á em outra circunstância,
comentei o medo de Chico Buarque de Hollanda com o sucesso da televisão. Em
música homônima, ele diz que o homem da rua perdeu as companhias, pois as
pessoas ficavam em casa, mudas em frente à televisão.
Estou comentando isso
aqui, no momento em que o país se prepara para ficar em frente à TV, na
expectativa das pessoas se esgoelarem feito loucas, acompanhando a trajetória
de uma bola, chutada por homens barbados, em direção às redes de um gol. Caso aconteça
o dito cujo, é goool,
sendo a favor de um time de uniforme verde-amarelo, é bem provável que os
complexos sejam liberados e a gritaria se espalhe, acompanhada por estouros de
foguetes - Swooish! Fuiiim! Vuum! Zum!
Quando a televisão começou
a fazer sucesso, era costume, lá na minha terra natal, as pessoas irem para as
casas das famílias mais abonadas e se ajeitarem nas salas, frente aos aparelhos
de TV, para acompanhar as desditas de Albertinho Limonta em “O Direito de Nascer”, o drama de um
médico fugindo da polícia, procurando um homem sem um dedo (ou era um braço?),
em “O Fugitivo”, as aventuras de uma
série, “Rota 66”, ou o suspense de
ver o mundo ser tomado por seres alienígenas, em “Os Invasores”. (Como podem deduzir, dei muito trabalho ao senhor
Ubarto, indo todas as noites até sua residência. Esteja onde estiver, quero
deixar de público meu agradecimento, Sô Barto, por ter proporcionado um pouco
de alegria à infância sofrida de uma criança pobre).
As ruas da cidade ficavam
desertas; os bares – antes tomados por sinuqueiros – ficavam jogados às moscas,
que se aproveitavam ainda mais dos tira-gostos ajeitados nas vitrines; a praça
da matriz, antes tomada por rapazes e moças em busca de acertos afetivos, ficava
só com seus bancos vazios.
A cidade ficava tão
deserta que, certa noite, Adegesto Dorico resolveu desfilar nuzinho pelas ruas,
sem que uma vivalma viesse incomodá-lo. O que o fez correr adoidado para casa
foi um cachorro que cismou atacá-lo.
Tantas referências e
lembranças vêm a propósito do medo que experimento ao fazer a presente
postagem: e se não tiver ninguém para ler, se todos estiverem grudados na TV,
hipnotizados por uma bola rolando? Vou me sentir igualzinho ao homem da rua de
Chico Buarque, só faltando disparar pelas ruas do bairro, nu feito o Adegesto
Dorico!
Eu me pergunto, então: por
que não aproveitar para destilar meu veneno, falando de coisas das quais não me
atrevo por covardia?
Não. Vou preparar o
tradicional arroz com feijão e mais salada, aquilo que chamamos de trivial
simples.
Ontem estive assistindo ao
pronunciamento da presidente sobre o iminente torneio de futebol que o país irá
promover. O que ouvi foi muita desculpa, muito pedido de compreensão e até
certa ameaça velada.
Todos dizem que não
adianta chorar o leite derramado, que não é momento para crítica. Se o mal já
está feito, temos mais é de aproveitar o bom que restou (uma ex-prefeita, e
parece que atual ministra, haveria de usar outra expressão para dizer a mesma
coisa).
Não estou aqui para fazer
premonição, já que nem mesmo tenho vocação para astrólogo (no máximo, numa
partida de futebol entre A e B, poderia prognosticar que A é favorito, mas que
B pode surpreender, não sendo de todo impossível um empate). O que sempre fiz
foi refletir e re-fletir significa voltar atrás, re-pensar, ver de novo. A reflexão,
ao mesmo tempo em que olha o passado, projeta uma luz para o futuro, iluminando
o caminho, criando novas alternativas, para que os erros não se repitam.
Quando do compromisso
firmado de promover uma Copa do Mundo, o que assistimos foi a uma desenfreada
corrida:
*
de políticos megalomaníacos (das esferas federal, estadual e municipal, ou
seja, ninguém está isento, todos têm culpa no cartório) em busca de dividendos
eleitorais;
*
de empresários, em busca de lucro fácil e superfaturamento (quem disse isso foi
a filha de um ex-presidente da CBF: “O
que tinha de ser roubado, já foi”);
*
de celebridades, querendo mais holofotes;
*
de dirigentes da FIFA (para quem não se pode pôr a mão no fogo), fixando
exigências exorbitantes.
