QUERENDO SER RICO, FAMOSO E AMIGO DE GEORGE CLOONEY

 

Nesses tempos pandêmicos, de repente, não mais que de repente, fui tomado por profunda reflexão. Ei-la:

Na vida, são muitos os momentos em que deixamos de fazer nossa própria vontade. É quando lamentamos as palavras não ditas, quando engolimos desaforos, quando – por ignorância ou fraqueza – deixamos que opiniões alheias prevaleçam sobre as nossas, quando adiamos decisões ou delegamos a outros o poder de decidir por nós.

Muitas dessas frustrações irão nos incomodar ao longo do tempo, frequentemente povoando nossos sonhos e pesadelos.

Mas não dá para ficar lamentando o leite derramado (ou até mesmo a falta de leite). O que importa é ir tocando a vida, não ficar remoendo o passado, lambendo suas feridas.

Tal reflexão me ocorre agora, justo no momento em que duas frustrações teimam em me chatear.

A primeira delas tem a ver com fama e riqueza.

Vivemos numa sociedade onde os valores de fama e riqueza ocupam os primeiros lugares no ranking das preferências. Como desde cedo me dei conta de uma inabilidade inata para brigar por isso, procurei o que no jargão popular é chamado de “dourar a pílula”. Vendo conhecidos e colegas subindo na escala social, eu resmungava:

- Bah! Eles estão procurando “sarna pra coçar”. Como bem diz meu ídolo Buda: “quanto mais coisa você tem, mais terá com o que se preocupar”.

Bem ou mal, tal pensamento me confortou ao longo do tempo, até que cheguei aos dias atuais, quando me vejo tomado de frustração por não ser rico e famoso.

O que me fez desejar ser rico e famoso foi uma razão aparentemente banal: entrar na Justiça com ação contra um desafeto qualquer. Então, eu iria requerer uma indenização por danos morais. Acho chique demais alguém conseguir uma indenização assim. Hoje em dia, parece que todo mundo faz isso. E tem famoso que nem precisa trabalhar: pode perfeitamente viver das ações ganhas na Justiça.

Você pode perguntar: - Mas por que não entra também com uma ação, se é tão normal?

Simplesmente porque “danos morais” é coisa de gente rica e famosa. Gente pobre não tem como sofrer dano moral, já que parece não ter moral. Quando acham que tem, o ressarcimento não irá passar de uma bagatela. Está lembrado daqueles guardas municipais de Dourados, Mato Grosso do Sul?

Ao ser multado por uma irregularidade no trânsito, um motoqueiro, exacerbado, chamou os guardas municipais que o autuaram de “bostas”. Feita a denúncia, o juiz (Caio Martins de Brito) absolveu o acusado, dizendo, entre outras sandices, que acatar a denúncia seria “dar muita relevância para tão pouca coisa”. Além disso, segundo o juiz, chamar alguém de “bosta” pode até ser um elogio.

Esta é minha frustração: ninguém nunca me difamou ao ponto de eu ter que recorrer à Justiça, pedindo indenização por danos morais. Por outro lado, caso isso venha a ocorrer, meu medo maior é o juiz, em sua sentença, dizer que não tenho moral para ser danificada, que sou igual aos guardas de Dourados, que não passo de um “bostinha”.

O segundo desapontamento é recorrente do descrito acima, já que poderia me trazer fama e riqueza.

A leitura de uma notícia de jornal veio despertar um dos maiores arrependimentos que carrego: o de não ter sido amigo de George Clooney. Não que eu seja uma pessoa interesseira, mas fiquei sabendo que Georginho em 2013 reuniu 14 de seus melhores amigos e doou para cada um a ninharia de US$1 milhão.

(Quando li a notícia, quis saber se entre os felizardos estava Max. Quando fui checar, querendo evitar uma fake news, me dei conta de que Max havia falecido em 2006. Para quem não sabe, Max era o porquinho de estimação de George.)

