HUMANO, DEMASIADAMENTE ANIMAL
Tenho um amigo que teima com a teoria de que a vida humana não ultrapassa a dos outros animais, que sobrevivemos para procriar e perpetuar a espécie. Parodiando Paulinho da Viola e quase com lágrimas nos olhos, argumento timidamente que a vida “não é só isso que se vê, é um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber...”
Até bem pouco, quando autoridades de outros países visitavam o Brasil, notadamente dos Estados Unidos da América, acontecia da comitiva presidencial se trancar com as autoridades tupiniquins em Brasília, enquanto a primeira-dama partia em missão de marketing, visitando favelas e aglomerados, fazendo um agrado aqui e outro ali, a imprensa se deliciando e documentando tudo, enquanto fumaças escuras saíam dos prédios dos ministérios e gabinetes da capital federal.
Isto me faz lembrar um fato ocorrido há bem pouco tempo em minha residência. Nosso quintal foi visitado por um bando de saguis, uma das espécies de mico. O sagui é um animalzinho simpático, capaz de despertar sentimentos paternais ou maternais até mesmo em corações empertigados (Uma das 100 Palavras Exóticas Que Você Um Dia Deverá Pronunciar). Como o meu não chega a tanto, tratei de desligar a cerca elétrica e até pensei em lhes oferecer uma banana como presente de boas-vindas.
Os saguis saltaram do telhado de um quartinho para um pé de jabuticaba; enquanto uns ali permaneciam, olhando para a gente com seus olhinhos assustados, outros pularam dali para um pé de lichia e, dali, para o telhado da cozinha. Em seguida, todos rumaram para o telhado da varanda, sumindo na rua, logo depois.
Conversando com minha esposa sobre a simpatia daqueles animaizinhos, olhei distraído para uma gaiola onde ficava um canário belga. Falei:
            - O belga está sumido!
Aproximei-me e só vi penas espalhadas pelo piso... Ali estava o resultado de tantos gracejos e olhares encantadores. Meu belguinha de estimação já era.
Quando falei da teoria de meu amigo sobre a relação entre humanos e os animais, acorreu a meu pensamento aquele dito quase profético de um ex-ministro de que “cachorro também é ser humano”. Eu disse “quase” porque, na verdade, ele até já passou da conta. Eu não pensaria duas vezes, se me fosse dada a possibilidade de trocar minha vida com a de certos caninos. Andando pela cidade, vejo o quanto de bom e de especial que lhes é oferecido: comida balanceada, brinquedos, tosa, banho de ofurô, hotel e creche, academia, bufê para aniversário, escola, salões de beleza SPA, assistência médica, acupuntura, odontológica e até psiquiátrica. Depois de partir dessa para uma outra dimensão, ainda lhe é oferecida a opção de um cemitério ou crematório.
Já dizia Heráclito de Éfeso, em sua famosa premonição, por volta de 500 a.C.: Panta Rei, tudo muda. Hoje, soam de maneira estranha os versos lamurientos daquela música, que dizem: “Eu não sou cachorro, não / Pra viver tão humilhado / Eu não sou cachorro, não / Para ser tão desprezado.” Tem mais, como tenho mudado a leitura de muitos ditos e chavões, vejo também que já é hora de mudar aquele que manda “soltar os cachorros”. Agora, para bem da verdade, são os cães que podem “soltar os fulanos”, seus pseudo-donos.
Etelvaldo Vieira de Melo

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