A TÍTULO DE EXPLICAÇÃO

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O leitor deve ter observado uma presente mudança no meu comportamento escritural. Não mais utilizo o sentido claro do relato, nem me concentro em formas fixas e sedimentadas. Prefiro a experimentação vocabular e não me interesso pela organização sintática dos “versos”.  Abandonei qualquer relação com a Escolástica ou com expressões reacionárias. Procuro mostrar o desmantelamento da contemporaneidade, tanto no discurso quanto no social. Para esse fim, me desfiz também do sentimentalismo saudosista que ainda persiste no âmbito do poético. Talvez não alcance ser compreendida por aqueles que desejem uma identificação com o vate literário, mas a new generation gostará dessas inovações. Retiro fora o bom comportamento dos autores clássicos e já não assino ponto na Instituição poesia.                    

Um abraço,                                                                                                                                                                                                                                              Graça Rios

QUANDO O POUCO, QUASE NADA, TORNA-SE MUITO, QUASE TUDO

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Para Geraldo Felix
            Peço suas desculpas se tenho uma conversa difícil para um pronto entendimento. É que, entre outros senões, venho lá das beiradas de mato, lugar afastado, desrruado.
            Foi lá que nasci, numa casinha sequinha, coitada, de adobe e taipa, bambus trançados.
            Para entrar na casa, gente grande tinha que encolher a cabeça, que a porta era estreita e baixa.
            Os cômodos davam quatro: o quarto de pais e o da meninada, cozinha e a sala; tudo de chão batido onde, de vez em quando, era preciso aspergir água pra acalmar a poeira.
            Na sala, tinha um jogo de quatro cadeiras, em volta de uma mesa retangular, geralmente coberta com um forro de linho. Uma jarra com flores decorava o cenário.
            Na parede sobre o portal que levava para a cozinha, havia o quadro do Sagrado Coração de Jesus, com a frase: “Deus abençoe este lar”. Na outra lateral, tinha um retrato de meus avós paternos, José Marcelino e Maria Ângela. Eles aparentavam ar sério e um pouco assustado.
            Vira e mexe, ainda hoje, tenho sonhos com vô que, pra dizer a verdade, nem conheci em vida, mas cuja braveza era cantada e decantada por pai. Nos pesadelos, vô Marcelino me pega pela orelha e, rindo, pergunta:
            - Sua orelha tem sebo?
            - Tem? Então, tiremos, tiremos.
            - Sua orelha tem sebo?
- Não? Então, pusemos, pusemos.
A cozinha apresentava, num canto, um fogão à lenha; ao lado, ficava uma mesa comprida de madeira bruta, cercada de tamboretes. No lado oposto ao fogão, sobre uma cantoneira, havia uma bilha com água para beber; ao seu lado, um toco fincado no chão e, sobre ele, um moinho de café.
A porta da sala dava para um terreiro. A fim de evitar a entrada de cachorros e galinhas, meu pai achou por bem colocar ali uma cancela. Era feita de varas de bambu e estava presa no portal com solado de couro.
Ao lado da casa, de comprido, tinha um jardim, onde mãe plantava malvas, rosas, beijos, onze horas, trevos. Aquele jardim dava uma cor especial à paisagem.
Naquela casa, durante a semana, a gente, mesmo as crianças, não tinha hora pra preguiça e não ter o que fazer. Nem bem o dia amanhecia, e cada um ia pro seu mister, tudo conforme as estações e as condições do tempo.
O fim de semana ficava por conta de vencer a ignorância e salvar a alma. Era quando pai cobrava os deveres escolares, e a gente ia pra igrejinha do povoado pra missa dominical.
Deste modo, e ali, naquela casa de adobe, nasci e passei a minha infância. Tudo com muita dificuldade. Mesmo assim, olhando pro passado, diante da falta de quase tudo, vejo que o pouco que tive sempre me pareceu muito. De resto, aprendi que não importava o resto, que era quase tudo. E aquela casinha de taipa, construída num remanso de mata, também tinha nome de felicidade.
Agora, vem você me perguntar se eu tivesse continuado a quebrar cocos, arear as fivelas de arreio pro meu pai, a engraxar sapatos e polir botas lá na vila, se assim eu seria mais ou menos infeliz.
Tal pergunta requer dois tipos de consideração. A primeira vem com o estudo, com os tempos de escola. Veja você que a pergunta é feita no futuro do pretérito. O futuro do pretérito é tão imperfeito... não é pretérito e nem futuro! Sempre condicional, nunca afirmativo! Parece um tempo verbal para mesuras, tempo de rever, não de reter. Ele não retém nada com ele. Tudo escorre por entre os dedos!
A pergunta também fala como se houvesse uma sina, um destino. Ora, destino é destino, a gente decide a cada dia, em cada encruzilhada. O que muitos não atentam é que a escolha de hoje conformará o amanhã. Assim, a agulha puxa a linha e a linha puxa a agulha e a mão dá o ponto.
No crescimento, há as deficiências e os excessos. E muitos não têm a sorte de ver onde cortar e onde crescer.
Qual o tamanho da felicidade? Qual a sua medida?
Ah, essa tal felicidade! Trata-se de miragem ou sonho possível? É ela o objetivo primordial do ser humano? Se for, parece que estamos, a exemplo de Sísifo e em última análise, condenados ao fracasso.
O capitalismo, esse sistema que está aí e dita as regras do jogo, diz que, na essência, tudo pode ser reduzido a números, números, por exemplo, que expressam os valores de um saldo bancário. Pela minha formação e pela minha maneira de ver a vida, creio que as coisas não são bem assim. Mais do que nas conquistas e na posse de bens, a vida se justifica pela realização de sonhos... sonhos de felicidade. Foi assim na minha infância! Foi isso que permitiu ao rio da aldeia de Fernando Pessoa se tornar mais importante do que o Tejo. É isso que me permite dizer também que a vida de pai, José Raimundo, lá de União de Caeté, fez mais sentido e foi mais completa do que a de um banqueiro de Wall Street. Porque não importa o que você faz, mas a maneira como você faz. E o poeta, sapateiro e arreeiro Zé Raimundo – nas horas vagas, escrevedor de discurso, farmacêutico e juiz de paz – sempre temperou sua vida com paixão e amor.
Querendo ir até o limite possível de entendimento, vejo que dois termos, felicidade e liberdade, têm raízes ou radicais diferentes (felic e liber), mas um mesmo sufixo (idade). Para mim, querem dizer: é preciso “líber” para ser “felici”.
Quando se pergunta qual a maior ameaça à felicidade, muitos irão responder: a perda da liberdade. Faz todo sentido. Porque nada incomoda mais o ser humano do que ser ameaçado em sua liberdade. Pior do que isso só a morte. Os presídios estão aí para não me deixarem mentir.
O ser humano nasceu para ser livre; sua história é o relato de todo o seu esforço em romper as amarras que dificultam sua liberdade, a começar pelo corte do cordão umbilical. Deste modo, quanto mais livre, mais feliz uma pessoa pode ser (apesar dos riscos e da “loucura” que a liberdade pode representar). É por isso que, olhando para as pessoas hoje, muitas são profundamente infelizes, seja por permitirem aos outras a posse e o direito de decidir sobre suas vidas, seja por estarem esmagadas ao peso de bens que lhes impedem a leveza para poder voar... ser livre... ser feliz.  
Etelvaldo Vieira de Melo
 
