UM SONHO DE NATAL

 

As cores eram tão vívidas que a cena parecia real; por outro lado, o absurdo da imagem fazia crer que aquilo não passava de um sonho.

  Eu passava em frente a uma loja de artigos religiosos. As vitrines estavam decoradas com motivos natalinos. Estranhamente, vi vários produtos colocados à venda.

  Aproximei-me de um funcionário e quis saber o sentido de uma decoração específica: um casal e vários animais em torno de um bebê acomodado numa manjedoura. Tudo levava a crer que o local onde estavam era um curral, um estábulo. Estranhamente, associei aquela imagem com a representação de um Natal, tal como eu conhecia.

  - Por acaso você é um extraterrestre? – quis saber o vendedor, mais irritado que curioso. – Isto que está vendo é um presépio e representa o nascimento Jesus, Deus que veio nos salvar.

  - Como existem vários modelos de presépio, queria saber o preço, já que estão à venda – falei, quase me desculpando.

  - O preço está a partir de R$1.850,00. Em oferta, temos este aqui – disse, apontando um deles – que custa R$6.256,40, mas tem desconto de 30%.

  Ao ouvir aquilo, senti que havia algo muito errado, a começar pela representação do Natal, que não era bem aquela ali exposta. Depois, assustava aquele preço astronômico para algo que não poderia estar à venda.

  Saí logo dali, andando apressado em busca de uma Cápsula do Tempo. Por sorte, havia uma disponível num jardim que ladeava uma igreja, em local bem próximo da loja. Entrei na cabine e digitei a data de mais de dois mil anos atrás, mais o nome da cidade: Belém, localizada na Judeia, na Antiga Palestina.

  Eu sabia quem deveria procurar. Por isso, consciente que estava agindo contra o tempo, vasculhei as estalagens da cidade, quase todas apinhadas de hóspedes, por causa de um censo demográfico ordenado pelo rei Herodes. Não encontrei o casal que procurava.

  Dando um tempo à procura, e querendo me esconder do sol causticante, acerquei-me de um curral que dispunha de coberta. Surpreso, avistei ali o homem e a mulher que eu queria encontrar. Estavam sentados em um monte de feno, aparentando ar de cansaço.

  - Ainda bem que encontrei vocês – fui falando, sem me dar ao trabalho de uma apresentação.

  - O que aconteceu, meu filho? – perguntou o senhor.

  - Aconteceu que estou vindo do tempo futuro, e lá eles desvirtuaram todo o sentido deste momento que vocês estão passando.

- Não estou entendendo...

- No futuro, pessoas maldosas se deram conta de que é conveniente usar o nome de seu filho para enganar e explorar os mais humildes e simples.

- Mas o que podemos fazer? – perguntou o senhor, com voz angustiada.

- A princípio, creio que é melhor vocês irem para uma estalagem.

  - Querido – agora foi a mulher quem falou. Sua voz era suave, apesar do suor que escorria pelo rosto, devido ao cansaço e ao estado avantajado de sua gravidez. - As estalagens da cidade estão praticamente todas tomadas. Só restam as mais caras e não dispomos de dinheiro suficiente para a hospedagem. Chegamos até a pensar em pernoitar aqui mesmo.

  - De forma alguma – falei, quase atropelando as palavras. – Estou trazendo para vocês um dinheiro para que tenham uma boa acomodação. Se vocês fizerem o que pensam, o sentido da História será todo deturpado.

  Enquanto falava, passei às mãos do homem um valor correspondente a R$1.850,00. Depois, ajudei os dois a se levantarem, enquanto colocava em minhas costas os seus pequenos pertences. Caminhamos em direção a uma estalagem de aparência simples e acolhedora.

  Deixei ali os dois, acomodados em um quarto confortável. Depois, eu me encaminhei em direção à Cápsula do Tempo. De longe, ouvi o choro de uma criança. Imaginei a cena: a mulher deitada na cama com a criança nos braços, enquanto que o homem, solícito, passa em seu rosto um pano umedecido.

  Quando cheguei em casa, meu filho já estava dormindo, mas minha esposa me recepcionou com um interrogatório: Onde estava até tarde? O que andava fazendo? Por que aquele aspecto de cansaço?

Eu não sabia como responder. Deixei suas perguntas no ar e fui para o quarto. Nem consegui trocar a roupa, tal a minha fadiga.

