ENROLAÇÕES E LADRÕES

NÃO é sempre, mas chego a ser considerado uma pessoa que gosta de enrolar as outras. Em nome da verdade, é preciso levar em conta que, sendo eu uma das dezenas de personagens que tornam possível a sobrevida deste blog, não tenho com fugir de alguns enrolamentos, caso contrário, quem acaba enrolado somos meus parceiros e eu, indo o blog pro beleléu.

Meu histórico de enrolado deve ter começado nos tempos de estudante quando, numa prova de Ciência, o professor pediu uma dissertação sobre os intestinos grosso e delgado.

O professor em questão chamava-se Augusto Pinto Padrão. Para que não haja nenhuma inferência maldosa quanto ao seu nome, é bom que fique bem claro que ele era padre e, pelo que me constava, cumpridor dos votos solenes de castidade.

Pois bem, meus conhecimentos de Ciências eram pobres, indo, com muito esforço e espremendo ao máximo os neurônios, até o estômago. Como eu disse, tratava-se de uma prova dissertativa, já que não havia sido inventada essa tal de múltipla escolha, onde, mesmo não sabendo nada, você pode arriscar um “mamãe me mandou botar um ‘x’ nesta aqui”. Lancei-me à tarefa, falando, primeiro, sobre o ambiente físico onde se desenrolava a ação, um refeitório cheio de adolescentes e jovens - famintos; em seguida, fiz uma descrição detalhada dos ingredientes que compunham o cardápio de um suposto almoço. Ganhei, com isso, uns cinco parágrafos. Depois, falei sobre o processo mastigatório (bem lento – por causa da digestão), a comida descendo pelo esôfago e se acomodando no estômago. Chegando aí, eu bordei um FIM.

Na aula seguinte, entregando os resultados da avaliação, Padre Augusto comentou: - E temos aqui a brilhante resposta do senhor Floriano que, talvez em razão de seu próprio nome, floreou um tanto de baboseira, falando de tudo, menos dos intestinos grosso e delgado, com eu havia pedido. Floreando o resultado, dou-lhe um ZERO todo bordado.

Depois destes cinco parágrafos de introdução, é tempo de ir ao que interessa, antes que a pecha de enrolado cole de vez.

Meu vizinho acaba de me contar que dois amigos seus, fazendeiros no norte do Estado, enfrentavam um problema sério: regularmente, alguns de seus cavalos eram roubados. Deram queixa à polícia, que prometeu ir, mas não foi, ficando só na conversa. Então, decidiram eles mesmos levar em frente a empreitada de tocaiar os ladrões. Ficaram escondidos e, quando a noite chegou, deram a sorte de pegar os distintos com a "boca na botija" (traduzindo: no ato de flagrante delito). Um fazendeiro estava munido com uma cartucheira, enquanto o outro portava uma espingarda, daquelas de encher pela boca. Apesar desse pequeno inconveniente, conseguiram render os ladrões, dois.

Mantendo os meliantes sob a mira das armas, falou um dos fazendeiros:

- Para não se apropriarem do que é alheio, vocês irão morrer enforcados naquela árvore e, depois, jogados naquela lagoa. – Ele falou isso, apontando para uma árvore situada justamente à margem de uma imensa lagoa.

Enquanto o fazendeiro que portava a cartucheira mantinha os ladrões sob mira, o outro tratou de passar uma corda com laço no pescoço de um dos malfeitores. Depois, jogou a ponta da corda por sobre um galho e puxou.

Estando o corpo a meio caminho, aconteceu que o galho não suportou seu peso, pois estava seco, caindo o ladrão dentro da lagoa. Mais do que depressa, ele a atravessou, nadando, e chegou ao outro lado. De lá, ele fez um gesto de “dar uma banana” (puxou o braço direito com o punho fechado, enquanto ali batia com a mão esquerda), dizendo:

- Aqui pra vocês, ó! Vocês nunca mais vão me pegar, nem aqui, nem na China.

Enquanto ele assim falava, o outro se ajoelhou no chão, exclamando – com lágrimas nos olhos:

- Vê se arranjam um galho bem resistente, para que eu morra direito, já que não sei nadar!

Esse caso me fez lembrar um livro que acabei de ler, onde dois autores debatem sobre ética e corrupção. Numa parte do livro, fazem referência ao que é chamado de “Dilema de Pascal”: vale ou não vale a pena acreditar em Deus?

Se você acredita em Deus, mas ele não existe: tudo bem, já que você não perde e nem ganha; se Deus existe, aí você sai ganhando, pois será recompensado pela sua crença.

Se você não acredita em Deus: se ele não existe, tudo vai dar em nada, apesar de ter julgado certo; se ele existe... aí, você vai se dar mal.

Conclusão: entre acreditar ou não acreditar em Deus, faz melhor quem acredita.

O segundo ladrão da história, de qualquer modo, iria se dar mal. Por isso, sob qualquer circunstância na vida, é sempre bom a pessoa saber nadar. Saber tocar flauta transversal também é uma boa opção.

Etelvaldo Vieira de Melo

1 comentários:

´Mário Cleber disse...

kkkkkk. Adorei. Rolei de rir. "Augusto Pinto Padrão". APP:. As modernas APPs? Ou seria um Pinto Padrão? Ou não seria Padre, mas um "Padrão"? Em vez de dilema de Pascal, teríamos o Dilema de Etelvaldo: você lê algo que tem uma dupla interpretação e que pode levar a pensamentos "malévolos", mas não é aquilo que você pensou. O mal está dentro de sua cachola. O "enrolation" está me atingindo...

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