ENDEREÇO

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SOB O DOMÍNIO DO MEDO E DA INSEGURANÇA

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         Já dizia dona Percilina Predilecta que, na vida, tudo deve ser contextualizado, ou seja, uma frase, uma expressão ou um dizer só podem ser bem compreendidos através da leitura do momento em que foram criados ou expressos.
           
Como exemplo, posso lembrar que, no período medieval, era sinal de santidade estar infestado de piolhos (cf. Tudo é Relativo, Até o Pronome Relativo, postagem de 09/02/2013).
           
Em tempos não tão remotos, chamar alguém de “cachorro”, ou dizer “estar levando uma vida de cachorro”, soava como grande ofensa. Hoje, dependendo do contexto, chega a ser elogio.
           
Julguemos, aleatoriamente, a frase dita pelo ator George Clooney:
           
            - Ele, Max, é um de meus melhores amigos.
           
Parabéns, poderíamos dizer a George Clooney por acreditar na amizade e tornar público que alguém, Max, está incluso no rol de seus maiores amigos.
           
Investigando mais a fundo a declaração do ator, ficaríamos desnorteados ao descobrir que Max é a denominação de um porco, grande e peludo, que, por 18 anos, foi seu animal de estimação. Quando morreu, Max teve até direito a celebração de missa e velório.
           
Numa possibilidade remotíssima, se George Clooney lhe disser “Você é tão meu amigo como foi Max”, você poderá entender como elogio ou considerar que o conceito “amizade” anda sofrendo muita transmutação.
           
Os chineses são o povo no qual Lavoisier se inspirou para criar a sua famosa tese de que, no frigir dos ovos, nada se cria, tudo se copia. Por isso, têm eles aquela expressão risonha de quem, numa tradução brasileira, quer dizer: “aonde a vaca vai, o boi vai atrás”.
           
Já os japoneses são compenetrados e muito inventivos. É por isso que eles sempre estão com uma máquina fotográfica à mão, sabendo que uma boa foto pode gerar uma boa ideia.
           
Entre as invenções japonesas, em razão do pouco espaço físico de que dispõem, está a de criar árvores miniaturizadas ou banzais.
           
Não podemos atribuir aos chineses a globalização desse princípio de tornar mignons espécies vegetais e animais. Aconteceu que, aqui e ali, foram surgindo animais de estimação em tamanhos cada vez mais diminutos. O exemplo clássico fica por conta de cães que, por cruzamentos e mutações genéticas, chegaram a tamanhos mínimos, podendo ser alojados em apartamentos ou transportados em bolsas.
           
Como as mudanças na sociedade são cada vez mais aceleradas, chamar alguém de porco ou dizer que ele tem “espírito de porco” também deixou de se constituir uma ofensa.

Miniporcos são, hoje em dia, animais de estimação, com a tendência de derrubar os cães do topo das preferências humanas. Por não possuírem glândulas sudoríferas na pele, exalam menos odor que os cães, estando um patamar acima daqueles no nível de inteligência; seu tamanho não ultrapassa 40 centímetros e seu peso fica entre 25 e 30 quilos; sua expectativa de vida gira em torno de 18 anos. Além de todos os benefícios proporcionados por um cãozinho, um miniporco tem a vantagem adicional de não latir – um alívio para os vizinhos de outros apartamentos.

Como a Ciência sempre cuidou de tornar o ser humano mais feliz, adaptando animais para a convivência do lar, sejam eles cães, porcos ou outros bichos, ela mesma deixa no ar uma suspeita: por que, até hoje, não cuidou de miniaturizar um chipanzé, aquele que – na escala animal – mais se aproxima da condição humana?
           
Pensando bem, a resposta até que é simples. Se cães, com QI tão baixo e rastejante, já conseguem fazer e aprontar todas, tornando-se, de fato, os donos das casas, imagina o que aconteceria com um chipanzé!
           
É tudo uma questão de medo e insegurança frente a um perigo real e imediato, o da Terra se tornar o Planeta dos Macacos, num momento em que já não mais podemos contar com a prestimosa ajuda de Charlton Heston.
Etelvaldo Vieira de Melo

             

PARA ANA CLARA, PERTO DO NATAL

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Tanto tempo já faz que não te vejo,
Mas permanecem vivas as lembranças.
A vovó, tanto em sonhos como em beijos,
Espera o teu amor, bela criança.

Todo dia me encanto com as pinturas
Feitas nas telas e no coração.
O retratinho, posto na moldura,
Ameniza a saudade, oh Maranhão!