  Na manhã seguinte, assim que acordei, vi que minha esposa se dera ao trabalho de trocar minha roupa por um pijama.

  Depois de tomar um reconfortante banho, arrumei-me para sair.

  Meu filho estava brincando lá na marcenaria. Chamei-lhe a atenção para ter cuidado e não se machucar.

  - Pode ficar tranquilo, papai, só vou usar uns toquinhos de madeira para fazer uma casinha – falou ele.

  Minha esposa deixou sua recomendação:

  - José, não se esqueça de trazer os produtos daquela lista que está no seu bolso da calça.

  - Está bem, Maria, não vou me esquecer.

  Chegando ao centro da cidade, não resisti à curiosidade de passar na loja que, aparentemente, havia chamado minha atenção no dia anterior.

  Foi com surpresa que não vi nas vitrines nenhum daqueles presépios. Quando quis saber do vendedor, aquele mesmo que fora ríspido, ele comentou, em tom de brincadeira:

  - Você é um extraterrestre? Não existe presépio. O que damos para as pessoas é esta moldura, relembrando o nascimento do Nosso Senhor. E ela é doada gratuitamente, porque não há preço que possa pagar a esperança que representa.

  Pegando a moldura nas mãos, vi aquela cena que estava viva em minha memória: no mesmo quarto daquela hospedaria, uma mulher com o filhinho nos braços, enquanto o marido, solícito, cuida de passar um pano úmido em seu rosto.

Toda esperança guarda um segredo. O Natal é a revelação do segredo de Deus, dizendo que nos ama, que somos – todos – seus filhos queridos e que, por isso mesmo, devemos viver na justiça e na fraternidade. Que os gestos de solidariedade e acolhida que ocorrem nas comemorações desta data sejam como sementes de bondade, que irão brotar e frutificar ao longo do Ano Novo. Este é o segredo do Natal, a Grande Celebração da Esperança.

Etelvaldo Vieira de Melo

O GAMBITO DO RAPOSÃO


Mar Zurg, Emezê para os íntimos, é um sujeito inteligente e criativo. E esperto. Você pode perceber isso olhando para seu rosto, onde os olhos giram de lá para cá, ora em busca de novidades, ora temendo levar um gambito.

O termo gambito foi aprendido ao assistir a uma série de TV. Como não é usado com frequência, acho melhor explicar seu significado. A etimologia é simples: vem do italiano gambetta, que é o diminutivo de gamba – em português, “perna”. Ou seja: ao pé da letra, “gambito” é um jeito de dizer “perninha”. É um termo usado em xadrez e significa ardil, artimanha, “passar a perna”.

Assim é Emezê: inteligente, inventivo, apreciador de um gambito. Nos últimos tempos, por exemplo, cuidou de fabricar um espelho grandão, muito esquisito. Quando ficou pronto, falou:

- As pessoas, quando olharem para esse espelho, irão ser tomadas pelo sentimento de solidariedade. Isso porque quero contribuir para tornar o mundo melhor.

No entanto, Emezê não disse que iria ficar bisbilhotando escondido, enquanto as pessoas olhavam pro espelho. E mais: que iria vender os direitos de espionar para empresas poderosas e governos corruptos.

Não se sabe se por defeito de fabricação (por ter sido formado em sentido côncavo e não convexo) o certo é que coisas boas e bonitas, ao serem refletidas no espelho, tornavam-se horrorosas e mesquinhas. As cenas mais belas ficavam feias e deformadas, enquanto pessoas agradáveis pareciam cão chupando manga.

As coisas iam de mal para pior, menos para Emezê e seus comparsas (logo, logo, Emezê se tornou uma das maiores fortunas do planeta).  Estragaram de vez quando decidiram levar o espelho ao alto de uma montanha para que pudesse refletir tudo que existe sobre a Terra. Quando chegavam ao destino, um dos carregadores escorregou numa folha seca fazendo com que o imenso espelho caísse e se espatifasse em milhões e milhões de pedaços. A força do vento fez com os fragmentos se espalhassem pelo mundo todo.

