Chegamos a Madrid na manhã da segunda-feira, dia 16 de setembro. Às
5:30 já estávamos sentados na sala de embarque do aeroporto, aguardando Genésia
Solaris que estava vindo de Lisboa. Ao meu lado está sentado um rapaz gordinho.
Ele disse, não entendi bem, que é de Santo Domingo. Está voltando para casa,
pois não se adaptou ao clima da Espanha: - Hace
mucho frío aquí, ele disse.
Deusarina Rebelada tem implicado comigo, dizendo que só uso mímica.
Talvez seja o caso de usar agora o portunhol, tentando uma conversa. O rapaz se
mostra receptivo, aliás, até receptivo demais, o que me leva a ter
desconfiança. Às vezes ele se levanta, anda pelo hall, para depois voltar a
sentar no mesmo lugar, perto de mim, sendo que existem muitos outros assentos
vagos. Ele ouve músicas pelo celular; quando vira o aparelho pro meu lado, vejo
que a tela de fundo é uma mulher gorda mostrando a bunda. Acho tudo aquilo
muito estranho, tenho medo de cochilar e o gordinho, esperto, meter a mão na
minha bolsa, roubando o passaporte e o dinheiro. Já pensou? – aí o passeio vai
azedar de vez. Instintivamente, abraço a bolsa, desistindo de qualquer
conversa. Até que o gordo também se cansa de tentar uma aproximação e acaba
indo embora.
Assim que Genésia apareceu, fomos fazer um lanche. Foi quando tomei
conhecimento pela primeira vez de um sistema de cobrança através de uma
máquina, onde você coloca o dinheiro e ela mesma dá o troco. Achei muito legal
aquilo. Pensei: - Breve tal invento chega ao Brasil. Foi também quando comecei
a me familiarizar com o uso de moedas, elas que são tão desprezadas no meu país.
(Percilina, ao contrário, custou a se dar conta de que as moedas na Europa
valem bastante; durante muito tempo, ficou se desfazendo das suas, oferecendo
para os outros acompanhantes, se sentindo incomodada com o peso, até perceber
que seus euros estavam evaporando.)
Assim que chegamos ao apartamento, alugado através de um sistema
chamado Airbnb, tomamos um banho e fizemos uma rápida siesta (hábito muito
difundido na Espanha, que leva o comércio a cerrar suas portas por breves
momentos). Depois rumamos em visita ao Parque do Retiro, um imenso e agradável
jardim, uma das atrações de Madrid. Ali, enquanto tomávamos sorvete, Deusarina
Rebelada foi abordada por uma senhora, querendo porque querendo tirar uma foto
ao seu lado.
- Por favor, déjame tomar una foto a tu lado.
- ¿Pero por qué? – perguntou Deusarina, arranhando o espanhol.
- Porque eres Manoela Torres.
- No no – falou Deusarina. - No soy Manoela Torres.
- No importa – falou a senhora, sorrindo. – Se queda. – Deve ter
pensado: quien no tiene perro cazando con
gato.
Orgulhosa por ter sido confundida com uma cantora célebre, Deusarina
fez pose para a foto. Depois que a senhora deu as costas, foi pesquisar na
Internet quem era essa tal de Manoela Torres. Aí, não se sentiu tão orgulhosa assim:
achou Manoela velha e feia.
Depois do passeio no parque, caminhamos pela cidade. Atravessando uma
rua, onde havia uma feira de livros, imaginei que tive esta conversa com um
livreiro:
- Por favor, ¿tiene el libro “Caminos de la vida: los reflejos y las
estaciones”, o entonces “Friki, Teteo e los otros”: historias de relaciones que
no siempre son amigables con los perros y otros animales”?
- ¿Cuál es el autor? Él pregunta pensativamente.
- El autor se llama Etelvaldo V Melo.
- No, lamentablemente falta.
- Muchas gracias – falo em pensamento, tomado de orgulho.
Passando em frente ao Museo del Prado, fomos sentar numa escadaria
perto da estátua de Goya.
- Estão descuidados – falou Percilina Predillecta. – Vejam o cocô de pombo na cabeça da estátua.
- Estão descuidados – falou Percilina Predillecta. – Vejam o cocô de pombo na cabeça da estátua.
- E eu pensando que fosse por conta do cabelo branco – falei.
Perto dali, numa praça, ficava o imponente prédio da Casa da Moeda,
cenário de uma série de muito sucesso da Netflix, La Casa de Papel. As mulheres
da comitiva - Percilina, Genésia e Deusarina –se deliciaram, tirando fotos e
mais fotos. Genésia era comedida nos cliques, Percilina procurava captar a
estrutura do prédio em seus detalhes, enquanto Deusarina sempre procurava se
colocar em primeiro plano, empostando o sorriso fotográfico, que seria sua marca
nestas e em todas as outras fotografias que iria tirar ao longo do passeio.
Genésia chegou a comentar comigo:
- Veja como Deusarina tem uma pose de artista!
- Também pudera – falei. – Depois de ser confundida com uma celebridade
espanhola, ela vai ficar impossível.
O dia chegava ao final. Para fechar com chave de ouro nosso primeiro
dia de passeio, fomos tomar um vinho e comer uma pizza no Terraza
Cibeles Cocktail Bar. Foi quando eu, monoglota, me lembrei daquela frase latina: “Alea jacta
est”.
- O que significa? – perguntou Genésia Solaris.
- Significa: a sorte está lançada. Estou com uma bruta dor de barriga.
Com a pizza e o vinho, ou melhora, ou tudo desanda de vez.
Suando frio, levantei a taça.
Etelvaldo Vieira de Melo
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