A explicação do galã para seu gesto é simples, servindo de exemplo para tantos outros que não sabem o que fazer com seus bens:

- Estamos envelhecendo. Esses caras sempre me ajudaram. Muitas vezes, dormi em seus sofás quando estava quebrado. Já me emprestaram dinheiro. Pensei: - Se eu fosse atropelado por um ônibus, eles estariam no meu testamento. Então, por que esperar ser atropelado?

Veja você como a vida pode ser cruel: logo agora, estando na curva descendente, tenho que conviver com os sentimentos de frustração por não ser amigo de George Clooney, nem tampouco rico e famoso. Só falta mesmo eu me dar conta de que não passo de uma sucata desprezível e sem moral.

Etelvaldo Vieira de Melo

HAI-KAI, COVID


 

Fase camicase.

Lua na rua,

Covid.
Graça Rios

EL REY DON SEBASTIAN


 
Cata-cacos de lembrança, Graciliano Ramos, em Infância, bem como Proust, refaz o jarro quebrado no espaço-temporal. Também, espedaçadas, parecem-me redescobrir hoje cenas daquele universo. Tampas de refrigerante: brinquedo da Mônica. Malas de correio: ombro/nome do pai. Mãe: lavação de caras. Plantação de tomates: Jaime arroxeando enfartado. Berço de cetim e cerejeira: sono de Regina e Valéria. Irmã Ísis de Carvalho:                         
                         Primeira felicidade/Grupo E. Silviano Brandão                                      Quantas lágrimas derramadas, ao sabê-la pérgula partida em incêndio no C. S. Francisco.    Maria Lamounier: racha-me os bicos no jardim. ‘É assim, bebê, que se põe o babador.’.   E o padre: ‘Cagões de Cláudio atrás da Igreja! ‘Já preparei este fuzil com arroz.                          
Fragmento todos depois da missa.’. 

       Especialmente, graça pequena, vento estoura ex-cachos divos do Tão.                                           

Logo enverga  pro Seminário itapecericano.

O πλοίαρχος της ελληνικής        (Port: Mestre do Grego)

     e rebus sic stantibus         (Port: As coisas sendo assim),

arqueia-se em charadas.

Al-beyrutar, zarqar,  nemaccar, oriyar, mihoniar, shqiperiar, awadhizar, azerbaijar, hauçar,

ganar, sundar, hakkar, pamjabidar, telugar, tamilar, portugugar, otoponizar,

além de etceterar 

                                                        hemû  zim anê  milyaketan

                               (Port: Todas as línguas intr/extr/oxtr/angel/ feéricas.).

                 King Now : Casas no R. Chalé salas avulsas apês motos asaS  cambausas    S     S

                       Edifícils... EdiFácils! Exagera no pé 100 chulé sua Empresa filé Senior.

                                                                      Sistêmico-analítico                                                                                                    

            volta                       aos                       80 MILS mundos

                                                        em -6 minutos.

 Graça Rios

 

 

 

 

 

PROCURANDO SOUNDBAR


Não sei por quê, parte dos brasileiros e (des)governo andam embirrados com a China. A população alega que a China é comunista, que ela espalha o corona vírus para enfraquecer os Estados Unidos e dominar o mundo, com sua vacina fazendo parte do projeto de extermínio da humanidade. Já o (des)governo desempenha seu papel de vassalo dos interesses dos ianques, seguindo a máxima de que os Estados Unidos estão acima de todos e de tudo.

Como penso que não é bem assim, que precisamos cultivar boas relações com a China (não fosse ela o maior parceiro comercial do Brasil), sob o risco de não termos a vacina para nos livrar da covid-19, procuro fazer o possível para amenizar as tensões. Sei que meu propósito é ínfimo, mas penso que, se tivermos um tanto de pequenas ações, o somatório final poderá se tornar algo grandioso.

