FLORES DO MAIS


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 Quem vem aí,
talhando espaços de sombra,
além de qualquer roteiro ?

Moves à feição de quem foge
uma guerra que jamais se acabou.
Adormecem-te a fronte mil pedras agudas
no avesso de tudo.

A noite te desestrela um núbio corvo
e andas náufrago de ti,
à mercê do impossível retorno.
Graça Rios

,

PARECER

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Imagem: misteriosdomundo.org
Parodiando Paulo Leminski, em Pareça e Desapareça
            Parece que foi ontem
Tudo parecia alguma coisa.
            A justiça parecia querer a moralidade.
E o Congresso votava
            Em nome da família e do Brasil. Parecia.
Até parece mentira,
            tudo parecia alguma coisa.
A Força Tarefa querendo varrer a corrupção
            A Imprensa querendo a Verdade
 Uma parcela da população fazendo crer numa coisa
            quando outra coisa queria.
Até o Temer não ser de temer parecia
            - ele que nem uso de misturador de voz fazia!
E o que imenso amor ao país parecia
            Esbarrou no vice-versa e no vide a vida
Onde nada se parece com nada:
            A fita não coincide
com a tragédia encenada.
Etelvaldo Vieira de Melo


ONDE AINDA SE VEEM PEGADAS


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Imagem: youtube.com
Toda cidade é uma saudade de pedra
neste comboio de corda
a que chamam coração

Hoje sou sobrevivente de mim mesmo
com a dualidade de eu para mim

Atento ao que sou e vejo
assisto à passagem dos blocos
sem sentir-me onde estou

A  memória são
conceitos  exdrúxulos
todos os sentidos, exdrúxulos

De tanto ser
nunca vi nem terminei
as cartas ridículas
que jamais escrevi

Dou para uma rua sem rumo
inacessível a qualquer pensamento
Graça Rios



O QUE APARENTA SER PODE SER, MAS NEM SEMPRE É

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Este é um texto limpo, sem misturador de voz.
            Estava achando o Eleutério muito esquisito, de pouca conversa, ele que tinha a língua sempre trelosa. Alguns conhecidos comuns falavam mesmo que ele estava muito arredio, parece que evitando fazer novas amizades. Como o tenho na conta de amigo, pedi-lhe uma explicação. Eleutério apresentou a seguinte desculpa:
            - Sei que não faz diferença eu falar isso, mas, lá em casa, sou eu quem anda latindo no quintal, para economizar energia do cachorro e, assim, gastar menos ração.
            - Mas o que sucede? A recessão bateu à sua porta?
            - Não faz ideia. Sei que não faz diferença dizer, mas me sinto como alguém que está no meio de uma lagoa, com as mãos amarradas às costas. Estou na ponta dos pés, com água até o queixo. Vejo que na margem tem um pé de jaca, com aquelas frutonas maduradas. Se uma delas cair na lagoa vai ser suficiente para me afogar.
            - Nossa! Pelo que você descreve, a situação está mesmo brava. Então, é esse o motivo de andar borocoxô?
            - Como bem disse o poeta Raimundo Correia, as pessoas só enxergam a máscara da face. Fazem juízos superficiais e falsos. Mas falar disso também não faz diferença.
            - Tem algum outro exemplo para ilustrar essa sua tese? – quis saber.
            - Como você sabe – e isso poderia fazer diferença, mas não faz - andei frequentando um curso de redação. Quando faltava à aula, uma colega enviava mensagem, dizendo: “Seu silêncio fez falta”. Eu ficava quase sempre calado durante as aulas, demonstrando atenção para com os colegas. Acontece que o silêncio era por causa de uma perda auditiva que não me deixava entender as falas, e a atenção era para ver se entendia alguma coisa através da leitura labial.
            - Mas essa sua surdez não justifica seu ar de poucos amigos...
            - Mas você não sabe? Não sei se vai fazer alguma diferença, mas o fato é que estou casando minha filha. O número de convidados já está estourando a cota máxima. Daí eu estar me sentindo como que amarrado numa lagoa, até proibido pela família de fazer novas amizades. Isso justifica meu ar arredio e de pouca conversa.
            - Citando Maiakóvski, você já disse que viver é fácil, morrer é difícil, enterrar pode ser difícil.
            - Acrescente, se fizer diferença: casar, hoje em dia, está mais do que difícil.
            - Uma última coisa, Eleutério: por que essa mania de usar expressões como “sei que não faz diferença”, “se fizer diferença”...?
            - Eu sei que não faz diferença; como diria o Chico, o Buarque, nesse país só uma emissora de TV faz a diferença. Acho que peguei esse cacoete ar ler tanta notícia de corrupção. Apesar das denúncias e das provas, fica tudo do mesmo tamanho, quer dizer: não faz diferença. Parece que a “justiça” nesse país só funciona à base de delações e suposições. Não adianta apresentar conversas, telefonemas, gravações e malas abarrotadas de dinheiro. Agora, juntando surdez, falta de dinheiro, corrupção, roubo, safadeza, falta de vergonha na cara, acordos espúrios, justiça seletiva, você quer o quê? Dá pra fazer diferença?
Etelvaldo Vieira de Melo




