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Eleutério, nas vezes em que tenta entender o sentido da vida, não se
conforma com a teoria de que ela, ao fim e ao cabo, seja tão somente um caminho
entre dois túmulos. Também não chega a considerar como Percilina Predillecta,
sua dileta esposa, que a vida só se justifica, em última análise, pela
procriação, pela perpetuação da espécie. No entanto, há muito ele deixou de
lado a pretensão de encontrar pelos próprios meios uma explicação racional e
definitiva sobre esta questão. Como “quem não tem cão caça com(o) gato”, passou
a prestar atenção nos ditados populares, por entender que são eles fontes de
sabedoria, um extrato daquilo de importante que a humanidade aprende ao longo
do tempo.
Tudo isso está sendo dito aqui porque aconteceu dele se encontrar com o
amigo Ingenaldo, estando esse com olhar triste e distraído.
- Que fisionomia é essa de quem está “pensando na morte da bezerra”? –
perguntou Eleutério.
- Como assim? – quis saber Ingenaldo.
- Ora, esse olhar distante, pensativo, alheio a tudo.
- Isso é por conta de minha sensibilidade. Esta semana, por exemplo,
três fatos me deixaram profundamente triste e pensativo. Primeiro, foi aquela
moradora de rua lá de Niterói, que, aos 31 anos, levou um tiro e morreu, depois
de pedir a um cara 1 real (pra comprar pão, já que estava com muita fome).
Segundo os relatos, o sujeito atirou e saiu andando tran-qui-la-mente, como se
não tivesse feito nada demais. Esse assassinato pode ser contabilizado na conta
daquelas autoridades que estimulam o porte de armas. Como alguém me disse,
“armas e ignorância juntas não podem dar boa coisa” - ignorância de quem tem a
arma e de quem autoriza o seu porte. Depois, teve aquele professor negro que,
ao atravessar uma avenida, é abordado por um indivíduo, chamando-o de “macaco”.
Ao tirar satisfação, é agredido brutalmente, sendo esfaqueado nas costas e no
ombro. Finalmente, tivemos aquele declaração estúpida do ministro da Economia,
ameaçando também ele com a volta da ditadura.
- Realmente, é muita notícia ruim pra uma semana – falou Eleutério.
- Mas de onde vem esse ditado “pensando na morte da bezerra”? – quis
saber Ingenaldo.
- Em minhas pesquisas sobre as origens dos ditados, fiquei sabendo que
este veio da Bíblia. Como é sabido, os hebreus tinham o costume de sacrificar
bezerros para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros,
resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor - que tinha grande carinho
pelo animal - se opôs. Mas em vão. A bezerra foi oferecida a Deus e o garoto
passou o resto da vida sentado ao lado do altar ‘pensando na morte da bezerra’.
Consta que meses depois veio a falecer.
- Você sabe muito bem que este blog odeia visceralmente fake news,
principal responsável pelo Brasil estar do jeito que está – falou Ingenaldo em
tom de repreensão. – Você garante o que está dizendo?
- Bom – falou Eleutério, se engasgando um pouco. - Em 2 Samuel 14.27 está
dito: “Também nasceram a Absalão três filhos e uma filha cujo nome era Tamar”.
Mas 2 Samuel 18.18 declara: “Ora, Absalão, quando ainda vivia, levantara para
si uma coluna, que está no vale do rei, porque dizia: Filho nenhum tenho para
conservar a memória do meu nome; e deu o seu próprio nome à coluna, pelo que
até hoje se chama o Monumento de Absalão”.
- Mas, afinal, ele tinha ou não tinha filho pra validar de vez esse
ditado?
- Os eruditos Keil e Delitzsch salientam, em relação a 2 Samuel 14.27,
o seguinte: “Contrariamente ao uso comum, não são dados os nomes dos filhos. A
razão provável disso não é outra senão o fato de terem morrido na infância.
Consequentemente, visto que Absalão não tinha herdeiros, erigiu seu mausoléu,
ou pilar, a fim de preservar seu nome”. Aparentemente, Absalão teve o desgosto
de perder seus três filhos na infância e sua esposa não lhe deu outros filhos.
Parece que Tamar teria sido a única filha a sobreviver. Desse modo – concluiu Eleutério
- você pode riscar definitivamente esse ditado do rol dos fake news.
- Sendo assim – disse Ingenaldo – você pode dizer que estou, sim, “pensando
na morte da bezerra”. Só espero que os mais apressados não entendam esse sentimento
de tristeza seja mais por conta da queda do Cruzeiro Esporte Clube para a
Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Embora isso tenha a ver
com meu desgosto.
Etelvaldo Vieira de Melo
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