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Sofrendo de leve perda
auditiva, Eleutério se viu, em determinado momento, compelido por fatores
externos e alheios à sua vontade própria a usar um aparelho para surdez.
Já falei sobre isso
aqui e volto a repetir: não pense que tal assunto não lhe diz respeito; mais
cedo ou mais tarde, ele estará no rol de suas preocupações. Então, quando Inês
estiver morta (ou, de maneira mais incisiva: quando a vaca tiver ido pro brejo
com chifre e tudo), você talvez se lastime por não ter me dado crédito. Talvez
pense com seus botões: - Putz grila! Não é que aquele cara estava com a razão?
Está convencido, agora,
cara pálida, da importância do tema? Pois voltemos ao Eleutério.
Quando ele formalizou
sua decisão junto ao otorrino/laringo/logista, (estou falando com essa divisão
pra não entortar de vez a língua) ele – aquele que se parece com Mr. Magoo e
Yoda – deixou claro sua insatisfação:
- Como Pôncio Pilatos,
lavo minhas mãos. Depois, quando encostar o aparelho de custo tão elevado, não
venha com mi-mi-mi me responsabilizar, dizendo que sou culpado.
Já dissemos que
Eleutério debitava sua lerdeza (PFL, retardo mental) na conta da surdez.
Decidindo usar o aparelho, pensou:
- Quem sabe agora fico
mais esperto, com reflexos afiados! Este é o sonho de minha vida: saber dar
respostas inteligentes, rápidas e certeiras, não engolir desaforo.
Mas, no fundo, ele
sabia que não tinha jeito, sua lerdeza era congênita, a surdez só acentuava o
defeito.
Quando começou a usar o
aparelho viu que ele acentuava mesmo eram os sons descartáveis: o tic-tac
aborrecido do relógio da cozinha, o barulho irritante da descarga do vaso
sanitário, o nhec-nhec da sandália no assoalho de casa. As coisas boas – com o
som da TV e as falas das pessoas – ficaram praticamente do mesmo tamanho.
Por esses dias, alguém
– que tinha ido até sua casa fazer entrega de uma encomenda – lhe disse:
- Está feliz, hein!
Eleutério estava
assoviando.
- Quem assovia assim é
porque está cheio de dinheiro ou é um sem vergonha – arrematou o cara.
Ficando vermelho feito
pimentão maduro, Eleutério tentou explicar:
- Que nada! Isso que
está vendo é um tique-tique nervoso que adquiri.
De fato, a mania de
ficar assoviando veio com uso do aparelho auditivo. Nem bem descuidava um pouco,
lá estava ele assoviando, geralmente as mesmas músicas, aquelas que eram temas
de filmes de bangue-bangue à italiana, como Quando
Explode a Violência, Era Uma Vez No Oeste, O Dólar Furado. Parece que o
aparelho proporcionava uma acústica, tornando o assovio diferente. Era
diferente, mas muito irritante, tanto para ele como para as pessoas ao
derredor.
Estando em casa, na
cozinha, enquanto refogava um arroz e afogava um legume, ou quando saía à rua
ou estava num sacolão fazendo compras, geralmente estava assoviando.
As pessoas se sentiam
incomodadas. Como ninguém hoje tem motivos para estar rindo e feliz, despejavam
para ele olhares de rancor.
Quando retornou à
fonoaudióloga para uma avaliação do aparelho, falou de seu desconforto com o
tique nervoso que havia adquirido. A fono quis saber detalhes. Ele mostrou no
computador vídeos onde apareciam aquelas músicas de filmes. A moça julgou
aquilo interessante.
Na última visita, ela o
recebeu na porta do consultório assoviando o tema de O Bom, O Mau E O Feio.
- Vixi! – pensou
Eleutério. – Estou achando que essa
doença é contagiosa!
Nota: O vídeo abaixo é
uma amostra do acerto do ditado “a assoviar e a coçar só custa começar”.
Cuidado, amigo Leiturino, para não pegar a doença.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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