SE EU TE DISSER QUEM SOU


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Imagem: soucatequista.com.br
            Se eu te disser quem sou,
            sou sempre em frente.
            Este é possivelmente um modo tranquilo de estar.

            Explico melhor:
            sou um fio de voz, um talho de tempo
            na pele muito branca, a pele de nuvem.

            Em palavras fluidas,
 sou os próprios vazios
onde posso caminhar.

(Tudo isso parece castelos de cartas.)

            Me fervem as mãos e me fecham os olhos
            o esmalte descascado,
 o rímel desmanchando
            sobre o blush quase sem cor.

            Dizem ainda que sou muito delicada,
            mas erro a mão quando queimo os bolos.

Graça Rios

FÁBULA NEBULOSA: A MOÇA E SEUS DOIS PRETENDENTES

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Imagem: blogvamosconversar.wixsite.com
FÁBULA NEBULOSA 20: A MOÇA E SEUS DOIS PRETENDENTES (*)

Esta é uma história que se passa num vilarejo chamado Gameleira.
Uma moça, de nome Florbela, estava na idade de se casar. Tinha muitos pretendentes, pois fazia jus ao nome: seus cabelos eram castanhos e encaracolados, seus lábios eram cheios e os olhos, ah, os olhos eram esverdeados, pareciam esconder um mundo de mistérios!
Chegou o dia da escolha do futuro marido, o que deveria ser feito, como se sabe, pelo pai da moça. Numa espécie de reality show, os pretendentes foram sendo eliminados, até que sobraram dois: um rapaz de aparência feia, mas muito rico, vinha de um arraial chamado Fagundes. O outro pretendente era um belo rapaz, mas de família pobre. Sua terra natal se chamava Guarita.
O pai, demonstrando princípios avançados, permitiu que a filha apontasse aquele de sua preferência, mas ela não fez nenhum gesto. Então, o pai segredou-lhe ao ouvido, dizendo que ela poderia segurar um pulso: direito, se o preferido fosse o moço de Fagundes, o rico, mas feio; esquerdo, se fosse o rapaz da Guarita, belo e pobre. Depois de muita indecisão, a menina segurou o pulso esquerdo; passado um tempo, segurou o direito. O pai levou-a até a cozinha.
            - Como assim? – falou, mais preocupado que nervoso. – Você quer se casar com os dois?
            - Não – respondeu a moça toda recatada, mas com um lampejo de malícia nos olhos esverdeados. – Quero almoçar no Fagundes e passar a noite na Guarita.
Moral
Quando possível, é sempre bom juntar o útil ao agradável.
(*) Invento e/ou leitura/releitura de Fábulas Chinesas
Etelvaldo Vieira de Melo


LANDSCAPES

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Imagem: br.pinterest.com


Se abríssemos as pessoas, encontraríamos paisagens,
miragens empurrando morro acima, como Sísifos,
a pedra grande de uma fábula.
Talvez exista isso: o que nunca se cansou de nunca ter chegado.
Por enquanto, tais paisagens se revestem de névoas,
e a noite invade os homens com uma sombra
a tocar no espelho.
Os corpos e os dias se inscrevem nos outdoors,
mas um dia pousarão
em cada fragmento humano
os clarões intactos na superfície da lembrança.
Graça Rios

É A HISTÓRIA UMA SUCESSÃO DE FATOS SUCEDIDOS OU DE MENTIRAS ACERTADAS?