A parcela da população brasileira que tem ojeriza da China, além da fobia ao comunismo (entendendo por comunismo tudo aquilo que contraria seu interesse), também tem ódio por ela ter socializado os bens de consumo a preços módicos. Como a máxima do Capitalismo é consumo/ostentação, o que fez a China nada mais foi do que tornar vários bens acessíveis à patuleia ignara. (Em outras palavras, penso que não existe nada mais capitalista do que a China comunista.) Talvez esteja aí a razão principal desse preconceito de brasileiros: o que eles experimentam é raiva de ver a pobrada consumindo produtos que eles julgam ser os únicos merecedores.

Antes da pandemia, eu procurava estreitar as relações Brasil X China frequentando os shoppings populares da cidade. Gastando uma merreca aqui e outra acolá, pensava: - Fazendo isso e ficando bom para ambas as partes, China e Brasil, também fica bom para mim.

Com o alastramento da pandemia – e tendo que me sujeitar a um isolamento horizontal, vertical, perpendicular, paralelo e oblíquo – acabei restringindo o consumo ao e-commerce tupiniquim.

Aproximando-se a Black Friday, e tomando conhecimento de um tal 11/11 – Dia do Solteiro, resolvi retomar minha relação afetuosa com a China, contribuindo, assim, para que ela relevasse as baboseiras que conterrâneos e (des)governo falam a seu respeito, liberando de vez a vacina.

Querendo adquirir um aparelho eletrônico, chamado de soundbar ou barra de som – para melhorar o áudio da TV enquanto assisto às minhas séries coreanas – entrei num site chinês famoso. Quase tive um choque anafilático: eram milhares as opções e ofertas. Como sou um brasileiro mediano e que gosta de levar vantagem em tudo, tenho costume da fazer compras usando o processo dedutivo, procurando primeiro ter uma visão do todo para depois ir para as partes. Isso significa: ler as informações técnicas de todos os aparelhos, as avaliações dos consumidores e anotar os diferentes preços.

Meu cérebro começava a entrar em parafuso, quando tive a ideia de fazer uma triagem com base na potência dos aparelhos. Julguei que 40 watts estava razoável. Tal procedimento valeu muito, de modo que logo cheguei a uma resposta satisfatória.

Mas nem tudo estava resolvido: precisava consultar o Dr. Google em busca de orientação para uma compra internacional, já que era neófito no assunto. O Dr. Google, solícito como sempre (preciso me lembrar de comprar um presente de Natal para ele), despejou na tela do computador dezenas, centenas de vídeos que ensinavam o beabá de tal compra. Foi lá que fiquei sabendo: além de converter os míseros reais em prepotentes dólares, tinha também que desembolsar dinheiro para o pagamento do frete, da taxa de importação (60% do valor da compra, incluindo o frete), da taxa de correio (R$18,00) e do ICMS (18% de tudo).

Recorrendo a uma calculadora, made in China, fiz e refiz as contas, chegando à conclusão que não seria desta vez que iria embarcar numa compra direto da China.

Ao fim de tudo, preciso dizer: é por essa e outras que chego à conclusão que nossos (des)governantes não têm amor com a população. Eles são mesquinhos, não querem que outros tenham um mínimo de felicidade.

P.S. Como meu propósito sempre foi, acima de todos e de tudo, contribuir para uma relação harmoniosa entre Brasil e China, penso em enviar uma cópia deste texto para a embaixada chinesa em Brasília. Caso algum leiturino seja expert em mandarim, poderia ajudar na tradução. Aí, tudo ficaria chique demais, tendo valido muito a pena as infindáveis horas que fiquei frente ao computador, tentando comprar um soundbar chinês (ou barra de som) para assistir às minhas séries coreanas favoritas.

Etelvaldo Vieira de Melo 

CARÍCIA ESSSENCIAL

 

COMO PROVA DE AFEIÇÃO

 

Política costuma azedar meu humor. Não por culpa dos políticos propriamente, coitados, mas do sistema que está aí: um pau que já nasceu torto, uma erva ruim, uma tiririca.

Para provar minha discreta simpatia com a classe política, deixo aqui uma série de ditados populares, esperando que eles sirvam de alento para os candidatos que, no dia 15 de novembro, estarão “atravessando o Rubicão”. Como haveria de dizer César, “alea jacta est”: a sorte está lançada. Merda pra eles (na linguagem teatral: boa sorte).

