A MENINA QUE QUERIA TRABALHAR


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Imagem: portoimagem.wordpress.com
Estava no ponto do ônibus, sentado num banquinho de espera, quando se aproximou uma mulher maquiada com exagero e fumando, que logo me perguntou:
- Está esperando o ônibus?
Deu vontade de dizer: - Não, estou esperando o navio, que vai passar daqui a pouco.
- Você paga passagem? – ela adiantou, para me deixar mais aborrecido.
Ante minha recusa, ela explicou:
- Estou indo fazer uma entrevista de emprego. A situação pro meu lado está difícil, desempregada e sem dinheiro até para a passagem.
Sentimentos contraditórios tomaram conta de mim: Fiquei penalizado, tomado daquela compaixão dalaimática; também fiquei ressentido, já que a moça estava muito maquiada e fumando (“Para cigarro e cosméticos, ela arranja dinheiro” – cheguei a pensar).
Prevalecendo o sentimento de compaixão, enfiei a mão no bolso para retirar um trocado. Para minha surpresa, havia esquecido o dinheiro em casa.
- Você desculpa, mas estou vendo que estou sem dinheiro – falei. – Tenho que ir lá em casa buscar.
 Veja você, simples acontecimentos possibilitam grandes reflexões. O fato relatado me proporcionou a seguinte:
- O drama da mulher em questão, correndo atrás de emprego, é um exemplo do caos em que o país está mergulhado: enquanto alastra o desemprego, com a fome batendo à porta de muitos lares, vemos políticos, sem vergonha na cara, carregando malas de dinheiro roubado; magistrados, também sem vergonha na cara, nadando em salários e penduricalhos imorais e ilegais; presidente, desprovido de vergonha na cara, comprando votos de congressistas para não ser cassado. Esse é um quadro deprimente que afronta a nossa vergonha na cara.
Fui até em casa, peguei o dinheiro e voltei para o ponto. A mulher ainda estava lá, disse que o ônibus não havia passado (estaria me esperando?). Dei a metade do valor da passagem, pedindo-lhe para que desse um jeito de conseguir o restante.
Pensa que foi maldade minha? Acho que agi assim porque reprovava o fato dela estar fumando, além de usar uma maquiagem muito carregada.
Quando veio o lotação, a mulher não se levantou, permaneceu sentada no banco. Achei estranho. Aquilo me proporcionou uma derradeira e dramática reflexão:
- Está vendo como você é uma pessoa mesquinha, Eleutério? Por causa de sua sovinice e de seu falso moralismo, alguém está perdendo o emprego. Por que não lhe deu todo o dinheiro da passagem? Não vê que o fato dela estar fumando se deve á sua ansiedade e nervosismo? Não percebe que a maquiagem carregada é para causar boa impressão na entrevista?
Eu sabia, com tanta consideração e reflexão, algum trocado ia sobrar pra mim. Estou com sentimento de culpa: impedi uma menina de conseguir um emprego. É isso que dá ter vergonha na cara. Mas eu não lamento ser assim. Para mim, vergonha na cara é uma qualidade de caráter e que anda fazendo muita falta no Brasil.
Etelvaldo Vieira de Melo


1 comentários:

Anônimo disse...

Essa crônica precisaria ser lida pelos calhordas dos políticos, os primeiros a não terem verhonhs na cara. Não se culpe, cronista, sabe por que? Porque a menina não iria conseguir o emprego, coisa rara nos nossos dias. Parabéns pela qualificação dada à classe desacreditada dos politicos.

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