PODE ATÉ MORDER, MAS TEM QUE SOPRAR
Sim, considero que, de modo geral, o
brasileiro tem bom jogo de cintura. Para carioca, em época de carnaval, e baiano,
nos 365 dias do ano (os ¼ de horas restantes ficam por conta da lavagem das
escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim, é até covardia levantar a questão. (Estou cometendo um
sofisma chamado “falácia da generalização apressada”, quando estendo a todo
povo baiano uma característica que noto nos músicos profissionais daquele
Estado,ao infestarem o país com seus abadás, micaretas, axés e carnavais
temporões.)
Do ponto de vista psicológico, a máxima vale para o país como um todo, já que o
famoso jeitinho brasileiro nada mais é que a expressão do jogo de cintura de
seu povo.
Como toda regra tem exceção, aquele colega
tinha uma cintura dura, tanto física como psicologicamente falando. Por isso,
qual não foi a minha surpresa quando, perguntado sobre sua nova vida de casado,
ele me respondeu:
- Cara, é muito bom, mas é preciso ter muito
jogo de cintura...
E mais ele não disse, o que fez com que eu
ficasse à procura de entendimento para suas obscuras palavras. O entendimento
só ficou completo quando, também eu, passei a jogar no time dos casados.
Sei que as mulheres poderão dizer a mesma
coisa ou até mais sobre o tema, uma vez que os homens são mais comedidos - por
natureza ou covardia, uma das duas ou as duas razões ao mesmo tempo. Como
representante do sexo masculino, quando instado a falar o que penso sobre as mulheres,
lembro-me de Tolstói que, em versão livre, afirmava:
- Para falar o que penso de fato sobre as
mulheres, é preciso que eu esteja dentro de um caixão. Assim que eu falar tudo
o que tenho a dizer, fechem rapidamente a tampa e joguem terra até a cova ser
totalmente encoberta!
Se as pessoas fossem transparentes e falassem
o que pensam sobre as outras, a vida em sociedade seria praticamente
impossível. Mas existem aquelas que teimam em ser assertivas; elas parecem
ostentar em seus rostos a frase: “Para
sua própria segurança, mantenha distância”. Assim, o outro se afasta,
evitando ser atropelado por uma ofensa qualquer.
Muitos me aconselharam a usar da
assertividade, já que vivo engolindo desaforos. No entanto, penso que, se mudar
meu comportamento, estarei contrariando minha natureza de pisciano, que é de
sofrer incompreensão e carregar as dores do mundo. Com tanta insistência, houve
um momento em que resolvi falar o que sentia, dando azar para as consequências.
Foi quando, numa rua da cidade, um senhor, trajando roupas ultrajantes de tão
miseráveis, chegou perto de mim e falou:
- Por favor...
E eu, com voz trovejante e dedo em riste:
- Não!
- Por favor – falou o humilde senhor. – O
senhor poderia me informar as horas?
Fiquei tão envergonhado que, até hoje, ao me
lembrar do fato, sinto minha face ficar vermelha.
Mas eu vejo com simpatia a ideia de se
institucionalizar o Dia da Assertividade, que poderia acontecer no dia 31 de
março. Isso porque, se ocorrer uma consequência mais drástica durante o evento,
você poderá usar da desculpa de ter errado a data, já que tudo era atribuição
de 1º de abril, Dia da Mentira.
Sabe para quem eu falaria os maiores
desaforos possíveis e imagináveis nesse Dia da Assertividade? É isso mesmo, eu
falaria tudo o que penso para os representantes da classe política de nosso
país, enquanto eles não tomam vergonha e passem a agir com dignidade, decência,
colocando os interesses do povo acima dos próprios e de corporações. Também não
deixaria de lado os líderes religiosos e outras lideranças que se servem da
falsidade, da demagogia, na exploração da boa-fé das pessoas. (Como estão
vendo, eu me indisponho radicalmente com o Poder, quando corrupto, o que –
infelizmente – ainda é maioria). Eu deixaria de lado os autores de pequenas
ofensas do dia a dia. As pequenas contrariedades, as incompreensões e ofensas
são aquela famosa vitamina “S”, versão de adulto: temperam a vida, fortalecem e
ajudam a crescer!
Etelvaldo Vieira de
Melo
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