Em ano eleitoral, político pula mais que milho de pipoca em frigideira quente.

Como não existe pessoa mais agradável que um político em véspera de eleição, é preciso considerar que isso lhe custa caro, não só em termos monetários, como no dispêndio de esforço físico, no corre-corre para atender uma agenda com compromissos ultrapassando as 24 horas do dia e tantas coisas mais. Sem considerar a montagem do sorriso 3D, o Óleo de Peroba passado no rosto e o cuidado preventivo para com os calos das mãos, em decorrência dos cumprimentos aos eleitores, não obstante os resguardos necessários por causa do coronavírus.

Condoído com tanto aperto, andei pesquisando ditados populares apropriados ao contexto, procurando ser útil a essa nobre classe, que enobrece, cada vez mais, nossa pátria amada Brasil. Ei-los:

01 – Se é de grão em grão que a galinha enche o papo, lembre-se que, de voto em voto, você poderá, depois, encher os bolsos, cuecas e até apartamentos.

02 – Assim como tanta coisa da política e do judiciário brasileiros, eleição é um jogo de vale tudo, onde os fins justificam os meios. Por isso, não se acanhe em fazer um agradozinho para seus eleitores de cabresto.

03 – Esconda suas reais intenções. Nesse sistema eleitoral que temos, quem vê cara não vê coração. Por isso, capriche no visual, pois eleitores gostam de gente bonita. Invista numa plástica ou num botox.

04 – Em poço que tem piranha, macaco bebe água com canudinho. Eleitor não é piranha, nem macaco; ele é um pobre coitado. Piranhas são seus concorrentes; portanto, cuidado com seu rabo.

05 – Quem tudo quer, tudo perde. Modere sua ambição, pois nem sempre você poderá recorrer a um recurso infringente para livrá-lo da degola.

06 – 07 – 08 – Três em um: Antes do resultado oficial, não pense que as eleições já são favas contadas, pois – com essa tal de urna eletrônica – é preciso colocar as barbas de molho; além disso, prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

09 – Como bem diz a marchinha de carnaval: vai com jeito, se não um dia a casa cai. Dois provérbios a preço de um: Bezerro manso mama na mãe dele e nas dos outros e Quando a carroça anda é que as melancias se ajeitam.

10 – Política se faz com dinheiro e idealismo de mais dinheiro. Quanto à verdade, não se preocupe: Quando o dinheiro fala, a verdade se cala.

11 – Existe um provérbio judeu que diz: Não se aproxime de uma cabra pela frente, de um cavalo por trás ou de um idiota por qualquer dos lados. Tudo bem, quanto ao cavalo e a cabra. Já o idiota, veja se está portando um título de eleitor. Se estiver, pode se aproximar sem susto, com direito a dar-lhe tapinhas nas costas.

Etelvaldo Vieira de Melo

SONATA DE OUTONO (2ª PARTE)

 

 MONITA + 6

Regina Ângela, minha irmã, surge estrelada em maio/14/ mês das flores.

Molhada fralda, mamãe a troca. Exausta? Nada. Aleita junto à criança farto desejo de lhe ensinar receita de bolo. Comida bem feita. Limpeza dos tacos a escovão. Reclama? Nem se queixa frente aos árduos serviços domiciliares. Rodos. Vassouras. Jogos de cama e mesa. Tudo gira cá pra lá, lá pra cá. Batiza-a nossa Carmense Igreja Católica. Depois, comunga. Catecisma. Pergunto: Por que nomes nossos trocados? Maria, eu. Ela, Regina.  Ah, sim! Rainhas vêm ao mundo com semelhantes anjos.

Todos a amam? Quantos lírios contados? 8. Brinco de bondade, altruísmo, inteligência. Papai nela se inspira ao compor e tocar delicadas harmoniosas valsas para violino e flauta. S. Rios Jr. torna-se o melhor amigo-confidente. Jaimico, partido mano, feliz a conduz entre jardins/ jasmins/ sol nascente. Eu leio, berçando, O Livro de Lili: ‘Olhem para mim. Sou a graça da titia’.   

