As cores eram tão vívidas que a cena parecia real; por outro lado, o
absurdo da imagem fazia crer que aquilo não passava de um sonho.
Eu passava em frente a uma loja
de artigos religiosos. As vitrines estavam decoradas com motivos natalinos.
Estranhamente, vi vários produtos colocados à venda.
Aproximei-me de um funcionário e
quis saber o sentido de uma decoração específica: um casal e vários animais em
torno de um bebê acomodado numa manjedoura. Tudo levava a crer que o local onde
estavam era um curral, um estábulo. Estranhamente, associei aquela imagem com a
representação de um Natal, tal como eu conhecia.
- Por acaso você é um
extraterrestre? – quis saber o vendedor, mais irritado que curioso. – Isto que
está vendo é um presépio e representa o nascimento Jesus, Deus que veio nos
salvar.
- Como existem vários modelos de
presépio, queria saber o preço, já que estão à venda – falei, quase me
desculpando.
- O preço está a partir de R$1.850,00.
Em oferta, temos este aqui – disse, apontando um deles – que custa R$6.256,40,
mas tem desconto de 30%.
Ao ouvir aquilo, senti que havia
algo muito errado, a começar pela representação do Natal, que não era bem aquela
ali exposta. Depois, assustava aquele preço astronômico para algo que não
poderia estar à venda.
Saí logo dali, andando apressado
em busca de uma Cápsula do Tempo. Por sorte, havia uma disponível num jardim
que ladeava uma igreja, em local bem próximo da loja. Entrei na cabine e
digitei a data de mais de dois mil anos atrás, mais o nome da cidade: Belém,
localizada na Judeia, na Antiga Palestina.
Eu sabia quem deveria procurar.
Por isso, consciente que estava agindo contra o tempo, vasculhei as estalagens
da cidade, quase todas apinhadas de hóspedes, por causa de um censo demográfico
ordenado pelo rei Herodes. Não encontrei o casal que procurava.
Dando um tempo à procura, e
querendo me esconder do sol causticante, acerquei-me de um curral que dispunha
de coberta. Surpreso, avistei ali o homem e a mulher que eu queria encontrar.
Estavam sentados em um monte de feno, aparentando ar de cansaço.
- Ainda bem que encontrei vocês –
fui falando, sem me dar ao trabalho de uma apresentação.
- O que aconteceu, meu filho? –
perguntou o senhor.
- Aconteceu que estou vindo do
tempo futuro, e lá eles desvirtuaram todo o sentido deste momento que vocês
estão passando.
- Não estou entendendo...
- No futuro, pessoas maldosas se deram conta de que é conveniente usar o
nome de seu filho para enganar e explorar os mais humildes e simples.
- Mas o que podemos fazer? – perguntou o senhor, com voz angustiada.
- A princípio, creio que é melhor vocês irem para uma estalagem.
- Querido – agora foi a mulher
quem falou. Sua voz era suave, apesar do suor que escorria pelo rosto, devido
ao cansaço e ao estado avantajado de sua gravidez. - As estalagens da cidade
estão praticamente todas tomadas. Só restam as mais caras e não dispomos de
dinheiro suficiente para a hospedagem. Chegamos até a pensar em pernoitar aqui
mesmo.
- De forma alguma – falei, quase
atropelando as palavras. – Estou trazendo para vocês um dinheiro para que
tenham uma boa acomodação. Se vocês fizerem o que pensam, o sentido da História
será todo deturpado.
Enquanto falava, passei às mãos
do homem um valor correspondente a R$1.850,00. Depois, ajudei os dois a se
levantarem, enquanto colocava em minhas costas os seus pequenos pertences.
Caminhamos em direção a uma estalagem de aparência simples e acolhedora.
Deixei ali os dois, acomodados em
um quarto confortável. Depois, eu me encaminhei em direção à Cápsula do Tempo.
De longe, ouvi o choro de uma criança. Imaginei a cena: a mulher deitada na
cama com a criança nos braços, enquanto que o homem, solícito, passa em seu
rosto um pano umedecido.
Quando cheguei em casa, meu filho
já estava dormindo, mas minha esposa me recepcionou com um interrogatório: Onde
estava até tarde? O que andava fazendo? Por que aquele aspecto de cansaço?
Eu não sabia como responder. Deixei suas perguntas no ar e fui para o
quarto. Nem consegui trocar a roupa, tal a minha fadiga.
Na manhã seguinte, assim que
acordei, vi que minha esposa se dera ao trabalho de trocar minha roupa por um
pijama.
Depois de tomar um reconfortante
banho, arrumei-me para sair.
Meu filho estava brincando lá na
marcenaria. Chamei-lhe a atenção para ter cuidado e não se machucar.
- Pode ficar tranquilo, papai, só
vou usar uns toquinhos de madeira para fazer uma casinha – falou ele.
Minha esposa deixou sua recomendação:
- José, não se esqueça de trazer
os produtos daquela lista que está no seu bolso da calça.
- Está bem, Maria, não vou me
esquecer.
Chegando ao centro da cidade, não
resisti à curiosidade de passar na loja que, aparentemente, havia chamado minha
atenção no dia anterior.
Foi com surpresa que não vi nas
vitrines nenhum daqueles presépios. Quando quis saber do vendedor, aquele mesmo
que fora ríspido, ele comentou, em tom de brincadeira:
- Você é um extraterrestre? Não
existe presépio. O que damos para as pessoas é esta moldura, relembrando o
nascimento do Nosso Senhor. E ela é doada gratuitamente, porque não há preço
que possa pagar a esperança que representa.
Pegando a moldura nas mãos, vi
aquela cena que estava viva em minha memória: no mesmo quarto daquela
hospedaria, uma mulher com o filhinho nos braços, enquanto o marido, solícito,
cuida de passar um pano úmido em seu rosto.
Toda esperança guarda um segredo. O Natal é a revelação do segredo de
Deus, dizendo que nos ama, que somos – todos – seus filhos queridos e que, por
isso mesmo, devemos viver na justiça e na fraternidade. Que os gestos de
solidariedade e acolhida que ocorrem nas comemorações desta data sejam como
sementes de bondade, que irão brotar e frutificar ao longo do Ano Novo. Este é
o segredo do Natal, a Grande Celebração da Esperança.
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