OS TRÊS LOBINHOS E O JABUTI

Era uma vez três lobos de uma mesma região e que comercializavam para seus habitantes as águas de uma nascente, situada a leste de onde moravam (havia também uma outra, a oeste, mas cuja exploração não era viável, devido aos custos operacionais). E o faziam de maneira lupina, fraterna – na tradução hominídea. Foram eles que reverteram a máxima de que um é pouco, dois é bom, três é demais. Com eles, o princípio ficou assim: um é pouco, dois é razoável, três está ótimo. E estava mesmo, bastava olhar para suas fisionomias para se perceber que o negócio das águas ia de vento em popa. Para que tudo desse certo, confabularam um preço médio a ser cobrado, sendo possível que, uma vez ou outra, lançassem mão de um agradozinho, uma forma de engambelar, passar mel na boca de uma população que, como toda população, gostava de se achar levando vantagem, de estar se dando bem nos negócios. E, assim, estavam os três lobos cada vez mais gordinhos e satisfeitos da vida. Esqueceram, entretanto, que viviam sob o domínio de um sistema, cujo princípio fundamental pode ser resumido na expressão: cada um por si, os outros que se danem. Essa máxima tem várias implicações, uma delas que é preciso crescer, expandir o capital, engolir os peixes pequenos, para não ser por eles engolido. E aconteceu que, depois de alguns anos de bonança, veio, enfim, a tempestade, na forma de um jabuti, que estabeleceu seu negócio bem junto à nascente, ao lado de um açougue denominado “Açougue Dois Irmãos: Bovino & Suíno”. Aquele jabuti não era um vira-lata qualquer. Seu sucesso foi construído ao longo de anos de intenso trabalho e luta, com seu casco servindo-lhe de escudo frente às intempéries e confrontos com a concorrência. Sua constituição física permitia-lhe também realizar frequentes balanços, bastando recolher a cabeça para dentro da carapaça. Outro de seus trunfos era um olhar sempre opaco frente aos fornecedores, o que lhe permitia ótimos negócios. Era, pois, um grande nome na rede varejista; logo represou as águas, deixando apenas um filete para abastecer as lojas dos três lobinhos, levando-os à beira da falência. O jabuti, além de oferecer preços bem mais em conta, porque diminuíra a margem de lucro a troco do número de vendas, também possibilitava o parcelamento das compras por cartões de crédito. A população local foi ao delírio, enchendo todos os dias as dependências da loja. O final da história fica em aberto, pois seus desdobramentos só serão conhecidos com o tempo. Irá o jabuti derrotar de vez os três lobinhos? Conseguirão eles meios de sobreviver frente aos muitos recursos daquele terrível inimigo? Poderá o “olho gordo” dos três lobos fazer algum tipo de estrago no negócio do jabuti? Francamente, eu não sei; de qualquer modo, a matéria já foi incluída no currículo das escolas da região, motivando Desluar Solaris das Nuvens, aluna do pré-escolar e que demonstrava veleidades poéticas, a escrever uma quadra, assim: 

PS1: Armandinho, vendo o que a colega havia feito e já adotando a máxima de que “ser original é saber a quem copiar”, não deixou por menos, entregou para a professora esta outra quadra: “Bem diz o ditado, provérbio: / Quem vê cara não vê coração. / O lobo, tido como velhaco, finório / Foi, por um jabuti, lerdo e tolo, passado à mão”.

PS2: Traumatizados, os três lobinhos tentaram usar da nascente oeste, mas ela já estava ocupada por um parente do jabuti, o cágado, vindo da região amazônica, onde era conhecido também como tracajá. Este introduziu o uso da logomarca “D” nos produtos que comercializava (uma referência ao seu apelido Dedéu), tornando, assim, os preços mais acessíveis. Agora, além dos lobinhos à beira de um colapso nervoso, temos o jabuti com uma ruga de preocupação estampada na testa. Ele também se sente incomodado por uma pergunta que não quer calar: Estará meu primo Dedéu querendo me mandar pro beleléu?
Etelvaldo Vieira de Melo

2 comentários:

´Mário Cleber disse...

Adorei sua história bem bolada e bem apresentada. Animais, animais, temos um bom contador de suas histórias...

Anônimo disse...

Bela estória, que ilustra muito bem a competitividade do mercado na sociedade capitalista em que vivemos.
A crônica nos leva a uma reflexão bastante profunda . Parabéns mais uma vez ,prezado cronista.

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