Em breve, Ana Clara, no Natal
Quem sabe vou te ter, num longo abraço?
Renasce em mim a crença que, afinal

Possamos unir em um só laço
A família e, juntinhos numa ceia,
Tua avó novamente em anjos creia.

ENROLAÇÕES E LADRÕES

NÃO é sempre, mas chego a ser considerado uma pessoa que gosta de enrolar as outras. Em nome da verdade, é preciso levar em conta que, sendo eu uma das dezenas de personagens que tornam possível a sobrevida deste blog, não tenho com fugir de alguns enrolamentos, caso contrário, quem acaba enrolado somos meus parceiros e eu, indo o blog pro beleléu.

Meu histórico de enrolado deve ter começado nos tempos de estudante quando, numa prova de Ciência, o professor pediu uma dissertação sobre os intestinos grosso e delgado.

O professor em questão chamava-se Augusto Pinto Padrão. Para que não haja nenhuma inferência maldosa quanto ao seu nome, é bom que fique bem claro que ele era padre e, pelo que me constava, cumpridor dos votos solenes de castidade.

Pois bem, meus conhecimentos de Ciências eram pobres, indo, com muito esforço e espremendo ao máximo os neurônios, até o estômago. Como eu disse, tratava-se de uma prova dissertativa, já que não havia sido inventada essa tal de múltipla escolha, onde, mesmo não sabendo nada, você pode arriscar um “mamãe me mandou botar um ‘x’ nesta aqui”. Lancei-me à tarefa, falando, primeiro, sobre o ambiente físico onde se desenrolava a ação, um refeitório cheio de adolescentes e jovens - famintos; em seguida, fiz uma descrição detalhada dos ingredientes que compunham o cardápio de um suposto almoço. Ganhei, com isso, uns cinco parágrafos. Depois, falei sobre o processo mastigatório (bem lento – por causa da digestão), a comida descendo pelo esôfago e se acomodando no estômago. Chegando aí, eu bordei um FIM.

Na aula seguinte, entregando os resultados da avaliação, Padre Augusto comentou: - E temos aqui a brilhante resposta do senhor Floriano que, talvez em razão de seu próprio nome, floreou um tanto de baboseira, falando de tudo, menos dos intestinos grosso e delgado, com eu havia pedido. Floreando o resultado, dou-lhe um ZERO todo bordado.

Depois destes cinco parágrafos de introdução, é tempo de ir ao que interessa, antes que a pecha de enrolado cole de vez.

Meu vizinho acaba de me contar que dois amigos seus, fazendeiros no norte do Estado, enfrentavam um problema sério: regularmente, alguns de seus cavalos eram roubados. Deram queixa à polícia, que prometeu ir, mas não foi, ficando só na conversa. Então, decidiram eles mesmos levar em frente a empreitada de tocaiar os ladrões. Ficaram escondidos e, quando a noite chegou, deram a sorte de pegar os distintos com a "boca na botija" (traduzindo: no ato de flagrante delito). Um fazendeiro estava munido com uma cartucheira, enquanto o outro portava uma espingarda, daquelas de encher pela boca. Apesar desse pequeno inconveniente, conseguiram render os ladrões, dois.

Mantendo os meliantes sob a mira das armas, falou um dos fazendeiros:

- Para não se apropriarem do que é alheio, vocês irão morrer enforcados naquela árvore e, depois, jogados naquela lagoa. – Ele falou isso, apontando para uma árvore situada justamente à margem de uma imensa lagoa.

Enquanto o fazendeiro que portava a cartucheira mantinha os ladrões sob mira, o outro tratou de passar uma corda com laço no pescoço de um dos malfeitores. Depois, jogou a ponta da corda por sobre um galho e puxou.

Estando o corpo a meio caminho, aconteceu que o galho não suportou seu peso, pois estava seco, caindo o ladrão dentro da lagoa. Mais do que depressa, ele a atravessou, nadando, e chegou ao outro lado. De lá, ele fez um gesto de “dar uma banana” (puxou o braço direito com o punho fechado, enquanto ali batia com a mão esquerda), dizendo:

- Aqui pra vocês, ó! Vocês nunca mais vão me pegar, nem aqui, nem na China.

Enquanto ele assim falava, o outro se ajoelhou no chão, exclamando – com lágrimas nos olhos:

- Vê se arranjam um galho bem resistente, para que eu morra direito, já que não sei nadar!