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Imagem: Wikipedia
Nesse vira, mexe e remexe de produção de textos, a gente acaba igual àquelas refeições que preparo em casa. Minha esposa e filha, assim que as chamo para almoçar, se aproximam do fogão, destampam as panelas e, invariavelmente, vêm com o diagnóstico fatídico: “Já te vi”.
Engulo em seco minha vergonha, enquanto penso – em francês, para “dourar a pílula”, amenizar o desconforto -: “C’est La vie!”.
Quando, ao longo de minha produção literária, recorro a muitas citações e casos “já te vi”, bem que poderia buscar uma justificativa naquele humorista de TV que dizia: “Foi sem querer, querendo!”. Seus programas são tão repetidos que até a expressão “já te vi” aparece esmaecida, apagada na mente do telespectador.
Os donos das emissoras, diante de um sucesso, suga-o até o último caldo, como se fosse uma laranja que é deixada no bagaço. Para não contrariar a Lei de Lavoisier de que “nada se perde”, o bagaço é transformado em vídeo, vídeo que irá lhes proporcionar mais alguns dividendos (muitos, se não fosse a sanha assassina dos “piratas”).
Outro “já te vi”, e que vem a propósito, é aquela frase estampada na camiseta de um ex-presidente em suas corridas em torno de sua casa, com os repórteres, esbaforidos, tentando acompanhá-lo: “O tempo é o senhor da razão”. Caso continuasse na presidência por mais tempo, um repórter que, mais tarde, adquiriu certa fama, teria tido um infarto. Estou exagerando, Alexandre?
Esta frase é lembrada a propósito de algo que andei lendo em uma revista antiga. Lá estava escrito que a História é particularmente movimentada, citando uma frase atribuída a Napoleão de que “nada muda mais do que o passado”.
Ao ler esta citação, senti-me reconfortado, eu que nunca fui muito chegado ao estudo de História. O tempo veio me dar razão, quando percebo como fatos e datas passadas são manipulados de acordo com as tendências da moda e do modo de olhar do historiador.
Nunca levei a sério o estudo da História, justamente porque ela me pareceu uma obra de ficção, e não relato de fatos reais. Somado a isso, havia o ojeriza em ter que decorar nomes e datas.
Se Napoleão também considera que a História seja um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um consenso, quero manifestar de público minha reprovação.
Quando entro no terreno lodoso da política (a do Brasil em 2017 está detestável, vergonhosa, de provocar náuseas), faço-o para que futuras gerações (os leitores das “nuvens”) não tenham que lidar com uma mentira a mais, mas se vejam frente a um testemunho singelo, sincero, honesto de quem quer contribuir para uma redefinição da História, não como um somatório de mentiras, mas de verdades – somente verdades, não mais que verdades.
Etelvaldo Vieira de Melo

EXERCÍCIO DE LÍNGUA PÁRIA - OU - AS MÃOS NEGATIVAS

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Imagem: oscabeca.wordpress.com
       
Este sou eu, e não o outro.
Estive aqui e aqui deixei o corpo,
nesta escrita contra o limite.

Codifiquei minha voz neste edifício,
sob a forma de pichação.
Sou aquele que grita:
“Eu existo, por isso aqui me centro.”

Sei que, para você, sou o rei
menos o reino.
 E você também grita:
“Grades, cerquem ele!”

Eu sou aquele que chama:
“Minha memória contra o Nada,
nesta letra contrária ao frio.”

Rasguei o monumento
com a luz negra do desejo.
A mão de sangue ou tinta,
a minha mão,
segue marcando o muro da caverna,
desde trinta mil anos atrás.
Graça Rios

         

FÁBULA NEBULOSA: AMBIÇÃO DESMEDIDA

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FÁBULA NEBULOSA 28: AMBIÇÃO DESMEDIDA (*)

Está o touro tranquilo pastando pela pastagem
Todos podem ver seu tamanho, sua beleza, força, coragem.

Também é visto pela rã, de um pântano na proximidade.
De olhos esbugalhados, quer ela ter tanta qualidade
Ela que é pequena, feia, só sabe pular
Através de artifícios, quer sua aparência mudar.

E, até não mais ser possível, começa a in...char, in...char
Até perguntar às demais rãs, que a cena assistem (boquiabertas):
- E aí, manas, já estou do tamanho do boi. Posso parar?
- Quá! Quá! Quá! – coaxam as outras, a debochar.

A rã faz um esforço redobrado. – E agora? – quer saber preocupada
Ao que as outras riem à bandeira despregada.
Indignada, a pobre coitadadinha,
INCHA-SE TODA
Es--------------ti----------------ca
&
AFROUXA
AFROUXA
&
ac--------------it---------------sE
até que... PUM!!! – arrebenta-se todinha.
Moral:
Quando ouvir perto de mim um PUM!, não pense que é
um foguete estourando.
Na verdade, pode ser alguém que, de inveja, está se arrebentando.
(*) Inventos e/ou releituras de Fábulas Universais

Etelvaldo Vieira de Melo