Quadrienalmente, no
reino animal
Acontece uma feroz
competição
Através de uma
corrida nacional
E pela qual alguém se
consagra campeão.
Para a corrida de
determinado ano, inscreveram-se o javali
Mais a raposa, o
ganso, a arara e o nhambu.
Chegando um pouco
atrasado, apareceu o jabuti
E, por ser de baixa
estatura, quase não se via o tatu.
As regras
determinavam como principal requisito
Que o trecho fosse
percorrido a pé, não cabendo recurso
Fato que prejudicava
ganso, arara e nhambu em tal dito
De não poderem usar voo
durante o referido percurso.
Favoritos para ganhar
a disputa estavam a raposa e o javali.
Institutos de
pesquisa diziam serem eles os prováveis campeões.
Correndo por fora,
devagar quase parando, vinha o jabuti
Com o peso de sua
carcaça a lhe provocar lamentações.
Tudo seria diferente
se o veado entrasse na competição
Mas o tatu interpôs
recurso por motivo de veadofobia
Que ele não reunia
princípios éticos, estéticos, de fiscalização
E que, por isso,
participar da corrida não podia.
Durante a maratona,
em quatro intervalos regulares
Deviam os
competidores frente à emissora de televisão
Trocar insultos com
seus pares
Pra ver quem mais
tinha razão.
A raposa dispunha de
uma assessoria especial
Sabendo que seu
telhado era de vidro em profusão
E temendo tornar-se
um alvo principal
Achou por bem de
estilingue ter a posição.
Enquanto a raposa
usava dessa tática genial
Sua cotação caía
pelas tabelas, e era assim que queria
Sabendo que chegaria
o dia
Em que haveria de dar
o golpe fatal.
Assim, o jabuti
passou a chamar a atenção
E, sendo usado como
boi para piranha
Embora entusiasmado
com a súbita promoção
Sem perceber que era
vítima de uma artimanha.
A bem da verdade, era
o jabuti um animal articulado
Dono de um falar
inteligente e pausado
Logo tornou-se foco
de geral atenção
Com risco de roubar
do javali a taça de campeão.
Estampavam jornais em
edição:
Quem haveria de
ganhar a competição?
Seria por acaso o
truculento javali
Ou ele iria sucumbir
frente ao delicado jabuti?
Enquanto isso, o
ganso de olhar distraído
Balançava o longo
pescoço em trejeito
Parecendo não querer
de nada tirar partido
Achando que tudo
estava bem feito.
A arara de plumagem
loura e olhar azul
Atirava pra tudo
quanto é lado
Não se importando se
do norte ou do sul
Até que, descuidada,
acertou o próprio rabo.
O tatu desde que sua
fobia de veado foi ciência da população
Não cresceu de
tamanho mas passou a chamar atenção
Comprou uma briga
feia com o ganso e a arara
Chegando à ameaça de
lhes dar uns tapas na cara.
O nhambu procurava
falar em tom comedido
Desde que em
entrevista pra televisão
Ao soltar um “pum”
foi surpreendido
Fato que provocou
enorme repercussão.
A corrida caminhava
para a reta de chegada
Quando o jabuti
passou a sofrer um processo de desconstrução
Com o javali
procurando lhe dar cabeçada
A raposa atirando pedra e escondendo a mão.
Cientistas políticos
perguntavam, mesmo a troco de nada:
Quem criou aquela
trama, quem forjou a desconstrução?
E diziam à boca
pequena que o Maquiavel da bicharada
Era um sorrateiro
pássaro que atendia pelo nome de Gavião.
Assim, da palpitação
passou o javali para um suspiro aliviado
As noites de insônia
sumiram quando clareou a situação
O temível jabuti
havia sido jogado de lado
Aquele animal de
couraça dura estava fora da competição.
Pensava o javali: brigar com a raposa é mais
seguro
Com seu teto de
vidro, não vou jogar no escuro
Com o jabuti seria
muito mais perigoso
Seu jeito manso
esconde um animal ardiloso.
De uma coisa o javali
não sabia:
Enquanto dava suas
cabeçadas no jabuti
A raposa trocava os
vidros de seu duplex
Substituindo-os por
temperados, por blindex.
No final, tudo acabou
como no quartel de Abrantes
O que veio depois
perdendo para o que era antes:
Javali e raposa
apontando na reta de chegada
Enquanto os demais
ficavam comendo poeira pela estrada.
A raposa se escondeu
atrás do jabuti
Evitando assim que
lhe atingisse cabeçada
De um raivoso e
acuado javali
Ao tempo em que
preparava sua faca afiada.
A pergunta final é:
quem será campeão
Ao final dessa
maratona que buliu com nossa paciência?
Quem levará os louros
da competição
Dessa corrida que
tanto brincou com nossa inteligência?
Neste mato tem rastro
de cobra, tem couro de lobisome
Se ficar, o bicho
pega; se correr, o bicho come.
Etelvaldo Vieira de
Melo