Um amigo de bairro, que sumiu
depois de ter se mudado para outro, tinha um grande senso de humor, apesar de
ter ficado encostado do serviço por mais de ano, tudo por causa dos assaltos de
que foi vítima, ele que era motorista de ônibus.
Esse
amigo muitas vezes me falava assim:
-
Desculpe eu ter de sair, mas é que estou num corrimento danado.
Ao
que eu retrucava:
-
Melhor você procurar um ginecologista, que com corrimento não se brinca.
Estou
me lembrando dele não por causa do corrimento, mas da correria em que ando e
que tem me afastado de muitas coisas.
Os
afazeres domésticos, o acompanhamento de uma reforma no imóvel e os
irrecusáveis jogos de videogame têm me afastado dos programas de TV. Ao pouco
que assisto, salta aos olhos e assusta a quantidade de publicidade massiva
sobre a Copa do Mundo. A propaganda é tanta que, fiquei sabendo, levou um
parente, com mais de 60 anos de idade, a fazer coleção de figurinhas da Copa.
Regularmente, lá estava ele no shopping da cidade onde reside, trocando
figurinhas com crianças e adolescentes. Dia desses, completou seu álbum e, em
conversa pelo telefone, me deixou a impressão de que haviam lhe tirado um
pirulito da boca.
-
Acho que vou fazer outro álbum – falou ele, depois de ter me contado haver
doado as figurinhas repetidas para um menino, que ficou conhecendo em seus
negócios de permuta.
Quis
saber se utilizavam daquele expediente de nossos tempos de infância: o jogo de
tampão. Não, eles não chegaram a isso. Como a cidade onde mora é reduto de
espíritas e imagino que exista “campanha do quilo” pra tudo quanto é lado,
sugeri que, aproveitando a onda do momento, lançasse a “campanha das
figurinhas”, para abastecer os álbuns de crianças e adolescentes
desafortunados.
Brincadeiras
à parte, eu não fazia ideia de que o esquema da Copa fosse tão bem estruturado.
Ele me faz lembrar aquelas campanhas de dedetização contra a dengue, com
inseticida sendo borrifado pra tudo quanto é lado. Assim acontece com esse
torneio da FIFA. Eu que, por princípio, odeio a Copa do Mundo, já me sinto
balançando, sem muita convicção. Por trás de tudo está a publicidade
orquestrada para levar a nocaute as resistências. Não demora muito e já estou
dependurando a bandeira do país na janela de casa e me abastecendo com foguetes
para espocar nas vitórias (caso isso venha a ocorrer, preciso providenciar um
tampão para os ouvidos de Thor, nosso cãozinho de estimação).
Olho
com muita desconfiança para essa tal de liberdade, esse dom maior da vida. Já
dizia um cronista, há tempos, que chegará o dia em que a publicidade irá nos
levar a comer grama, cacos de vidro e arame farpado. Em sentido figurado, ela
já faz isso.
Etelvaldo Vieira de
Melo
3 comentários:
kkkkk, Etelvaldo. Você precisa ficar ocupado com reformas: o texto veio recheadíssimo de ironia, rs. Adorei. "corrimento" kkk Me fez lembrar uma história que eu contava de "carreira". E tem mais esta "lá estava ele no shopping da cidade onde reside". Ele reside no shopping.... kkk. Pra ficar trocando figurinha. Cuidado que vai ser acusado de pedófilo, nestes tempos de politicamente correto. Cruz credo...E ... "é reduto de espíritas e imagino que exista “campanha do quilo” pra tudo quanto". kkkk. Que viva as reformas do Etelvaldo...
É irrefutável o bombardeio da mídia sobre nós, não só em época de copa ....Eu sugiro ao cronista que aproveite os momentos raros que a vida quotidiana tem nos oferecido para curtir, sem estresse, deixando fluir o nosso lado lúdico e liberando a alegria que só faz bem á nossa saúde do corpo e da mente. O sexagenário mencionado na crônica me causou inveja e provocou em mim uma nostalgia danada de tempos idos...
Ainda não cheguei ao ponto de comer grama, literalmente, mas que a publicidade tem hora que me dá um nó na cabeça.... ah, isso dá...
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