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Estava
no ponto do ônibus, sentado num banquinho de espera, quando se aproximou uma
mulher maquiada com exagero e fumando, que logo me perguntou:
-
Está esperando o ônibus?
Deu
vontade de dizer: - Não, estou esperando o navio, que vai passar daqui a pouco.
-
Você paga passagem? – ela adiantou, para me deixar mais aborrecido.
Ante
minha recusa, ela explicou:
-
Estou indo fazer uma entrevista de emprego. A situação pro meu lado está
difícil, desempregada e sem dinheiro até para a passagem.
Sentimentos
contraditórios tomaram conta de mim: Fiquei penalizado, tomado daquela
compaixão dalaimática; também fiquei ressentido, já que a moça estava muito
maquiada e fumando (“Para cigarro e cosméticos, ela arranja dinheiro” – cheguei
a pensar).
Prevalecendo
o sentimento de compaixão, enfiei a mão no bolso para retirar um trocado. Para
minha surpresa, havia esquecido o dinheiro em casa.
-
Você desculpa, mas estou vendo que estou sem dinheiro – falei. – Tenho que ir
lá em casa buscar.
Veja você, simples acontecimentos possibilitam
grandes reflexões. O fato relatado me proporcionou a seguinte:
- O
drama da mulher em questão, correndo atrás de emprego, é um exemplo do caos em
que o país está mergulhado: enquanto alastra o desemprego, com a fome batendo à
porta de muitos lares, vemos políticos, sem vergonha na cara, carregando malas
de dinheiro roubado; magistrados, também sem vergonha na cara, nadando em
salários e penduricalhos imorais e ilegais; presidente, desprovido de vergonha
na cara, comprando votos de congressistas para não ser cassado. Esse é um
quadro deprimente que afronta a nossa vergonha na cara.
Fui
até em casa, peguei o dinheiro e voltei para o ponto. A mulher ainda estava lá,
disse que o ônibus não havia passado (estaria me esperando?). Dei a metade do
valor da passagem, pedindo-lhe para que desse um jeito de conseguir o restante.
Pensa
que foi maldade minha? Acho que agi assim porque reprovava o fato dela estar
fumando, além de usar uma maquiagem muito carregada.
Quando
veio o lotação, a mulher não se levantou, permaneceu sentada no banco. Achei
estranho. Aquilo me proporcionou uma derradeira e dramática reflexão:
-
Está vendo como você é uma pessoa mesquinha, Eleutério? Por causa de sua
sovinice e de seu falso moralismo, alguém está perdendo o emprego. Por que não
lhe deu todo o dinheiro da passagem? Não vê que o fato dela estar fumando se
deve á sua ansiedade e nervosismo? Não percebe que a maquiagem carregada é para
causar boa impressão na entrevista?
Eu
sabia, com tanta consideração e reflexão, algum trocado ia sobrar pra mim.
Estou com sentimento de culpa: impedi uma menina de conseguir um emprego. É
isso que dá ter vergonha na cara. Mas eu não lamento ser assim. Para mim,
vergonha na cara é uma qualidade de caráter e que anda fazendo muita falta no Brasil.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Essa crônica precisaria ser lida pelos calhordas dos políticos, os primeiros a não terem verhonhs na cara. Não se culpe, cronista, sabe por que? Porque a menina não iria conseguir o emprego, coisa rara nos nossos dias. Parabéns pela qualificação dada à classe desacreditada dos politicos.
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