E foi então que o espelho causou mais infelicidade do que nunca, pois alguns dos fragmentos eram menores do que um grão de areia. Quando um desses grãos entrava no olho de uma pessoa, ela passava a ver o mundo todo distorcido e feio, só enxergando o que havia de pior nas pessoas e coisas. Quando alguns grãos caíam no coração de alguém, aí o dano era maior ainda, com a pessoa ficando fria como pedra de gelo. Algumas peças eram grandes e podiam ser usadas como vidraça, e as pessoas não conseguiam ver os amigos através delas. Outras peças eram transformadas em óculos, o que era terrível também, pois aqueles que os usavam já nada viam de maneira justa e verdadeira.

E o mundo se tornava cada vez mais sombrio e triste. Amizade e solidariedade parece que foram riscadas dos dicionários. As pessoas cultivavam um estranho prazer em falar mal das outras, espalhando mentira

Tudo chegou a um ponto em que quase ninguém conseguia ver beleza e bondade. Olhando através dos fragmentos de espelho, o que cada um enxergava era a feiura, os defeitos e a ruindade. Até as plantas e os animais, ao se sentirem ameaçados pela gana destrutiva dos humanos, também passaram a responder agressivamente com secas, vendavais e doenças misteriosas.

Alertados para o perigo de uma destruição implacável, os Onze Guardiões da Lei não se entendiam, eles que também tinham grãos do espelho alojados em seus olhos e em seus corações.

Mas o final do ano se aproximava e com ele havia a esperança de que sentimentos bons pudessem ser novamente plantados nos corações dos homens. No entanto, isso só seria possível com a ajuda de Mar Zurg.

Visitando a Terra por causa dos preparativos das festividades de passagem, o velho Nicolau, o Ninico, quis se encontrar com Emezê. Assim, ele falou:

- Você, que disse querer lutar por um mundo melhor, precisa, primeiro, consertar seus erros. Afinal, “quem pariu Mateus que balance”.

- Bah! – falou Emezê, fechando a cara feito jacaré de papo amarelo. Depois, acrescentou, usando seu senso de Lógica: -Você está falando errado. O certo é dizer: “quem pariu mantém e balance”.

- Que seja.  Mas não fuja de suas responsabilidades.

- Está bem. Vou consertar o estrago provocado pelo espelho, invertendo sua polaridade através de um programa. Mas faço um pedido para que as informações fiquem restritas; caso se espalhem aos sete ventos, podem perder a validade ou o alcance.

E Emezê detalhou para Ninico um tanto de informações técnicas. O velhinho ficou coçando sua barba branca tentando entender todo o palavreado estranho. Traduzindo tudo para o jargão popular, teremos:

O software de programa deve ser ativado por comando específico. Quando as pessoas estiverem trocando mensagens através de seus fragmentos de espelho, subliminarmente, no nível inconsciente, o programa irá perguntar:

- O programa N-20 pede autorização para penetrar seu disco rígido e ali fazer alterações.

As senhas “Natal”, “Ano Novo” e “Festas” irão liberar o acesso. Assim que qualquer uma delas for pensada ou pronunciada pelo usuário, o programa começará a operar.

O que o programa irá fazer, basicamente, é eliminar sentimentos negativos de ódio, inveja, difamação, preconceito. Assim, a difamação se converterá em elogio; uma mentira irá se transformar em seu oposto, uma verdade; todos irão se preocupar justamente com a verdade, cada um assumindo seus próprios erros; racismo, homofobia, desprezo pelos mais pobres e desfavorecidos serão todos riscados dos dicionários e dos sentimentos. Enfim, as pessoas deixarão de buscar satisfação e prazer no ódio e na maledicência; o que elas irão querer será a harmonia com seus semelhantes e com a Natureza.

- Ô, ô, ô! – riu Ninico, quase se engasgando de puro contentamento. – É disso que precisamos para o Ano Novo.

Emezê também sorriu, mas seu riso parecia nervoso feito hiena, enquanto os olhos balançavam de lá para cá. E a pergunta que não queria calar era: estava ele sendo sincero ou preparava mais um gambito? O Ano Novo cuidaria de dar uma resposta.

Etelvaldo Vieira de Melo

COBRAS COBRAM COBRA

 

Imagem: YouTube

INTRODUÇÃO

Esperamos durante todo este ano pela chegada do Papai Noel. Pois ele entrou recentemente pelas telhas metamorfoseado numa cobra. Corpo de Bombeiro. Cordas. Equipamento sofisticado. Vizinhos trancafiados nos apês. Gente da rua de baixo amontoada no interfone merexicando notícias. Ela amarela dentro de incerta rede. Descer a loooonga escada - volver!

