Quando saíram do Palácio Real, caminharam quase todos felizes em
direção a um restaurante, onde iriam experimentar deliciosos “tapas” regados a
cerveja.
Beliscando ora uma “patalica brava”, ora um “longaniza”, ora um
“montapadico de gueso”, Eleutério falou para Ingenaldo:
- Você ficou de dar uma explicação sobre a história de Carlos III e o
GPS, está lembrado?
- Sim – falou Ingenaldo, ajeitando os óculos de armação azul com a mão
esquerda, enquanto a direita segurava um copo transbordando de cerveja. –
Antes, porém, é preciso fazer um reparo sobre uma declaração do Cinisvaldo,
quando estávamos na sala de armas.
- Eu me lembro – disse Cinisvaldo, com aquele olhar enviesado e sorriso
meio torto próprios de pessoas cínicas. – Cismei que Carlos I e Carlos V eram
personagens diferentes, e que Carlos V era homossexual.
- Você está enganado. Carlos V, enquanto imperador do Sacro Império
Romano-Germânico (a partir de 1519), ou Carlos I, enquanto rei de Espanha (desde
1516), até a abdicação de todos seus títulos em 1556, indo morar num
monastério, onde veio a falecer dois anos depois, nada tinha de homossexual.
Pelo contrário, segundo informes que me foram repassados por JD Vital, o rei
Carlos V, em cujo reino o sol nunca se punha, falava cinco línguas, a saber:
francês com os homens, italiano com as mulheres, inglês com seus soldados,
espanhol com Deus e alemão com seu cavalo. Vital ficou sabendo disso com o
jornalista e escritor italiano Enzo Biagi.
- Estou reparando que você procura dar uma fundamentação histórica para
seus achados, Ingenaldo – falou Genésia Solaris, desanuviando um pouco o
semblante que andava carregado, ninguém sabia por quê. – Parabéns. Agora, conta
pra gente uma correlação que você vê entre esse imperador e alguém da política
brasileira.
- Obrigado, Genésia, pelas palavras de incentivo. Quanto à sua
pergunta, acho que aquele político de voz empolada, chamado de “príncipe dos
sociólogos”, se inspirou em Carlos V na compra de votos para aprovar a emenda
de sua reeleição como presidente da República, em 1997: Carlos V também comprou
os votos (ao custo de 850 mil florins) de sete príncipes alemães para se
efetivar como imperador do Sacro Império Romano-Germânico.
- Acho bom você parar com esse lero-lero e ir logo para a história do
GPS – repreendeu Cinisvaldo.
Em tom professoral, Ingenaldo dissertou:
- A sigla GPS significa Global Psitioning System (Sistema de
Posicionamento Global). Testado pela primeira vez em 1982, começou a operar em
1995 para fins militares. Cinco anos depois foi liberado para uso civil e
passou, desde então, a se constituir ferramenta indispensável para motoristas
do mundo inteiro.
- Isso até eu sei – resmungou Loprefâncio.
- O que você não sabe é que tal invento só foi possível graças a uma
atriz de Hollywood, a austríaca Hedy Lamarr (1913-2000). Foi ela quem criou a
tecnologia-base para o sistema de posicionamento global. Na época, ninguém
levou a sério sua descoberta, talvez por ser mulher e bonita. Ela dizia: “Meu
rosto foi minha ruína”.
- Mas o que Carlos III tem a ver com o GPS? – perguntou, impaciente,
Cinisvaldo.
- A partir do momento em que foi morar no Palácio Real, Carlos III
passou a ter muitos aborrecimentos, chegando a se perder entre tantos quartos
(4.318), normalmente à noite quando tentava sair sorrateiro de seu leito e ia à
cata de aventuras. Por várias vezes errou de quarto; numa delas, quando foi dar
conta, estava abraçando um de seus guarda-costas, um brutamontes que atendia pelo
nome de Tertúlio.
- A situação era realmente grave – ponderou Eleutério.
- Foi aí, depois de umas cinco escapadas infrutíferas, que o rei buscou
o conselho de seu secretário particular, que se chamava Genaro.
“Não tem como inventar um sistema que possa me orientar, especialmente
à noite em minhas escapadas?” – perguntou.
“Um invento eficiente só irá ocorrer daqui a duzentos anos” – ponderou
Genaro. – “Ele será possível quando o homem dominar o espaço, construindo ali
casas que estarão em comunicação com a Terra, através de ondas eletromagnéticas.”
“Não entendi nada de sua explicação” – falou o monarca, demonstrando
impaciência. – “Se não vai ser possível algo perfeito, que pelo menos me
arranje uma gambiarra – ou geringonça, com falam nossos vizinhos lusitanos.”
“Bom, nesse caso vou providenciar um sistema de cabos, ligando seu
quarto às demais dependências do palácio. Quando quiser sair para algum lugar,
me avise com um pouco de antecedência, para que eu mande acionar o dispositivo.
“Existe uma senha para acionar o dispositivo?” – perguntou o rei.
“Pode ser esta:
GPS, que significa Genaro, posso
sair? (em espanhol: Genaro, ¿Puedo Salir?).
- Desta maneira –
concluiu Ingenaldo com um largo sorriso, - podemos dizer que Carlos V, por
conta de suas escapadas noturnas, acabou se tornando precursor de uma das
maiores invenções da humanidade (e das senhas que acabam com nossos neurônios).
Está aí a sigla GPS que não me deixa mentir.
Etelvaldo Vieira de Melo