A CASA DE IRENE

E
ra uma vez duas irmãs que moravam num bairro afastado do centro da cidade, numa época em que era no centro que as coisas aconteciam. Estando na flor da puberdade, elas tinham, pois, motivo para se sentirem infelizes, não fosse o acaso de estarem próximas a um internato masculino, numa época em que ainda existia esse tipo de estabelecimento.
            Como tinham acesso às dependências do prédio, por ocasião dos torneios de futebol e das apresentações teatrais, fica fácil traçar um perfil físico-psíquico das duas.
            Adelaide, a mais velha, um algodão-doce de simpatia, tinha os cabelos castanho-claros. O inconveniente era o rosto coberto de espinhas, fato que a deixava um tanto quanto complexada. Por qualquer motivo, ficava vermelha como pimentão maduro. Ela se esforçava, fazia o possível para atrair a atenção dos rapazes do internato, mas eles só tinham olhos e corações para a irmã, Irene.
            Além da pele lisa feito veludo, Irene tinha os cabelos castanho-escuros e um corpo com tudo no lugar, sem necessidade de tirar ou colocar mais nada. E seus olhos eram verdes e todos os rapazes daquele imenso internato (os que puxavam para +, porque havia também aqueles que puxavam para – e outros que ficavam no ±), todos os rapazes positivos, portanto, sonhavam em poder conquistá-la.
            Enquanto Adelaide atirava pra tudo quanto é lado, armando suas redes para pegar qualquer peixe, mesmo sendo um mandi (para mim, o mais bobo e desprezível dos peixes) ou uma piaba, Irene fez uma seleção, tipo vestibular, escolhendo uma meia dúzia de pretendentes para o que seria uma antecipação dos reality shows do mundo moderno.
            Esse seleto grupo passou a ter o direito de frequentar a casa de Irene, enquanto os demais pretendentes ficavam chupando o dedo, a ver navios.
            Inspirados nessa situação, Maresca-Pagano compuseram a música A Casa d’Irene, interpretada por Nico Fidenco, um dos grandes hits da década de 60.
            




         Faziam parte do grupo de Irene: Baianinho, Adilcente, Feliciano, Adolocil, Tikatomo e Inocêncio.
            Baianinho impressionava Irene pela versatilidade com a bola nos pés. Apesar da baixa estatura, era um excelente jogador. Além desse predicado, tinha uma obturação a ouro, o que tornava seu sorriso luminoso.
            Adilcente tocava violão e cantava com voz de barítono. Nos encontros na casa de Irene, ele fazia espetáculo com “L’amour est bleu”, grande sucesso da época.
            Enquanto Adilcente dedilhava um fundo musical, Feliciano declamava poemas. O problema era que, geralmente, seus textos caiam num impasse. Por exemplo, este aqui:
Vou.
Será que vou mesmo?
Não, não vou.
Mas não posso ficar assim.
Melhor dizer:
Acho que vou
ou
acho que não vou?
               
Adolocil impressionou Irene pelo amor que demonstrava à sua terra de adoção, uma cidade chamada Divinópolis. Adolocil dava conta de todos os detalhes da cidade. Sem exagero, era capaz de nomear o número de homens, mulheres e crianças, a quantidade de postes elétricos distribuídos pelas ruas, o número de ônibus que partiam da cidade para a capital, com o número médio de passageiros. Era capaz, até mesmo, de dizer o índice pluviométrico registrado na cidade nos últimos dez anos. Tanta riqueza de detalhes impressionava Irene. Ela pensava: “- Se ele ama assim sua cidade de adoção, imagina o amor que ele poderá ter por mim!” Outra qualidade de Adolocil que encantava Irene era o fato de fazê-la rir. Foi baseado neste fato que Caetano Veloso compôs aquela música onde diz “quero ver Irene rir”.
            Tikatomo era um fisiculturista capaz de quebrar com a cabeça meia dúzia de tijolos empilhados. O físico de Tikatomo fazia Irene ter pensamentos esquisitos e que lhe causavam palpitação.
            Inocêncio, o último da relação, não apresentava nada de especial, a não ser o fato de ser o mais bonito de todos os concorrentes. Ao fim da avaliação, foi ele o escolhido por Irene para ser seu namorado.
            Estou relatando essas ocorrências para mostrar que os ditados populares nem sempre encontram correspondência nos fatos; “beleza não põe mesa”, por exemplo. Para Irene, pôs até sobremesa, um bebê que apareceu assim, de repente.

Etelvaldo Vieira de Melo 

2 comentários:

´Mário Cleber disse...

kkkk. ADorei. Vc arruma cada nome...Ri. Isto é muito bom.

Vicente disse...

Eu vivi essa história , caro cronista. Adelaide era minha paixão secreta. Boas recordações.

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