DESENVOLVIMENTO

- Pobre cobrinha perdida no mundo por aí!

- Maaaãe. Por que não se lembrou do meu terrário?

- Isso, marido. Pererecas e moscas ficariam orgulhosas...

- Gente, esse réptil com certeza veio nadando da floresta amazônica.

- Cachorrão latiu rosnou quebrou telhas no lote vago noite inteira.

- Bem vi que o passeio não foi varrido.

- A vassoura me empurrou pra dentro do lixo.

- Já sonhei com a monstra muitas vezes.

- Estou pesadelando indagora.

- O Jornal da Globo deu antes da zoronga comparecer.

- Tomara que a bococa pegue  covid.

CONCLUSÃO

A autora presente 100 passado ou 1000s futuros relata rápido os fatos, sentindo já 2 furacus na cabeça. KBÔ! KD? KD o surdo Samuuuuu...?

Graça Rios


CONVITE



HISTÓRIAS PROS TEMPOS DE PANDEMIA: UMA LEMBRANÇA QUE DÓI NO CORAÇÃO

Quando falei pro Loprefâncio que acabara de comprar ingressos para ir com minha namorada à apresentação do Cirque du Soleil, ele olhou para mim como se não estivesse me vendo e, com voz trêmula, começou a falar dos tempos de sua infância: 

Nos tempos de antigamente, era comum que circos de picadeiro e de tourada, assim como parques de diversão, fizessem turismo pelas cidadezinhas do interior, onde chegavam se arrastando, tal a penúria de suas condições financeiras. Os circos de picadeiro podiam ser avaliados pela quantidade de remendos em suas lonas. Quando aparecia um com lonas novas, só tal fato era suficiente para que as lotações se esgotassem.

Independentemente da quantidade de furos em suas lonas, a chegada de um circo ou de um parque era sempre motivo de comemoração, diante da perspectiva de algo diferente para uma cidade que vivia jogada às moscas.

Os parques apareciam raramente. Como a entrada era livre, eu era frequentador assíduo e não me cansava de ver apostadores tentando laçar maços de cigarro com argolas, outros tentando acertar tiros ou bolachas. O máximo de emoção acontecia com a Roda Gigante e com gangorras em forma de canoas, onde duas pessoas se revezavam puxando cordas.  Às vezes, um puxava tão alto que passava a sensação de que iria cair lá de cima. O desejo proibido ficava por conta do carrossel, onde eu esgotava toda minha cota de inveja, vendo outros meninos girando em cavalos de faz-de-conta.

Os circos de touradas eram ainda mais raros. Todos fracassavam, pois usavam bois das fazendas da região. Como nenhum tinha uma gota sequer de sangue espanhol, assim que eram colocados na arena, ficavam olhando calmamente para os toureiros e para a plateia. Não havia provocação que os deixasse enraivecidos. O vexame era inevitável.

Quanto aos circos de picadeiro, como bem diz o ditado “em terra de cego, quem tem um olho é diferente”, aquelas pessoas estranhas, desde a chegada, eram vistas com curiosidade e deferência. Sempre havia um rapaz de belas proporções - em geral, um trapezista - a quem todos davam o direito de namoriscar a mocinha mais atraente do lugar.

Quando o circo era de maior envergadura, seus principais artistas desfilavam em caravana pelas principais avenidas da cidade, assim que os mastros fossem fincados e as lonas levantadas, para dizer à população que haveria espetáculo. E lá estava o palhaço e seu acompanhante anão fazendo graça para os meninos; lá estava o rapaz musculoso - certamente um trapezista - a arrancar suspiros das mocinhas; havia também aquela atriz de maiô e aquele atleta de short collant despertando pensamentos sombrios em homens e mulheres; fechando o desfile – que surpresa, que aperto no coração! – vinha um leão enjaulado. Uma emoção indescritível tomava conta das pessoas.

À noite, o som do serviço de alto-falante se espalhava pela cidade, anunciando o espetáculo. “Respeitável público, não perca, em instantes, o início do maior espetáculo que esta cidade já viu. Venha rir com as travessuras dos palhaços Mingau e Fubá, admirar a coragem do Homem Bala, passar pelo suspense do Globo da Morte, emocionar-se com o drama ‘O Céu Uniu os dois Corações’ e muito, muito mais!” E a sirene toca, em desespero, uma, duas, três vezes.