             

ESTRELA DA VIDA INTEIRA

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                                                desoutro de mim
 poeta da Exlândia
vou Star dentro dela
essa pedra infartada
massa informe da  geral
 poesia
Graça Rios


FÁBULA NEBULOSA: O LAVRADOR E A COBRA


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Imagem: tonyaleon.blogspot.com.br

FÁBULA NEBULOSA 30: O LAVRADOR E A COBRA (*)

Já não pode andar sorridente
Aquele pobre lavrador
Que por causa de uma serpente
Vive a chorar de dor.

Seu único filho querido
Andando por trilho descuidado
Foi por uma cobra ferido
Sendo pela morte levado.

Tomado de ódio e de dor
Jura vingança o pai a chorar
E armado de facão
Esconde-se num desvão
Querendo a víbora matar.

Quando esta sai da toca, desfere-lhe a facada
Mas a cobra fica viva, embora mutilada:
Por causa da ansiedade, o gesto não é fatal
Decepando tão somente a cauda do animal.

Depois de tudo, restam medo e insegurança:
- O outro vive, não esqueceu o que lhe fez!
Sendo possível uma cilada, como viver em segurança?
Como estar em paz se o outro pode lhe matar de vez?

Quis o lavrador saber:
- Não é possível uma trégua como solução?
Não dá mesmo pra esquecer?
Falou a serpente: - É difícil o perdão.
Tu lembrarás sempre do filho ao morrer
E eu do meu rabo, que puseste a perder.
Moral:
É sempre muito difícil a convivência de pessoas
que fizeram um ao outro sofrer.
(*) Invento e/ou releitura das Fábulas Universais

Etelvaldo Vieira de Melo

POESIA DE BALA DE GOMA

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            O filósofo Roger Scruton pode ser visto no
youtube falando
            por que a beleza importa  .......                       
            Os poetas de hoje não têm aletheia                                                                                           escrevemos feiúras & descon©sertos ,
                                    mas

                        abrirei asas e zumbirei pela cidade                                                   
                        Cicindela     Paris   Dubai                 
                        mesmo porque não desisto  de/             
                        em filigranas de imagens

                                   sou um texto em desconstrução
Graça Rios
                       


MITO OU VERDADE?

