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loriano Fatiota nasceu numa
cidadezinha do interior das Minas Gerais. Quando colheu a primeira flor da
juventude, resolveu por bem tentar a vida na capital, já que a perspectiva de
sobrevida em sua cidade lhe parecia sombria, tenebrosa.
Assim,
na base da cara e coragem, juntou seus pertences numa mala e rumou pra capital,
logo se ajeitando no ramo da construção, atuando, primeiro, como servente para,
logo depois, tornar-se um pedreiro de colher cheia.
Para
disfarçar um problema que lhe parecia extremamente grave, o fato de ser
analfabeto, deixou crescer um bigode, pensando que aquilo poderia servir de
despiste. Quando aparecia uma situação que exigia um conhecimento mínimo da
escrita, ele afagava o bigode, como a dizer pro interlocutor:
-
Mas isso não se resolve com poucas palavras, não!
O
outro, então, cuidava de lhe explicar, tintim por tintim, a acontecência, deixando
Floriano totalmente a par do que se tratava. Satisfeito com sua estratégia,
dava uma alisada final no bigode para comentar:
-
Está bem, vamos tocar assim o negócio.
Tantas
situações estressantes, somadas à solidão de um estranho na cidade grande,
fizeram com que se tornasse um viciado em bebida alcoólica. Não que ele fosse
um alcoólatra propriamente; ele bebia mais para calibrar o medo, a insegurança
e uma natural timidez. Portador de uma boa resistência, passava desapercebido
como ele se segurava por detrás de umas bebidinhas e do bigode.
Com
muito trabalho e persistência, foi se ajeitando, comprou um lote, construiu uma
casa e se casou. No dia do casamento, ele fez o favor de deixar a noiva
esperando, porque havia bebido tanto que se esqueceu da hora.
Tudo
isso não impediu que ele tivesse uma vida de casado normal para sua maneira de
entender a vida. Tiveram alguns filhos, que cresceram, casaram e, depois, a sua
esposa morreu.
Floriano
viu-se, então, vivo, livre, leve e solto. Enquanto casado, ele se segurou como
foi possível, nunca dando margem para falatórios, agindo sempre com
integridade, pagando o que fosse possível para não entrar em qualquer tipo de
confusão.
Mas
aconteceu que sua mulher morreu, partiu dessa, deixando-o livre na flor da
melhor idade. Nessa altura, ele já não se escondia por detrás do bigode. Havia
frequentado uma Escola de Alfabetização, chamada de EJA, já sabia muito bem
bordar o nome e fazer algumas leituras rasteiras. E estava solteiro.
Foi,
então, que ele partir para a guerra. Percebeu que havia muitas mulheres
disponíveis no mercado, era só ter paciência, armar a arapuca ou colocar isca
no anzol, que algo de bom ficaria preso ou fisgado. Cuidou melhor da aparência,
matriculando-se numa academia de ginástica. Quis também entrar numa academia de
dança, mas foi convencido por um amigo a adiar tal projeto.
-
Acho melhor você deixar para mais tarde – explicou o amigo. – Como você tem um
problema de catarata, há o risco de você levar gato por lebre, ou seja, você
escolhe lá uma mulher pensando que é uma coisa; quando for ver, ela é outra
coisa bem diferente. É melhor você operar as vistas, primeiro.
Assim
ele fez. Ele, que tinha uma vista meio turvada, agora está enxergando que é uma
beleza.
Como
tudo de bom na vida tem um reverso, Floriano enfrenta um dissabor: foi se
apaixonar por uma mulher bem mais nova, cheia de boniteza, além de ser uma
pessoa muito agradável. Está claro que já contabilizou várias conquistas;
quando se encontra com aquele amigo, como despiste para ouvidos terceiros, essas
conquistas são enumeradas por códigos: A, B, C, D... Assim, eles se comunicam,
sem que outros deem com as línguas nos dentes, isto é, venham a fazer fofocas.
Tantos troféus, entretanto, não conseguem amenizar a dor no coração de
Floriano. Ele só tem pensamentos para a sua Deusarina.
Deusarina
só fala em amizade, mas Floriano quer mais, quer aquilo. Quando ele vem
chorando pro seu lado, com cara de pidão, Deusarina desconversa e dá um chega
pra lá nele.
Floriano
se sente desesperado, chegou a procurar orientação técnica. Falaram que, diante
de uma retranca, a melhor tática é jogar pelas pontas. Ele fez isso, mas o
resultado foi pífio, não passando de um 0X0. Resolveu, depois, marcar sob
pressão, mas não existe preparo físico que aguente fazer isso durante todo o
jogo. Quando resolvia ir pro abafa, todo no ataque, ela avançava a zaga e o
deixava em impedimento.
Floriano
está decidido a abandonar essa partida. Como última cartada, num desespero de
causa, fez como aquele rapaz que, após assassinar os pais a facadas, pediu clemência
aos jurados dizendo ser órfão. Floriano falou assim para Deusarina:
-
Sua presença faz meu coração disparar, minha vista fica embaralhada e começo a
tremer. Vou me afastar de você, já que não existe espaço para mim em sua vida.
E
assim ele fez. Com o coração sangrando, ele se afastou e até arranjou uma
substituta (como as mulheres gostam de falar, a fila anda). Não se trata de nenhuma
Deusarina, mas tem poucos quilômetros rodados. Quando Floriano chegou naquela
afobação, ela aplicou-lhe um cartão amarelo, com a advertência:
- Vem com modos, seu apressadinho, que sou mulher de respeito.
Aquilo
foi só conversa, pois, no terceiro ataque, Floriano já havia marcado gol.
Com
isso, acabou se esquecendo da paixão por Deusarina. Contou também uma simpatia para
velho deixar de gostar de menina mais nova: torrou a ponta de uma espiga de
milho com sal grosso e bebeu daquele caldo. Foi tiro e queda.
Aquele
amigo, já mencionado por outras duas vezes, manda pedir desculpas pelas brincadeiras,
que não falou nada por maldade, diz que Floriano é um senhor de grande coração
e que merece todas as felicidades possíveis e imagináveis. Fica registrado o
pedido.
Etelvaldo Vieira de
Melo
1 comentários:
Ficou muito boa a sua crônica. Abraços. Prof. Marcos.
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