E Loprefâncio completava: Lá de minha casa, eu ouvia tudo aquilo, com o coração doendo e umas lágrimas teimando em descer pela minha face. Eu me recriminava: Por que eu sou tão covarde? Por que não tenho a coragem de um Tonho da Biba, que sempre dá um jeito de entrar por debaixo da lona? Durante muito tempo, eu me sufocava, ouvindo músicas, gritos e risos. Depois, eu me consolava e adormecia com o pensamento de que, daí a uns dias, quando a população da cidade estivesse quase toda depenada, o circo iria promover uma matinê a preços reduzidos e, até lá, quem sabe?

Quando, enfim, o circo deixava a cidade, nós, as crianças, cuidávamos de montar o nosso, geralmente debaixo de um bambuzal que havia no fundo do quintal de casa. Bambus eram utilizados para fazer a armação, enquanto a lona era de folhas das bananeiras. Certamente que tínhamos trapézio e palhaço, mas a atração principal ficava por conta de um primo que conseguia a proeza de deslocar o pescoço, igualzinho ao que fazia a moça do circo verdadeiro. Como eu não tinha nenhuma habilidade artística, ficava cuidando da bilheteria. Os ingressos eram folhas de pés de café. Ainda guardo uma toda ressecada dentro de um livro. Você quer ver, Ingenaldo?

           Etelvaldo Vieira de Melo

VOCÊ DECIDE: FUTEBOL OU HANDEBOL?

 Vale tudo no idioma paralelo denominado futebolês.


POESIA EM TEMPOS DE PANDEMIA



O balão ficou preso

nos galhos da árvore

uma enorme árvore.

Não tem como tirar o balão de lá.

 

O balão é colorido

tem a forma de peixe.

Quando o vento sopra, fica balançando

de cá para lá, de lá para cá.

 

É muito bonito o balão preso

mas não vejo um menino sequer

aos pés da árvore

chorando a perda do balão.

 

Será por quê? – pergunto pra mim mesmo.

 

Talvez, penso depois, porque

os brinquedos hoje

sejam descartáveis

e ninguém se apega de verdade

a um brinquedo.

 

A não ser eu, talvez

que na minha infância (desprotegido)

nunca tive um balão

um balão tão bonito, tão colorido.


Etelvaldo Vieira de Melo


NEM TANTO

 Que Deus dote os mestres de muita paciência...


QUERENDO SER RICO, FAMOSO E AMIGO DE GEORGE CLOONEY

 

Nesses tempos pandêmicos, de repente, não mais que de repente, fui tomado por profunda reflexão. Ei-la:

Na vida, são muitos os momentos em que deixamos de fazer nossa própria vontade. É quando lamentamos as palavras não ditas, quando engolimos desaforos, quando – por ignorância ou fraqueza – deixamos que opiniões alheias prevaleçam sobre as nossas, quando adiamos decisões ou delegamos a outros o poder de decidir por nós.

Muitas dessas frustrações irão nos incomodar ao longo do tempo, frequentemente povoando nossos sonhos e pesadelos.

Mas não dá para ficar lamentando o leite derramado (ou até mesmo a falta de leite). O que importa é ir tocando a vida, não ficar remoendo o passado, lambendo suas feridas.

Tal reflexão me ocorre agora, justo no momento em que duas frustrações teimam em me chatear.

A primeira delas tem a ver com fama e riqueza.

Vivemos numa sociedade onde os valores de fama e riqueza ocupam os primeiros lugares no ranking das preferências. Como desde cedo me dei conta de uma inabilidade inata para brigar por isso, procurei o que no jargão popular é chamado de “dourar a pílula”. Vendo conhecidos e colegas subindo na escala social, eu resmungava:

- Bah! Eles estão procurando “sarna pra coçar”. Como bem diz meu ídolo Buda: “quanto mais coisa você tem, mais terá com o que se preocupar”.

Bem ou mal, tal pensamento me confortou ao longo do tempo, até que cheguei aos dias atuais, quando me vejo tomado de frustração por não ser rico e famoso.

O que me fez desejar ser rico e famoso foi uma razão aparentemente banal: entrar na Justiça com ação contra um desafeto qualquer. Então, eu iria requerer uma indenização por danos morais. Acho chique demais alguém conseguir uma indenização assim. Hoje em dia, parece que todo mundo faz isso. E tem famoso que nem precisa trabalhar: pode perfeitamente viver das ações ganhas na Justiça.

