SE CANTAR ESPANTA OS MALES, ASSOVIAR PODE BOTAR PRA CORRER

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Imagem: megatnt.com.br
Sofrendo de leve perda auditiva, Eleutério se viu, em determinado momento, compelido por fatores externos e alheios à sua vontade própria a usar um aparelho para surdez.
Já falei sobre isso aqui e volto a repetir: não pense que tal assunto não lhe diz respeito; mais cedo ou mais tarde, ele estará no rol de suas preocupações. Então, quando Inês estiver morta (ou, de maneira mais incisiva: quando a vaca tiver ido pro brejo com chifre e tudo), você talvez se lastime por não ter me dado crédito. Talvez pense com seus botões: - Putz grila! Não é que aquele cara estava com a razão?
Está convencido, agora, cara pálida, da importância do tema? Pois voltemos ao Eleutério.
Quando ele formalizou sua decisão junto ao otorrino/laringo/logista, (estou falando com essa divisão pra não entortar de vez a língua) ele – aquele que se parece com Mr. Magoo e Yoda – deixou claro sua insatisfação:
- Como Pôncio Pilatos, lavo minhas mãos. Depois, quando encostar o aparelho de custo tão elevado, não venha com mi-mi-mi me responsabilizar, dizendo que sou culpado.
Já dissemos que Eleutério debitava sua lerdeza (PFL, retardo mental) na conta da surdez. Decidindo usar o aparelho, pensou:
- Quem sabe agora fico mais esperto, com reflexos afiados! Este é o sonho de minha vida: saber dar respostas inteligentes, rápidas e certeiras, não engolir desaforo.
Mas, no fundo, ele sabia que não tinha jeito, sua lerdeza era congênita, a surdez só acentuava o defeito.
Quando começou a usar o aparelho viu que ele acentuava mesmo eram os sons descartáveis: o tic-tac aborrecido do relógio da cozinha, o barulho irritante da descarga do vaso sanitário, o nhec-nhec da sandália no assoalho de casa. As coisas boas – com o som da TV e as falas das pessoas – ficaram praticamente do mesmo tamanho.
Por esses dias, alguém – que tinha ido até sua casa fazer entrega de uma encomenda – lhe disse:
- Está feliz, hein!
Eleutério estava assoviando.
- Quem assovia assim é porque está cheio de dinheiro ou é um sem vergonha – arrematou o cara.
Ficando vermelho feito pimentão maduro, Eleutério tentou explicar:
- Que nada! Isso que está vendo é um tique-tique nervoso que adquiri.
De fato, a mania de ficar assoviando veio com uso do aparelho auditivo. Nem bem descuidava um pouco, lá estava ele assoviando, geralmente as mesmas músicas, aquelas que eram temas de filmes de bangue-bangue à italiana, como Quando Explode a Violência, Era Uma Vez No Oeste, O Dólar Furado. Parece que o aparelho proporcionava uma acústica, tornando o assovio diferente. Era diferente, mas muito irritante, tanto para ele como para as pessoas ao derredor.
Estando em casa, na cozinha, enquanto refogava um arroz e afogava um legume, ou quando saía à rua ou estava num sacolão fazendo compras, geralmente estava assoviando.
As pessoas se sentiam incomodadas. Como ninguém hoje tem motivos para estar rindo e feliz, despejavam para ele olhares de rancor.
Quando retornou à fonoaudióloga para uma avaliação do aparelho, falou de seu desconforto com o tique nervoso que havia adquirido. A fono quis saber detalhes. Ele mostrou no computador vídeos onde apareciam aquelas músicas de filmes. A moça julgou aquilo interessante.
Na última visita, ela o recebeu na porta do consultório assoviando o tema de O Bom, O Mau E O Feio.
- Vixi! – pensou Eleutério.  – Estou achando que essa doença é contagiosa!
Nota: O vídeo abaixo é uma amostra do acerto do ditado “a assoviar e a coçar só custa começar”. Cuidado, amigo Leiturino, para não pegar a doença.
Etelvaldo Vieira de Melo


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