Esse caso me fez lembrar um livro que acabei de ler, onde dois autores debatem sobre ética e corrupção. Numa parte do livro, fazem referência ao que é chamado de “Dilema de Pascal”: vale ou não vale a pena acreditar em Deus?

Se você acredita em Deus, mas ele não existe: tudo bem, já que você não perde e nem ganha; se Deus existe, aí você sai ganhando, pois será recompensado pela sua crença.

Se você não acredita em Deus: se ele não existe, tudo vai dar em nada, apesar de ter julgado certo; se ele existe... aí, você vai se dar mal.

Conclusão: entre acreditar ou não acreditar em Deus, faz melhor quem acredita.

O segundo ladrão da história, de qualquer modo, iria se dar mal. Por isso, sob qualquer circunstância na vida, é sempre bom a pessoa saber nadar. Saber tocar flauta transversal também é uma boa opção.

Etelvaldo Vieira de Melo

ARCAÍSMOS E NEOLOGISMOS

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- Acho que vosmecê está arrastando a asa para outra mulher.
- Que é isto? Você ainda é minha gata.
- Janota, pode tirar o cavalo da chuva que não vamos mais juntos nem ao animatógrafo.
- Demorou. Qual foi o veio que não botou fé no nosso rolo?
- Tenha cautela de não tomar sereno. Só uma burra não percebe que você está passando a manta e dando uma de Vila Diogo, por causa de outra que não pode amarrar cachorro com linguiça.
- Na moral, bichão! Deixa de ficar dando uma de tilelê.
- Vamos fazer o quilo e depois vai pregar em outra freguesia.
- Brother, marca aí. Tô computando tudo no meu tablet.
- Se continuar nessa sangria desatada, vou chegar urtiga no nariz dessa peralvilha por qualquer tutameia.
- Bora, pra balada. Tenha a manha de pensar certo, ou acabo te deletando.
- Não tenho sangue-de-barata, mequetrefe, safardana.
- Vai catá coquinho. Cê num tá com nada, seus papo tão fraco.
- Adeus, vosmecê me fez de gato e sapato.
- Num tô nem aí. Vai secá gelo.
- Seu bilontras. Que vosmecê caia no precipício.
- Beijo, me liga. Beijim no ombro pro seu recalque.





SOCORRER

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A vida assim eu vejo
como um rato
que corre por um queijo
um gato que corre atrás do rato
e um cão a perseguir o gato.

A vida também é assim:
eu corro atrás dela
enquanto algo sombrio
corre atrás de mim.

É a morte?
pode até ser
mas nessa correria
nem tenho tempo pra ver

se é minha sombra
se é a felicidade
a se oferecer.

Com tamanha desdita
a nos atormentar
melhor ser o queijo
que nada tem a procurar.

Ou terá?
Teria
se pudesse do rato correr.

Corre o queijo do rato
que corre do gato
que corre do cão.

Corro da morte
corro da sombra
corro da sorte

corre a vida em ilusão.                                           Etelvaldo Vieira de Melo


HERANÇA DO MUNDO MODERNO

Imagem: www.jornaldelavras.com.br

Um passarinho pousou em cima do muro. A faxineira me chamou e comentou que a gente poderia aprisionar o fugitivo, se ele viesse comer pão em nossa janela.

Foi o que fizemos. peguei o sabiá e vi uma plaquinha em sua perna.

- Vou ligar para o IBAMA.

Ninguém atendeu. Ficamos as duas sem gaiola, porque no apartamento só tinha uma caixa de sapatos. Pronto! E daí?

- Você pode levar o curió, disse eu.

- Então furo a caixa e levo.

Na semana seguinte, ela acrescentou:

- Está cantando que é uma beleza.

Disse-lhe eu então que o meu filho pedira para ficar com o xapim.

- Está bem, dona Graça, mas agora ele custa 550 reais, sem a gaiola.

EM DEFESA DO VIDEOGAME

A
o longo de minha caminhada por este espaço cibernético (gosto desta expressão), uma vez ou outra, tenho sido vítima de críticas, ora veladas, ora ostensivas, notadamente quando menciono gostar de videogame. Muitas pessoas torcem o nariz a esse fato, como se eu estivesse realizando uma atividade menor, coisa de adolescente. Tais pessoas não entendem que é nessas ocasiões, quando estou com um manete de jogo nas mãos, eu descarrego minha adrenalina (naftalina, diria o ex-jogador Jardel), que, caso fosse desviada para outras pessoas, poderia ocasionar ferimentos e até mortes.
        