Você pode perguntar: - Mas por que não entra também com uma ação, se é tão normal?

Simplesmente porque “danos morais” é coisa de gente rica e famosa. Gente pobre não tem como sofrer dano moral, já que parece não ter moral. Quando acham que tem, o ressarcimento não irá passar de uma bagatela. Está lembrado daqueles guardas municipais de Dourados, Mato Grosso do Sul?

Ao ser multado por uma irregularidade no trânsito, um motoqueiro, exacerbado, chamou os guardas municipais que o autuaram de “bostas”. Feita a denúncia, o juiz (Caio Martins de Brito) absolveu o acusado, dizendo, entre outras sandices, que acatar a denúncia seria “dar muita relevância para tão pouca coisa”. Além disso, segundo o juiz, chamar alguém de “bosta” pode até ser um elogio.

Esta é minha frustração: ninguém nunca me difamou ao ponto de eu ter que recorrer à Justiça, pedindo indenização por danos morais. Por outro lado, caso isso venha a ocorrer, meu medo maior é o juiz, em sua sentença, dizer que não tenho moral para ser danificada, que sou igual aos guardas de Dourados, que não passo de um “bostinha”.

O segundo desapontamento é recorrente do descrito acima, já que poderia me trazer fama e riqueza.

A leitura de uma notícia de jornal veio despertar um dos maiores arrependimentos que carrego: o de não ter sido amigo de George Clooney. Não que eu seja uma pessoa interesseira, mas fiquei sabendo que Georginho em 2013 reuniu 14 de seus melhores amigos e doou para cada um a ninharia de US$1 milhão.

(Quando li a notícia, quis saber se entre os felizardos estava Max. Quando fui checar, querendo evitar uma fake news, me dei conta de que Max havia falecido em 2006. Para quem não sabe, Max era o porquinho de estimação de George.)

A explicação do galã para seu gesto é simples, servindo de exemplo para tantos outros que não sabem o que fazer com seus bens:

- Estamos envelhecendo. Esses caras sempre me ajudaram. Muitas vezes, dormi em seus sofás quando estava quebrado. Já me emprestaram dinheiro. Pensei: - Se eu fosse atropelado por um ônibus, eles estariam no meu testamento. Então, por que esperar ser atropelado?

Veja você como a vida pode ser cruel: logo agora, estando na curva descendente, tenho que conviver com os sentimentos de frustração por não ser amigo de George Clooney, nem tampouco rico e famoso. Só falta mesmo eu me dar conta de que não passo de uma sucata desprezível e sem moral.

Etelvaldo Vieira de Melo

HAI-KAI, COVID


 

Fase camicase.

Lua na rua,

Covid.
Graça Rios

EL REY DON SEBASTIAN


 
Cata-cacos de lembrança, Graciliano Ramos, em Infância, bem como Proust, refaz o jarro quebrado no espaço-temporal. Também, espedaçadas, parecem-me redescobrir hoje cenas daquele universo. Tampas de refrigerante: brinquedo da Mônica. Malas de correio: ombro/nome do pai. Mãe: lavação de caras. Plantação de tomates: Jaime arroxeando enfartado. Berço de cetim e cerejeira: sono de Regina e Valéria. Irmã Ísis de Carvalho:                         
                         Primeira felicidade/Grupo E. Silviano Brandão                                      Quantas lágrimas derramadas, ao sabê-la pérgula partida em incêndio no C. S. Francisco.    Maria Lamounier: racha-me os bicos no jardim. ‘É assim, bebê, que se põe o babador.’.   E o padre: ‘Cagões de Cláudio atrás da Igreja! ‘Já preparei este fuzil com arroz.                          
Fragmento todos depois da missa.’. 

       Especialmente, graça pequena, vento estoura ex-cachos divos do Tão.                                           

Logo enverga  pro Seminário itapecericano.

O πλοίαρχος της ελληνικής        (Port: Mestre do Grego)

     e rebus sic stantibus         (Port: As coisas sendo assim),

arqueia-se em charadas.

