Para Carminha,
sobrinha querida.
Quando
criança e adolescente, por muitas e muitas vezes fui pescar em rios que volteavam
minha pequena cidade natal. Essas pescarias quase sempre aconteciam na companhia
de um tio, solteiro convicto, e que sempre morou lá em casa.
Tinha apelido de Lalau e, na
minha lembrança, ele sempre aparece com as mãos, apoiadas no cinto da calça,
apertando a barriga. Sofria ele de uma gastrite crônica, embora nunca tenha
abandonado o hábito de fumar e tomar café. Somente depois de muitos anos é que
se submeteu a uma cirurgia, que lhe provocou estreitamento do esôfago, fato que
o obrigou a se alimentar de ensopados.
Era o Lalau quem cuidava de
preparar os anzóis e as varas de pesca. Levantávamos bem cedinho, com ele
também cuidando de preparar as iscas, minhocas - que eram cavadas no quintal de
casa. Eu tinha uma espécie de “olho gordo”, isto é, nunca achava que as iscas
seriam suficientes. Elas eram ajeitadas em latas, geralmente aquelas de
salsichas, junto com um tanto de terra. Quando aqueles anelídeos eram bravos, o
meu entusiasmo crescia. Pensava: “Hoje eu
vou me dar bem!”
O que acontecia quase sempre
é que eu me dava muito mal, já que era um péssimo pescador, fisgando mais os
galhos das árvores que os peixes propriamente.
Quando chegávamos ao
pesqueiro, procurava lugares onde o rio fazia encosto junto às árvores,
formando os remansos. Meu tio escolhia um local qualquer e, enquanto eu brigava
com as muriçocas e sem ter experimentado sequer um puxãozinho no anzol, lá estava
ele enchendo o embornal de peixes.
Ao ver aquilo, eu ia me
achegando, enquanto ele, gentilmente, ia se afastando. No final, lá estava ele
no meu ponto de partida, enquanto eu, mais perdido do que cego em tiroteio, não
sabia mais onde jogar o anzol.
Estas lembranças me acorrem
quando leio uma citação de Guimarães Rosa, dizendo ele que “ama os grandes rios, pois são profundos como
a alma de um homem”.
Que a alma humana seja
profunda eu não tenho como discordar. Só não aceito a analogia com grandes
rios, já que eles não fazem parte de minha história de vida. Depois, o meu tio
Lalau me mostrou que esses detalhes de raso e profundo são muito relativos. A
profundidade pode estar escondida em águas aparentemente rasas, enquanto aquilo
que aparenta ser profundo é, na verdade, uma coisa rasa.
No fundo, chegando a uma
discórdia total com Guimarães Rosa, penso que a vida humana também é assim:
pessoas aparentemente profundas são superficiais, enquanto outras, para as
quais você não dá valor, são de riqueza imensa e inesgotável.
Bênção e um abraço, querido
tio Lalau, onde quer que você esteja. O senhor, dentro de sua simplicidade, foi
um homem de extrema sabedoria.
Etelvaldo Vieira de
Melo
1 comentários:
Etelvaldo.
Tenho lido seus textos com frequência e acho que são deveras profundos.
Outro Lalau.
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