Post - Almoço no Caraça
Imagem: sumidoiro.wordpress.com
Quando me veio (veio do verbo vir) a ideia de falar sobre este tema, enquanto refogava e quase afogava o arroz pro almoço do dia, tive também a clara percepção de que tal tema interessaria pouco, muito pouco, quase nada à maioria de meus eventuais leitores, maioria essa que existe mais no plano de minha imaginação do que na realidade de fato. No entanto, uma terceira ideia me ocorreu: o compromisso que firmei ao longo dos últimos anos foi o de resgatar a verdade dos fatos para análise e entendimento das gerações futuras. Nada é mais mutável do que a História, disse-o Napoleão? Pois que ele veja com quantos paus se faz uma canoa. Estou aqui, no alto de minha insignificância, mostrando que, para fazer a História, é preciso matar o pau e mostrar a cobra!
Outro ponto que corrobora (a língua portuguesa é incrível) minha tese tem a ver não com um possível descrédito para com sua opinião, estimado, iniludível leitor. Prezo-a em profusão (sua opinião), mas prezo ainda mais a verdade. Não foi aquele gregoriano quem disse “Amicus Plato, sed magis amica veritas”? Pois, então, vamos resgatar a verdade pros anais da História.
O tema em questão é: mito ou realidade? – quase havia me esquecido. Especificando: nos meus tempos de adolescência, anos que há muito se passaram, era corrente a versão de que se usava um pozinho em sucos e nos leites (fornecidos, os leites, pela Aliança para o Progresso – acordo de ajuda e de exploração entre Brazil e USA), com o objetivo de reprimir, os pós, a libido dos seminaristas, aqueles estudantes para padres. Todos sabem ou deveriam saber que, na adolescência, há uma explosão hormonal. João Mohama, sexólogo e escritor, dizia que era devido à produção da testosterona. Resumindo: é uma época de pensamentos estranhos, libidinosos (olha o português aí), sonhos eróticos e lençóis molhados (João Mohama esclarece: poluções noturnas).
Afinal, retomando o fio da meada, quase a ponto de arrebentar: usavam-se ou não os famosos pozinhos?
Procurei um amigo da época, ex-seminarista, para prestar o esclarecimento devido. Seu nome, para efeitos legais, permanece anônimo, e não vai ser nenhuma condução coercitiva que me forçará a nomeá-lo. No entanto, para facilitar a narrativa, vamos dizer que ele se chama Antônio Doroteia da Luz.
Doroteia diz que o tal pozinho é mito, boato. Não garante que seja 100% boato, pois considera a possibilidade de que existiu e de que sua data de validade estivesse vencida. Como todo ex-seminarista, não consegue discorrer á vontade sobre esse tema de sexo, fica vermelho feito pimentão maduro e se enrola com as palavras (para preservar a originalidade de sua declaração, vou usar dos recursos gráficos dos três pontinhos (...) e do asterisco (*), quando tiver de usar termos relativos a sexo).
Doroteia garante: - No meu tempo de Seminário, havia muito “troca-troca”, alguns colegas davam mais do que galinhas no cio. Como dormíamos em dormitórios, durante muito tempo, minha cama ficava ao lado da de um colega, Antônio Silvestre, que, toda noite, invariavelmente, se ajeitava sob os lençóis (como se estivesse armando um circo) e batia uma (*). Só faltava mesmo um serviço de alto-falante percorrer as fileiras de camas, anunciando: Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor! Eu ficava muito irritado, pois, querendo dormir, tinha que ouvir durante certo tempo um nhec-nhec-nhec.
            - Bom – falei, procurando dar um desfecho para seu depoimento, sem ter que levar meu amigo pra República de Curitiba, nem querendo abusar em demasia da paciência dos leitores. – Quer dizer, então, que a teoria do pozinho é lenda.
            - Como já falei, não tenho absoluta certeza para afirmar isso. Agora, é preciso considerar que existiam outros tipos de pressão, às vezes, de poder até mais coercitivo.
            - Como assim?
            - Ideias religiosas eram incutidas em nossas mentes, associadas a culpa, pecado, inferno, castigo eterno. Enquanto almoçávamos, talvez tomando sucos com aqueles famosos pozinhos, ouvíamos leituras “edificantes”, leituras que nos deixavam com “a pulga atrás da orelha”, ou estarrecidos, ou sujeitos a pesadelos. Uma das tais leituras dizia que, só pelo pensamento, um homem é capaz de engravidar uma mulher. Estou exagerando, mas o relato dizia que uma determinada mulher se engravidou, estando apenas deitada ao lado de um homem. Eles não tiveram (...). Fiquei pensando: Nossa! Eu não sabia que (*) podia sair voando! Esse danado é perigoso mesmo!
Outra leitura deixou na minha cabeça o sentimento de ser um verme desprezível. Um seminarista lia, enquanto nós outros “forrávamos o estômago”: Um santo mártir estava amarrado num poste, com as mãos às costas e completamente nu. Uma mulher, linda e também completamente nua, foi colocada à sua frente. Enquanto ouvia a narrativa, errei por diversas vezes o garfo em direção à boca; quando acertava, chegava a engasgar, pois engolia sem mastigar. E agora? – pensei, angustiado. – Vai o santo perder a virgindade? Comecei a torcer, vendo a narrativa caminhar perigosamente para a pornografia pura. Que nada! Quando a mulher foi se insinuando em direção ao santo, ele mordeu violentamente a própria língua e cuspiu um pedaço ensanguentado no rosto daquela enviada de Satanás! Ao final da leitura, pude notar em muitos colegas um olhar de beatitude, mas em outros o que havia era indisfarçável sentimento de frustração.
Etelvaldo Vieira de Melo