Al-beyrutar, zarqar,  nemaccar, oriyar, mihoniar, shqiperiar, awadhizar, azerbaijar, hauçar,

ganar, sundar, hakkar, pamjabidar, telugar, tamilar, portugugar, otoponizar,

além de etceterar 

                                                        hemû  zim anê  milyaketan

                               (Port: Todas as línguas intr/extr/oxtr/angel/ feéricas.).

                 King Now : Casas no R. Chalé salas avulsas apês motos asaS  cambausas    S     S

                       Edifícils... EdiFácils! Exagera no pé 100 chulé sua Empresa filé Senior.

                                                                      Sistêmico-analítico                                                                                                    

            volta                       aos                       80 MILS mundos

                                                        em -6 minutos.

 Graça Rios

 

 

 

 

 

PROCURANDO SOUNDBAR


Não sei por quê, parte dos brasileiros e (des)governo andam embirrados com a China. A população alega que a China é comunista, que ela espalha o corona vírus para enfraquecer os Estados Unidos e dominar o mundo, com sua vacina fazendo parte do projeto de extermínio da humanidade. Já o (des)governo desempenha seu papel de vassalo dos interesses dos ianques, seguindo a máxima de que os Estados Unidos estão acima de todos e de tudo.

Como penso que não é bem assim, que precisamos cultivar boas relações com a China (não fosse ela o maior parceiro comercial do Brasil), sob o risco de não termos a vacina para nos livrar da covid-19, procuro fazer o possível para amenizar as tensões. Sei que meu propósito é ínfimo, mas penso que, se tivermos um tanto de pequenas ações, o somatório final poderá se tornar algo grandioso.

A parcela da população brasileira que tem ojeriza da China, além da fobia ao comunismo (entendendo por comunismo tudo aquilo que contraria seu interesse), também tem ódio por ela ter socializado os bens de consumo a preços módicos. Como a máxima do Capitalismo é consumo/ostentação, o que fez a China nada mais foi do que tornar vários bens acessíveis à patuleia ignara. (Em outras palavras, penso que não existe nada mais capitalista do que a China comunista.) Talvez esteja aí a razão principal desse preconceito de brasileiros: o que eles experimentam é raiva de ver a pobrada consumindo produtos que eles julgam ser os únicos merecedores.

Antes da pandemia, eu procurava estreitar as relações Brasil X China frequentando os shoppings populares da cidade. Gastando uma merreca aqui e outra acolá, pensava: - Fazendo isso e ficando bom para ambas as partes, China e Brasil, também fica bom para mim.

Com o alastramento da pandemia – e tendo que me sujeitar a um isolamento horizontal, vertical, perpendicular, paralelo e oblíquo – acabei restringindo o consumo ao e-commerce tupiniquim.

Aproximando-se a Black Friday, e tomando conhecimento de um tal 11/11 – Dia do Solteiro, resolvi retomar minha relação afetuosa com a China, contribuindo, assim, para que ela relevasse as baboseiras que conterrâneos e (des)governo falam a seu respeito, liberando de vez a vacina.

Querendo adquirir um aparelho eletrônico, chamado de soundbar ou barra de som – para melhorar o áudio da TV enquanto assisto às minhas séries coreanas – entrei num site chinês famoso. Quase tive um choque anafilático: eram milhares as opções e ofertas. Como sou um brasileiro mediano e que gosta de levar vantagem em tudo, tenho costume da fazer compras usando o processo dedutivo, procurando primeiro ter uma visão do todo para depois ir para as partes. Isso significa: ler as informações técnicas de todos os aparelhos, as avaliações dos consumidores e anotar os diferentes preços.

Meu cérebro começava a entrar em parafuso, quando tive a ideia de fazer uma triagem com base na potência dos aparelhos. Julguei que 40 watts estava razoável. Tal procedimento valeu muito, de modo que logo cheguei a uma resposta satisfatória.

Mas nem tudo estava resolvido: precisava consultar o Dr. Google em busca de orientação para uma compra internacional, já que era neófito no assunto. O Dr. Google, solícito como sempre (preciso me lembrar de comprar um presente de Natal para ele), despejou na tela do computador dezenas, centenas de vídeos que ensinavam o beabá de tal compra. Foi lá que fiquei sabendo: além de converter os míseros reais em prepotentes dólares, tinha também que desembolsar dinheiro para o pagamento do frete, da taxa de importação (60% do valor da compra, incluindo o frete), da taxa de correio (R$18,00) e do ICMS (18% de tudo).

