Pode ser que a realidade já
seja outra, mas ouvi dizer que, no nordeste brasileiro, as portas permanecem
abertas para as visitas; no sul, elas estão fechadas, enquanto que, em Minas,
ficam encostadas. Não estou aqui fazendo juízo de valor, discriminando essa ou
aquela região; simplesmente quero ressaltar a diversidade e a riqueza cultural
de nosso país: a extroversão do nordestino, a seriedade do sulista e a
desconfiança do mineiro.
Sou de Minas Gerais. Contrariando
minha natureza desconfiada, estou cometendo a audácia de lhe fazer um convite
para vir até minha casa.
Vou lhe preparar um
cafezinho, um costume nosso, com grãos moídos na hora. Como medida, vou usar
quatro colheres de sopa de grãos e meio litro d’água. Vou adoçar com meia
xícara das de chá com açúcar, mas, se você preferir, posso deixar para que você
mesmo adoce, com açúcar ou outro adoçante. Enquanto preparo o café, já está
assando no forno um tanto de pão de queijo. Trata-se de minha especialidade,
aprendida com uma amiga vizinha. Cozinho cinco batatas inglesas das grandes.
Depois de cozidas, elas são amassadas. Depois, acrescento um quilo de polvilho
doce da marca Marinêz (é assim mesmo que vem escrito na embalagem), cinco ovos,
um copo grande de leite, outro copo grande de óleo e uma colher das de sopa com
sal. Misturo tudo, sovando bem. Quando tudo estiver bem amassado, acrescento seiscentos
gramas de queijo canastra ou, preferencialmente, queijo mineiro, de meia-cura,
mais cem a cento e cinquenta gramas de queijo tipo parmesão. Finalizando, os
pães de queijo são enrolados e dispostos em formas para serem levados ao
congelador. Uso como medida uma colher de sopa cheia de massa, tendo o cuidado
de ter bem próximo um prato com um pouco de óleo, para untar as mãos.
Depois do café com pão de
queijo (espero que tenha gostado), vou tomar de dez a quinze minutos de seu
tempo para lhe apresentar meu trabalho e falar um pouco sobre quem sou eu, pode
ser?
Como você está vendo, tudo é
muito simples em minha casa. Pessoalmente, sou mais simples ainda. Para falar a
verdade, não sou nada chegado a sofisticação, a termos rebuscados e difíceis.
Acho que tudo cabe dentro do simples. Se não couber, penso que pode ser
dispensado.
Creio que o segredo de se
ter prazer na vida, não estou falando de felicidade – simplesmente, de se ter
alegria – é você descobrir e cultivar suas potencialidades. Cada pessoa tem um
dom especial, que merece ser cultivado. O meu, descobri muito tarde, mas nunca
tarde demais, é esse: gosto de escrever. Tudo estava adormecido dentro de mim,
até que alguém veio e assoprou essa brasa que estava aparentemente apagada.
Desde então, vivo nessa agonia de escrever alguma coisa. Quando uso o termo
“agonia”, não estou querendo dizer que se trata de algo doloroso, sofrido; uso
mais como força de expressão, pois tudo é motivo de prazer, os escritos fluem
naturalmente, nada é forçado ou trabalhoso. Tem mais ou menos um ano e meio que
isso vem acontecendo.
O fato de gostar de escrever
não quer dizer que eu me considere um bom escritor; os literatos até podem
torcer o nariz, lendo uma de minhas produções. Escrevo, como já disse acima,
para atender a uma exigência interior, não mais que isso. Até quando vai durar
essa inspiração, eu não sei; só sei que os acontecimentos em minha vida – mesmo
os provisórios e efêmeros – são vividos de maneira intensa e apaixonada.
Estou me lembrando, a
propósito, de quando ganhei um jogo de videogame. Como justificativa para com
jovens e adolescentes, dizia que havia sido um presente de aniversário de minha
esposa – o que era verdade – e eu não havia tido um brinquedo daquele em minha
infância, que não poderia vir a falecer com aquele sentimento de frustração.
Então, é sobre esse trabalho
que eu queria falar, sobre as crônicas que escrevo. Já lhe disse que elas são
discretas e simples. Preciso acrescentar algo mais: elas são 96% bem-humoradas.
Essa é a maneira que estou encontrando para entender a vida. Mesmo quando o
tema é sério, e quase todos eles são, uso de uma linguagem leve e descontraída.
É isso uma das coisas que
tenho para lhe dizer. Peço-lhe desculpas se extrapolei os limites da
conveniência. Tantos pedidos de desculpa são por conta de uma natural timidez,
que me acompanhou ao longo da vida, sempre me aconselhando a ter cuidado ao me
aproximar e tentar o diálogo com as pessoas.
Sobre quem sou eu, era para
ser Etevaldo, mas ficou sendo Etelvaldo, por causa do escrivão e algumas doses
etílicas. Um pouco mais de cachaça e ele estaria enxergando um “l” triplicado,
e eu me chamaria Eltelvaldo. Desde cedo, aprendi, então, a me conformar com as
coisas, pois percebi que elas, por ruins que sejam, poderiam ser ainda piores.
Se no nome sou original,
fisicamente chego a ser confundido com outras pessoas, ao ponto de considerar
ser eu um produto genérico. Recentemente, estando de boné, aconteceu de acharem
que sou sósia do diretor Steven Spielberg, imagina.
Ex-professor, casado, resido em Belo Horizonte
e não tenho pretensões políticas. Quanto a enumerar aquilo que gosto, sou como
o nome de uma loja aqui perto de casa: “De Tudo Um Pouco”, sendo esse pouco vivido
de maneira intensa e apaixonada. Sou radicalmente contra os radicalistas e
dogmáticos. Às vezes, assumo uma postura assim, mas é mais como contraponto,
nos moldes daquela velha e ultrapassada dialética hegeliana e marxista. Como
exemplo, aparento ser cético diante de um fanático, apresento-me como religioso
perante um ateu.
Gosto demais de música, sem
especificar um gênero. Às vezes, um pequeno detalhe faz para mim toda a
diferença, como um toque sutil do contrabaixo em “Bridge Over Trubled Water”,
de Simon and Garfunkel. Gosto de ouvir gravações de panflute, notadamente do
romeno George Zamfir. Outro nome de destaque é Ennio Morricone, que fez trilhas
sonoras belíssimas para filmes como “A Missão” e “Era Uma Vez no Oeste”, um
clássico de Sergio Leone.
O cinema me encantou desde
pequeno, lá na cidade onde nasci, quando os filmes vinham em rolos e eu era
presenteado com pedaços recortados durante as transmissões, quando o projetor
parava, queimando parte da fita, assim como é mostrado em “Cinema Paradiso”.
A literatura sempre
representou o máximo de alegria e prazer, em uma época ainda não dominada pela
tecnologia moderna. Alguns dos livros que me marcaram foram “Crime e Castigo”,
de Dostoievski, “O Vermelho e o Negro”, de Stendhal, Germinal, de Émile Zola,
“Judas, o Obscuro”, de Thomas Hardy, “A Cidadela”, de Cronin, “O Processo”, de
Kafka. Entre os brasileiros, destaco as obras de Machado de Assis e “Quarup”,
de Antônio Callado.
Outras e outras coisas
poderiam ser ditas aqui, mas elas ficam espalhadas ao longo das 52 crônicas
postadas até hoje. Obrigado pela visita.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Crônica com cheirinho de pão de queijo.
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