Os jogos de videogame estão aí para isso mesmo. Por essa razão, estão todos carregados de violência. Caso eu tivesse que expiar, pagar as mortes virtuais que provoquei, não haveria inferno que conseguisse me acomodar.
        
Quero, pois, dizer para esses desavisados críticos: só apelando para tais jogos que consigo manter esse meu tom de bom humor. Se eu me contentasse com as notícias de jornais e de TV, teria um linguajar ácido a provocar gastrite em todos de minha convivência, a começar por eu mesmo.
        
Dessa maneira que levo a vida, o máximo de desconforto que carrego é, às vezes, o que chamam de “LER” (lesão por esforço repetitivo), uma dor enjoada nos dedos das mãos - em especial, no anular esquerdo.
        
Para esses críticos de plantão, eu diria, também, para olharem a história, quando iriam saber que muitas invenções só foram possíveis em momentos lúdicos.
        
Vou dar dois exemplos. Quando Isaac Newton descobriu a famosa “Lei da Gravidade” (e que enchia a paciência da gente, quando estudante), ele estava fazendo o quê? Estava ele tirando uma soneca debaixo de um pé de maçã, depois de haver lanchado num piquenique com umas três donzelas (era assim que as moças de então eram chamadas). A extraordinária invenção do para-raios foi feita num momento em que Thomas Edson se debruçava sobre um calhamaço de livro? Não! Ele estava se deliciando, soltando pipas ou papagaios. E não era ele, então, um adolescente espinhento, mas um senhor respeitável, de barba e bigode.
        
Portanto, não tem nada a ver o fato de que amo videogame. Foi durante um jogo que tive o insight da invenção do espelhosohp ® ou mirrorshop® (crônica postada em 28/09/2013). Está claro que ela não deu em nada, mas isso só se deve ao fato de ser eu um brasileiro, de estatura mediana, de não ter sido Made in USA (ou in China).

Etelvaldo Vieira de Melo

MENSAGEM DO LEITOR

O vosso blog faz hoje dois anos.                    
Tanto tempo perdido em palavras
que hoje merecem um bolo.
Bem dado!
A princípio os temas brilham
mas ganham apenas o ouro
do chocolate.

Neste aniversário, vou dar-lhes um presente:
O Etelvaldo continue vermelho
mesmo porque é a cor de sua cara
quando faz as postagens.
A Graça não seja cor-de-rosa.
Malandra,
não fique em cima do muro
esperando que eu, leitor, a socorra
na escolha dos bombons da linguagem.

Este é o meu recado
neste dia em que aniversariam:
escrevam em paz seus textos
e deixem-me atordoado de vinho
com a ideia de achá-los muito bons
ou com a vontade enjoada
de largá-los de vez na lixeira. 

CONTRADIÇÕES

      
T
empos atrás, fui até certo cemitério da cidade para acompanhar o enterro de um conhecido.
        
Entre as capelas-velório, havia uma com um corpo aparentemente abandonado, sem ao menos uma coroa de flores. Com esforço, vislumbrei na penumbra o vulto de uma mulher sentada num canto.
        
Aquela cena de aparente abandono e solidão me chocou profundamente, fez com que eu voltasse no tempo, para minha cidade natal, quando aconteciam os enterros.
        
Havia aqueles que provocavam comoção geral, com direito a missa de corpo presente, badalos de sinos, o comércio fechando suas portas e toda a população, compungida, acompanhando o esquife. Formavam-se filas imensas e até o vigário se dava ao trabalho de ir ao cemitério para fazer as orações finais.
        
Outros, entretanto, procuravam atalhos para chegar logo ao destino. O caixão, em vez de construído em madeira trabalhada, era uma armação coberta de pano. Além dos quatro carregadores, havia, quando muito, mais três a quatro acompanhantes.
        
Adolescente, então, tomado de veleidades poéticas, cheguei a produzir este texto, que até hoje guardo de cor:

Enterro de pobre
Que tão bem encobre
A dor que causou.

Adeus de vivente
Que parte e não sente
Aquilo que deixou.

Sentimento velado
Em coração marcado
Procurando esquecer:

Esquecer o adeus
Esquecer o vazio
Para continuar a viver.
        
São contradições assim que me fazem sofrer. Mesmo no momento de despedida, alguns são mais reconfortados, enquanto outros partem pedindo desculpas pelo espaço que ocuparam nesta vida. Isso dói.
Etelvaldo Vieira de Melo