NEVER MORE

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NEVER MORE

                        Disse o corvo: Nunca mais!
                        Monstro da escuridão e rutilância                       
vem entornar a clâmide dos astros
                        no pergaminho singular da pele
                        panteisticamente dissolvida.
                        Tresloucado amigo,
                        olha:
é necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a consciência. Quando o modelo de vida leva a um esgotamento, torna-se essencial questionar por que política e cidadania não são a mesma coisa, no livro Qual é a Obra? de M. S. C.
Graça Rios


FÁBULA NEBULOSA: A PESTE (VERSÃO ANIMAL)

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FÁBULA NEBULOSA 24: A PESTE (VERSÃO ANIMAL) (*)
Quando a ira dos céus desabou
Foi na forma de uma peste, terrível mal
Fazendo mil estragos por onde passou.

Muitos e muitos animais tiveram destino fatal
Outros se arrastavam em dor
Sob efeito da moléstia ou entorpecidos de pavor.

Para deliberar sobre a questão
De mal tão devastador
Requereu uma assembleia sua majestade o leão.

Disse ele: - Súditos amados
Por um flagelo de Deus estamos sendo açoitados
Certamente por termos cometido uma ofensa ferina.
É urgente que aplaquemos a ira divina.

A princípio, na ideia de jejum por alguns dias pensamos
No entanto, pelo abatimento já jejuando todos estamos.
Depois, ocorreu-nos a proposta de uma confissão geral
Assim, poderemos descobrir o responsável por tamanho mal.

Posto em votação,
o parecer do rei foi aprovado por aclamação.

Prosseguiu o monarca: - Não quero privilégio a mais
Se for o criminoso, com prazer pelo meu povo morrerei.
Confesso que, nas horas de fome, não respeitei a vida dos animais:
da corça, da ovelha e nem mesmo dos humanos.
Se julgueis que são esses os crimes que o céu está clamando
dizei-o francamente que pelo bem de todos me imolarei.

O tigre, o javali e muitos outros aplaudiram:
- Vossa majestade está zombando! – e riam.
Crime, isso que praticou? Nem pecadinho venial seria!
Se comeu ovelhas, veados, pastores, muita honra lhes fazia.

O mesmo aconteceu com cada animal feroz em sua confissão:
em vez de ser condenado, recebia só perdão.

Quando foi a vez do burro falar, ele só pode com voz embargada dizer:
- A única desfeita pela qual peço perdão
Aconteceu certa manhã em que me encontrava sem comer:
Quando vi a pastagem do mosteiro e sua relva verde e orvalhada
Fui incapaz de resistir à tentação.

Todos clamaram, ao ouvir tal confissão:
- Que sacrilégio! Que aberração!
Que cinismo! Que atrevimento!
É por causa deste miserável todo nosso sofrimento.

E o burro foi cumprir a sua sina
sendo imolado à justiça divina.
Moral:
É por isso que burro tem sempre olhar desconfiado; sempre está pensando que pode sobrar para ele.

(*) Invento e/ou leitura/releitura de Fábulas Universais
Etelvaldo Vieira de Melo