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Assistindo à
apresentação de uma orquestra sinfônica (também chamada filarmônica), um
expectador atento poderá anotar alguns detalhes:
- Verá que ela tem
mais de oitenta músicos, dispostos em cinco classes de instrumentos: # as cordas
(violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, harpas) - # as madeiras
(flautas, flautins, oboés, corne-inglês, clarinetes, clarinete baixo, fagotes,
contrafagotes) - # os metais (trompetes, trombones, trompas, tubas) - # os
instrumentos de percussão (tímpanos, triângulo, caixas, bombo, pratos,
carrilhão sinfônico, etc.) - # os instrumentos de teclas (piano, cravo,
órgão);
- Entre os grupos de
instrumentos e em cada um deles existe uma hierarquia implicitamente aceita;
- O principal dos
primeiros violinos é designado como chefe não só de toda a seção de cordas mas
de toda a orquestra, subordinado apenas ao maestro;
- De acordo com a
peça apresentada, determinado instrumento irá se sobressair, enquanto outros
ficam em segundo plano, sendo que muitos passam quase despercebidos.
- Apesar de
discretos, certos instrumentos não deixam de ter seu valor, somando-se aos
demais e conferindo maior beleza à melodia apresentada.
Penso que a vida em
sociedade poderia ser comparada à apresentação de uma orquestra. Temos também
ali muitos instrumentistas, alguns em destaques, enquanto outros se ocupam de
tarefas aparentemente menores, mas que são importantes, tornando a convivência
social possível.
Os instrumentistas de
uma orquestra se relacionam e dialogam mediante a ação de uma pessoa especial,
o maestro. Sem a intervenção do maestro os músicos podem se perder, desafinando
a melodia, tornando-a desagradável aos ouvidos.
Num regime
presidencialista, a sociedade se constituiria a orquestra com seus diferentes
instrumentos, enquanto o presidente da República seria o regente.
O que se espera de um
regente de orquestra? Que entenda de música, evidentemente. Também é preciso
que tenha sensibilidade e competência para fazer com que cada instrumentista
execute seu papel da melhor maneira possível.
Numa república, o que
se espera de seu presidente é que tenha competência e habilidade para exercer
seu papel. Ou seja, é preciso que ele seja vocacionado para tal função.
Numa orquestra, um
trompetista, por exemplo, não pode – sem mais, sem menos – querer ocupar a
função de maestro. Ali, o que cabe a ele é tocar da melhor maneira o seu
instrumento. Da mesma maneira, em sociedade, para que ela seja harmoniosa, é
preciso que cada um de seus membros exerça bem suas funções. Assim, temos um
comerciante tocando o seu comércio, um médico exercendo a medicina, um general
de exército cumprindo as tarefas próprias. A sociedade entra em desequilíbrio
quando alguém extrapola suas funções e passa a exercer aquela para a qual não
tem competência (por exemplo, um advogado querer atuar como engenheiro). Na
política, quando alguém inapropriado assume uma presidência da República,
então, o perigo de caos é bem maior.
Veja o relato abaixo
para entender melhor a dramaticidade do que estou considerando:
QUANDO
O RABO QUIS SER CABEÇA
Certa
vez, a cauda de uma cobra cismou que ela é quem deveria conduzir o ofídio, em
vez de ser a cabeça. Ela se sentia cansada de ser jogada de cá para lá e de lá
para cá, sem poder decidir pra onde ir.
Às vezes, estava se deslocando tranquila em reta quando, num repente,
era empurrada para a esquerda; em outras, fazia bonito uma curva à direita e,
sem mais e sem menos, era puxada pro centro. – Assim não dá – ela pensou; já
não aguento mais! – Os outros membros disseram que seu desejo era uma
temeridade: por acaso tinha ela cabeça e olhos? tinha como se colocar à frente?
Não houve meios de convencê-la, e o bom senso foi derrotado. Assim, assumiu a
cauda o comando, passando a dirigir o corpo inteiro. Às cegas, foram trombando
em tudo, até que acabaram caindo num precipício coberto de espinhos. A cobra
foi toda ferida, enquanto os membros lamentavam: - É isso que dá a gente se
deixar conduzir por um rabo!
Jair Messias Bolsonaro,
em 5 de abril de 2019, fez esta declaração: “Desculpem
as caneladas, não nasci para ser presidente, nasci para ser militar. Mas, no
momento, estou nesta condição de presidente... Não tenho qualquer ambição, não
me sobe à cabeça o fato de ser presidente. Eu me pergunto, olho pra Deus e
pergunto: Meu Deus, o que eu fiz para merecer isso? É só problema”.
Coitado! Para
resolver essa embrulhada, a solução até que é simples: é só ele voltar a tocar
sua tuba no coreto do jardim, deixando de lado sua pretensão de ser maestro; basta
ele deixar de ser cabeça e voltar para a sua condição de rabo.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
No Tião, que belo e verdadeiro texto, explica bem o momento que estamos vivendo. O rabo quer ser cabeça, o ignorante quer ser maestro fazendo o Brasil desafinar em um momento em que a orquestra precisa tocar em uníssono.
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