Se existe algo que o portuga preza acima de tudo, esse algo se chama
“fila”, que era chamada de “bicha”, mas não mais.
Quando foram a um outlet, tida como o maior da Europa, Eleutério e companhia
sentiram na pele como os lusitanos valorizam a instituição.
Numa rápida consideração, podemos dizer que existem diferentes tipos de
fila: existe a “fila indiana”, com a pessoas se posicionando uma atrás da
outra, fungando no seu cangote (esta é a fila clássica, herdada dos índios, que
a inventaram para percorrer as íngremes trilhas nas montanhas); existe a “fila
diagonal”, usada, primeiramente, nas agências bancárias e, depois, nos
terminais dos aeroportos, onde o filante tem a ilusão de que está perto de seu
objetivo (de fazer um tal de check-in), quando, de verdade, está longe; existe
a “fila eletrocardiograma”, com as pessoas se posicionando em forma de ziguezague,
uns curtos, outros longos, em sístoles e diástoles irregulares, próprias de
quem está próximo de ter um ataque cardíaco; existe a “fila brasileira”, onde as pessoas se aglomeram empurrando umas às
outras, às vezes atropelando e até mesmo passando por cima; existe a “fila
milico”, onde os filantes ficam perfilados, enquanto olham para o lado direito
e erguem o braço com a mão apontada para a testa; existe a “fila drogada”, em
que as pessoas ficam sentadas, deitadas ou andando de lá para cá e de cá para
lá; existe, finalmente, a “fila portuguesa”, que não é propriamente uma fila,
mas um sentimento de ordenação e prioridade, que as pessoas, ao se sujeitarem a
uma, devem obedecer.
Será que me expressei adequadamente quanto a essa última? O português,
ao chegar a um ponto de ônibus, por exemplo, e vê três pessoas ali, sabe que
ele é o quarto, não importando onde ele prefira ficar.
Tal percepção de fila, Eleutério observou quando quis usar um
sanitário. Havia um sujeito encostado junto à porta. Eleutério pensou que ele
estivesse ali para bisbilhotar as pessoas (a exemplo de outro caso, em que chegou
a levar uma “cantada”, sendo confundido como turista sexual, e que promete
contar num outro relato). Entrou no recinto. Para sua surpresa, quando um
mictório ficou liberado, o sujeito logo se adiantou para fazer suas
necessidades mictórias.
É preciso considerar, nesta questão da fila, que Portugal sobrevive, em
grande parte, à custa do turismo, sendo visitado por pessoas provenientes de
todas as partes do mundo e condicionadas a toda espécie de fila. Como
consequência, o caos se instala quando os turistas vão pegar o bonde, o comboio
(nosso “trem”), entram num castelo ou museu e até mesmo quando vão comprar um
tal de “pastel de Belém”.
Neste passeio a Portugal, Eleutério experimentou na própria pele essa
dificuldade, enquanto turista, em responder a tal exigência de fila. Por isso,
contando com a ajuda de Cinisvaldo, encaminha ao governo do país uma singela
sugestão: de que uma vídeo-aula seja ministrada nos pontos de ônibus e nas
estações de metrô, orientando os usuários para a necessidade de se organizarem
em fila. Como um cruzamento das filas “indiana” e “milico” parece ser mais
apropriado, ele sugere que o cacique Raoni e um certo capitão Jair sejam os
apresentadores de tal vídeo, explicando como consiste a “fila indilico”.
A apresentação da vídeo-aula poderá ser feita por um candidato a
primeiro-ministro, em eleição a ser realizada agora, dia 6 de outubro. O mote
de sua campanha é bem divertido: “Acorda Portugal! Chega de geringonça!”. (Segundo o Dr. Aurélio, “geringonça” significa
coisa malfeita. Eleutério se dá conta de que corresponde ao nosso querido e
tradicional “trambique”.) (*)
Ao final do vídeo, resgatando o termo originário de “fila”, irão os
três apresentadores perfilar na tal fila “indilico”; depois, dando-se as mãos,
irão dizer a uma só voz:
- Pelo bem do povo e pela felicidade geral da nação portuguesa, vamos
respeitar a “bicha”, nada de furar a “bicha”. Basta de trambique, chega de
geringonça!
(*) Se na política é tudo a mesma coisa, as campanhas em Portugal
parecem mais divertidas. Foi o que observei, anotando alguns slogans: “Fazer
das tripas coração por um Porto nacionalista”; “Continuar calvos”; “Temos
solução para o que não foi feito”; Com Sônia Numão Penedono vai ter gestão”;
“Apostar mais nos miolos e menos nos tijolos”.
Etelvaldo Vieira de Melo
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