O que pode ser alegado é
que o país não tem competência para organizar um torneio desse porte. Contra
tal alegação, é corrente o ditado que diz “quem
não tem competência, que não se estabeleça”.
Outra coisa errada foi o
número exagerado de sedes, 12, num país de dimensões continentais, com todo um
trabalho de infraestrutura a ser montado. A FIFA alega que a escolha das sedes
se deu por razões técnicas. Ora, eu vejo que essas mesmas razões técnicas contribuíram
para o atraso das obras, o aumento do custo e a herança de “elefantes brancos”,
em cidades onde não existe a tradição do futebol. Estava aí uma falha de
planejamento, com interesses financeiros e ambições políticas falando mais alto
que as reais necessidades e o bom senso.
Transparece ao longo dessa
novela que a Copa se tornou uma espécie de Casa
de Mãe Joana, onde todos põem a
mão, mas onde ninguém se responsabiliza por nada. A presidente falou que investigações
serão feitas e, em caso de desvios e abusos, os responsáveis serão punidos. A
questão é saber se atribuições e responsabilidades foram divididas
adequadamente.
Poderia falar também da
arrogância com que dirigentes da FIFA e a própria imprensa internacional
trataram o Brasil e seu povo ao longo desses últimos anos. Os brasileiros se
sentiram incomodados diante da arrogância de quem não possui qualidade para
servir de exemplo (dói até hoje a indelicadeza daquele dirigente, mandando o
Brasil levar um chute na bunda).
A bem da verdade, é a FIFA
a responsável pela má organização, pelos atrasos e pelas obras inacabadas,
enfim, pelas falhas desta Copa. Tudo porque ela exige do país que irá sediar o
torneio um padrão, chamado de Padrão FIFA. Ora, se tal padrão é coisa de
primeiro mundo, ela deveria ter descartado, por princípio, a pretensão do Brasil,
um país de dimensões continentais, com muitas desigualdades regionais e que não
pode atender a tanta exigência elitista. Assim como um bom técnico é aquele que
sabe aproveitar o material humano em suas mãos, explorando o potencial de cada
jogador, sem querer conformá-lo ao seu padrão, assim também a FIFA deveria
moldar suas exigências às peculiaridades do país onde ocorrerá o torneio. Creio
que, então, muita surpresa agradável iria aparecer.
Nesse palavrório todo, uma
das falácias mais apontadas é a que o Brasil assinou uma Carta de Intenções. E
daí? Todos nós sabemos que de boas intenções até o inferno anda cheio, pois uma
coisa é querer e outra coisa é poder fazer.
Concluindo, um dos fatores
que mais contribuíram para os desacertos na organização da Copa foi, sem
dúvida, essa herança histórica de sempre buscar um jeitinho, de deixar para
depois de amanhã o que deveria ser feito ontem. Nós sabemos que o COI (Comitê
Olímpico Internacional) anda resmungando sobre o andamento das obras para as
Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. As dificuldades são parecidas, embora as
Olimpíadas ocorrerão basicamente em uma só cidade, enquanto que a Copa terá
doze cidades como sedes. Sendo assim, somando uma coisa com a outra, podemos
dizer que, além dos problemas estruturais, a desorganização é uma questão endêmica
no país, uma característica de nossa cultura. Se vamos tomar jeito, o tempo
dirá. Por enquanto, é bom que as entidades internacionais, que queiram promover
eventos por essas bandas, fiquem com as barbas de molho, tomadas de
desconfiança. Aqui nós temos um ditado que diz: “Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”.
No mundo político é
costume que as CPIs acabem em “pizza”, já que nenhum parlamentar quer
prejudicar seu par, pois leva em consideração que poderá ser ele a próxima
vítima. Eu acredito que a Copa da FIFA irá render bons dividendos - financeiros, sobretudo. É que eu vejo movimentando essa máquina grandes corporações, que
não iriam dar um tiro no escuro, com o risco de atingir o próprio dedão do pé.
Etelvaldo Vieira de
Melo