo, o show que proporciona retorno em termos de lucros fenomenais. Até que a fumaça branca se espaireça pela chaminé da Capela Sistina, com o anúncio solene de que “habemus papam”.
Etelvaldo Vieira de Melo




SIMULACRO

Ser original
é saber
a quem copiar.

Imagens: Pinturas de René Magritte

COPIANDO ORWELL

Todos os homens são iguais
mas existem alguns
que são mais iguais que os iguais.


TUDO É RELATIVO, ATÉ O PRONOME RELATIVO

Hoje estou vivenciando uma situação que mostra a relatividade das coisas. Palavras mal ditas podem tornar um momento maldito, enquanto que, em outras circunstâncias, essas mesmas palavras podem ser aceitáveis.

Será isso que estaria querendo dizer Einstein com sua famosa Teoria da Relatividade? Se for, estou eu, aqui, já cruzando o Cabo das Tormentas e fazendo essa fenomenal descoberta! Se não, caso o tema exija cálculos e teorias da Física , sendo assim, deixa pra lá, que já não disponho de neurônios suficientes para tais elucubrações.

Do que foi dito, depreende-se a necessidade de que tudo na vida deva ser contextualizado.

Na Idade Média, por exemplo, era sinal de devoção a Deus uma pessoa ficar sem tomar banho, coberta de sujeira. Chegava às raias da santidade, ser infestada por piolhos.

Também já houve um tempo em que o maior palavrão que você ouvia sair da boca de uma mulher era “uma flor”.

Já houve um tempo também em que elas, as mulheres, até que fumavam, soltavam suas baforadas de cigarro; mas isso era feito em casa, estando escondidas debaixo das camas.

Hoje, passa a ser ridículo a mulher não falar uns palavrões; quanto ao cigarro, o problema é que está se tornando politicamente incorreto tal hábito, embora sejam as mulheres os últimos baluartes de resistência a tal mudança.

Tais brincadeiras não passam de brincadeiras, sem intenção de ofensa e sem querer que alguém venha me encarar com nariz retorcido.

Tudo é vaidade, dizia o Eclesiastes. Tudo é relativo, digo eu.

Vejam vocês um caso que, em outra circunstância, provocaria a minha maior indignação, com o risco de levá-lo às últimas consequências. Estou me preparando para uma consulta médica com um urologista. Você pode, agora, e tão somente agora, falar para mim: “Vai tomar...” Dentro do contexto, eu não me sentirei ofendido.
Etelvaldo Vieira de Melo

SANTA MARIA

As palavras são inúteis.
Elas só responderiam
ao duro apelo do não.

As palavras são inócuas.
Elas só assinalariam
a dor e a aflição.

As palavras são equívocas.
Elas só exalariam
fumaça e carvão.

As palavras são imagens
tiradas partidas contidas
na tela da televisão.

Das palavras só restaram
os frios corpos
no chão.

(Será que não rimam nunca
amor e compaixão?)


PODE ATÉ MORDER, MAS TEM QUE SOPRAR
           
Sim, considero que, de modo geral, o brasileiro tem bom jogo de cintura. Para carioca, em época de carnaval, e baiano, nos 365 dias do ano (os ¼ de horas restantes ficam por conta da lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim, é até covardia levantar a questão. (Estou cometendo um sofisma chamado “falácia da generalização apressada”, quando estendo a todo povo baiano uma característica que noto nos músicos profissionais daquele Estado,ao infestarem o país com seus abadás, micaretas, axés e carnavais temporões.) Do ponto de vista psicológico, a máxima vale para o país como um todo, já que o famoso jeitinho brasileiro nada mais é que a expressão do jogo de cintura de seu povo.

Como toda regra tem exceção, aquele colega tinha uma cintura dura, tanto física como psicologicamente falando. Por isso, qual não foi a minha surpresa quando, perguntado sobre sua nova vida de casado, ele me respondeu:

- Cara, é muito bom, mas é preciso ter muito jogo de cintura...

E mais ele não disse, o que fez com que eu ficasse à procura de entendimento para suas obscuras palavras. O entendimento só ficou completo quando, também eu, passei a jogar no time dos casados.

Sei que as mulheres poderão dizer a mesma coisa ou até mais sobre o tema, uma vez que os homens são mais comedidos - por natureza ou covardia, uma das duas ou as duas razões ao mesmo tempo. Como representante do sexo masculino, quando instado a falar o que penso sobre as mulheres, lembro-me de Tolstói que, em versão livre, afirmava:

- Para falar o que penso de fato sobre as mulheres, é preciso que eu esteja dentro de um caixão. Assim que eu falar tudo o que tenho a dizer, fechem rapidamente a tampa e joguem terra até a cova ser totalmente encoberta!

Se as pessoas fossem transparentes e falassem o que pensam sobre as outras, a vida em sociedade seria praticamente impossível. Mas existem aquelas que teimam em ser assertivas; elas parecem ostentar em seus rostos a frase: “Para sua própria segurança, mantenha distância”. Assim, o outro se afasta, evitando ser atropelado por uma ofensa qualquer.

Muitos me aconselharam a usar da assertividade, já que vivo engolindo desaforos. No entanto, penso que, se mudar meu comportamento, estarei contrariando minha natureza de pisciano, que é de sofrer incompreensão e carregar as dores do mundo. Com tanta insistência, houve um momento em que resolvi falar o que sentia, dando azar para as consequências. Foi quando, numa rua da cidade, um senhor, trajando roupas ultrajantes de tão miseráveis, chegou perto de mim e falou:

- Por favor...

E eu, com voz trovejante e dedo em riste:

- Não!

- Por favor – falou o humilde senhor. – O senhor poderia me informar as horas?

Fiquei tão envergonhado que, até hoje, ao me lembrar do fato, sinto minha face ficar vermelha.

Mas eu vejo com simpatia a ideia de se institucionalizar o Dia da Assertividade, que poderia acontecer no dia 31 de março. Isso porque, se ocorrer uma consequência mais drástica durante o evento, você poderá usar da desculpa de ter errado a data, já que tudo era atribuição de 1º de abril, Dia da Mentira.

Sabe para quem eu falaria os maiores desaforos possíveis e imagináveis nesse Dia da Assertividade? É isso mesmo, eu falaria tudo o que penso para os representantes da classe política de nosso país, enquanto eles não tomam vergonha e passem a agir com dignidade, decência, colocando os interesses do povo acima dos próprios e de corporações. Também não deixaria de lado os líderes religiosos e outras lideranças que se servem da falsidade, da demagogia, na exploração da boa-fé das pessoas. (Como estão vendo, eu me indisponho radicalmente com o Poder, quando corrupto, o que – infelizmente – ainda é maioria). Eu deixaria de lado os autores de pequenas ofensas do dia a dia. As pequenas contrariedades, as incompreensões e ofensas são aquela famosa vitamina “S”, versão de adulto: temperam a vida, fortalecem e ajudam a crescer!
Etelvaldo Vieira de Melo