Recorrendo a uma calculadora, made in China, fiz e refiz as contas, chegando à conclusão que não seria desta vez que iria embarcar numa compra direto da China.

Ao fim de tudo, preciso dizer: é por essa e outras que chego à conclusão que nossos (des)governantes não têm amor com a população. Eles são mesquinhos, não querem que outros tenham um mínimo de felicidade.

P.S. Como meu propósito sempre foi, acima de todos e de tudo, contribuir para uma relação harmoniosa entre Brasil e China, penso em enviar uma cópia deste texto para a embaixada chinesa em Brasília. Caso algum leiturino seja expert em mandarim, poderia ajudar na tradução. Aí, tudo ficaria chique demais, tendo valido muito a pena as infindáveis horas que fiquei frente ao computador, tentando comprar um soundbar chinês (ou barra de som) para assistir às minhas séries coreanas favoritas.

Etelvaldo Vieira de Melo 

CARÍCIA ESSSENCIAL

 

COMO PROVA DE AFEIÇÃO

 

Política costuma azedar meu humor. Não por culpa dos políticos propriamente, coitados, mas do sistema que está aí: um pau que já nasceu torto, uma erva ruim, uma tiririca.

Para provar minha discreta simpatia com a classe política, deixo aqui uma série de ditados populares, esperando que eles sirvam de alento para os candidatos que, no dia 15 de novembro, estarão “atravessando o Rubicão”. Como haveria de dizer César, “alea jacta est”: a sorte está lançada. Merda pra eles (na linguagem teatral: boa sorte).

Em ano eleitoral, político pula mais que milho de pipoca em frigideira quente.

Como não existe pessoa mais agradável que um político em véspera de eleição, é preciso considerar que isso lhe custa caro, não só em termos monetários, como no dispêndio de esforço físico, no corre-corre para atender uma agenda com compromissos ultrapassando as 24 horas do dia e tantas coisas mais. Sem considerar a montagem do sorriso 3D, o Óleo de Peroba passado no rosto e o cuidado preventivo para com os calos das mãos, em decorrência dos cumprimentos aos eleitores, não obstante os resguardos necessários por causa do coronavírus.

Condoído com tanto aperto, andei pesquisando ditados populares apropriados ao contexto, procurando ser útil a essa nobre classe, que enobrece, cada vez mais, nossa pátria amada Brasil. Ei-los:

01 – Se é de grão em grão que a galinha enche o papo, lembre-se que, de voto em voto, você poderá, depois, encher os bolsos, cuecas e até apartamentos.

02 – Assim como tanta coisa da política e do judiciário brasileiros, eleição é um jogo de vale tudo, onde os fins justificam os meios. Por isso, não se acanhe em fazer um agradozinho para seus eleitores de cabresto.

03 – Esconda suas reais intenções. Nesse sistema eleitoral que temos, quem vê cara não vê coração. Por isso, capriche no visual, pois eleitores gostam de gente bonita. Invista numa plástica ou num botox.

04 – Em poço que tem piranha, macaco bebe água com canudinho. Eleitor não é piranha, nem macaco; ele é um pobre coitado. Piranhas são seus concorrentes; portanto, cuidado com seu rabo.

05 – Quem tudo quer, tudo perde. Modere sua ambição, pois nem sempre você poderá recorrer a um recurso infringente para livrá-lo da degola.

06 – 07 – 08 – Três em um: Antes do resultado oficial, não pense que as eleições já são favas contadas, pois – com essa tal de urna eletrônica – é preciso colocar as barbas de molho; além disso, prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

09 – Como bem diz a marchinha de carnaval: vai com jeito, se não um dia a casa cai. Dois provérbios a preço de um: Bezerro manso mama na mãe dele e nas dos outros e Quando a carroça anda é que as melancias se ajeitam.

10 – Política se faz com dinheiro e idealismo de mais dinheiro. Quanto à verdade, não se preocupe: Quando o dinheiro fala, a verdade se cala.

11 – Existe um provérbio judeu que diz: Não se aproxime de uma cabra pela frente, de um cavalo por trás ou de um idiota por qualquer dos lados. Tudo bem, quanto ao cavalo e a cabra. Já o idiota, veja se está portando um título de eleitor. Se estiver, pode se aproximar sem susto, com direito a dar-lhe tapinhas nas costas.

Etelvaldo Vieira de Melo