PODE, NÃO PODE (REFLEXOS ACONDICIONADOS)


  F
oi o russo Pavlov quem lançou os fundamentos científicos dos chamados reflexos condicionados, mostrando como animais aprendem a responder a estímulos associados a outros. No caso de seu experimento, um cão aprendeu a salivar ao ouvir um toque de campainha, associado esse a um pedaço de carne que lhe seria oferecido.

Com tal fundamentação, estava Pavlov apresentando razões científicas para domadores aplicarem choques e cometerem outras atrocidades no adestramento de feras para espetáculos circenses e outros mais.

Já o cão da crônica de Millôr Fernandes só aprendeu a comer através do exemplo de seu dono. Acontece que isso perdura até hoje: duas vezes ao dia, o cachorrinho e o dono, lado a lado, devorando suas vasilhas de ração.

Eu é que não posso rir dessa situação. Toda manhã, assim que meu cão aponta o focinho no vidro da porta da cozinha, tenho que sair para a área e brincar com ele por cinco minutos, já que não tenho preparo físico para mais do que isso.

Falando no distinto, estamos – os moradores lá de casa – tentando condicioná-lo a fazer suas necessidades fisiológicas em determinado local, através de reforço de “muito bem”, e “aí não pode”. Não está sendo fácil, estamos quase deixando-o fazer pra onde o nariz apontar. O problema é que, quando faz algo de errado, ele olha pra gente, como a perguntar: “Por que vocês estão bravos?”.
           
A indústria canina abarrota os pseudos proprietários com uma infindável lista de produtos de domesticação. Entre tais produtos, estão as soluções de “aqui pode” e “aqui não pode”. Quando o cãozinho faz xixi em lugar proibido, você goteja a solução do “aqui não pode”. Lá em casa, nosso melhor amigo ainda não sabe disso, tem marcado território pra tudo quanto é canto.
           
Essa situação faz com que eu pense na possibilidade de fazer um curso de psicologia canídea (família animal da qual também faz parte a raposa, de quem, ultimamente, não quero ver nem sombra), com especialização no ramo canino. Ao longo do curso, estarei apto para condicionar nosso animalzinho a fazer de maneira correta suas necessidades; ao final, poderei abrir uma clínica de aconselhamento psicológico. Poderei atender àquele cachorrinho de senhora que, em sua infância, teve uma experiência traumatizante: estava ele mamando na cadela de sua mãe quando, de repente, uma inusitada pulga a mordeu; ela, raivosa, latiu para a pulga, mas o filhote pensou que a mãe estava latindo raivosamente para ele. Então, ele cresceu com esse trauma de infância - não podia ouvir um latido mais forte que logo começava a tremer. A madame-sua-dona o levou até meu consultório. Deitei o cãozinho num divã e, passando a mão em sua cabecinha, perguntei-lhe: “Qual o problema?”. O cão abanou o rabo e latiu para mim, falando-me do problema que o atormentava.
           
Como, por enquanto, não consigo nem mesmo resolver os problemas de urina e de cocô, com o “aqui pode” e o “aqui não pode” sendo ineficazes, acabo tendo uma ideia que pode funcionar, não com os cachorros, mas com os humanos.
           
Tenho um parente sofrendo com incontinência urinária e fecal. Estou pensando em lhe enviar de presente os frascos dos dois produtos. Sua esposa irá pingar gotas de “aqui não pode” nas suas cuecas, pijamas e na cama; enquanto isso, gotas de “aqui pode” serão borrifadas no vaso sanitário. É como diz o ditado: não deu pro Chico, mas serviu pro Francisco.
Etelvaldo Vieira de Melo
          

           


 

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