Promove, 10/Vespasiano, inéditos shows com palhaços, malabaristas, bailarinas. Para quê? Quer anunciar: ‘Estimado público, eis aqui a deliciosa Papa-Fina do Tão’. Durante os espetáculos, recolhe nomes: Senhor vendedor local ou d’acolá? À tarde, carrega sobre os ombros vermelhos enormes pacotes de pipoca. Deles, lota vendas. Botecos. Armazéns.

Estuda? Claro, leitor. Faz bonito? Mire azul no Boletim/Grupo Escolar. Aos sábados? Fim de semana, desfila sereia bela pela passarela/ Funil Esporte Clube. Quem enfeita suas botas e capas aveludadas no Carnaval? Ora, ora bolas, eu! Afã de colar robertos carlos. Desenhos. Lãs. Elãs.   Contemplo-a dentro do espelho. Sobe escadinhas até o degrau enfeitado/caminhão dirigido por tiPedro. Guarde imagens, frágil memória! Descreva-a, musa pré-adolescente. Saiote laranja. Máscara acetinada. Batom e blush rosados. E daí e daí? Súbito, lança-nos à cabeça mil marchinhas à la L. Babo. Confete. Purpurina. Beijos.

Deixo sobrescrito este enaltecimento:

Filhos. Parentes. Amigos. Colegas. Honrem-na pelo firme caráter. Formosura sem par. Completa humanidade. Foi assim às 16 primaveras? Óbvio, voz em off. Voa no ar   florido buquê. Alvas camélias. Cravos. Miosótis. A senhora escritora pede vênia? Por favor. Saboreie comigo, coautor, um caixote inteiro de dourados biscoitinhos, cartões, risos, canarinhas palavras.

Quem o fez? Quem o trouxe?

Graça Rios

JOGUE NESTE TIME

Cada ação a seu tempo, com as ferramentas mais adequadas.



NOVEMBRO DE COLORIDOS SUTIS


 O mês de novembro está aí, cheio de promessas, olha só. Dia 15, a população vai exercitar seu dever cívico em eleições municipais, escolhendo novos políticos para um velho sistema e tudo continuar na mesmice de sempre. Dia 27 é a vez da celebração do Dia do Consumismo, também chamado Black Friday ou Black Fraude. Meus dedos já coçam com vontade de gastar e, consequentemente, ser feliz.

Este mês também é chamado “Novembro Azul”, com campanhas de prevenção do câncer de próstata espocando através dos veículos de comunicação.

Sendo assim, nada mais natural do que recorrer ao tema em dose dupla, antecipando minha Black Fraude. O primeiro texto analisa uma visita ao urologista do ponto de vista filosófico, mostrando como na vida tudo é relativo. Já o segundo texto tal visita é analisada do ponto de vista da Física. Creio estar apresentando uma ótima sugestão para os representantes do sexo masculino não se intimidarem com o toque retal. Através de uma técnica simples, eles vão passar pela experiência sorrindo, na mais pura abstração.

TUDO É RELATIVO, ATÉ O PRONOME RELATIVO

Hoje estou vivenciando uma situação que mostra a relatividade das coisas. Palavras mal ditas podem tornar um momento maldito, enquanto que, em outras circunstâncias, essas mesmas palavras podem ser aceitáveis.

Será isso que estaria querendo dizer Einstein com sua famosa Teoria da Relatividade? Se for, estarei fazendo fenomenal descoberta, ainda que ao cruzar o Cabo das Tormentas! Se não, caso o tema exija cálculos e teorias da Física, sendo assim, deixa pra lá, que já não disponho de neurônios suficientes para tais elucubrações.

Do que foi dito, depreende-se a necessidade de que tudo na vida deva ser contextualizado.

Exemplos:

Na Idade Média, era sinal de devoção a Deus uma pessoa ficar sem tomar banho, coberta de sujeira. Chegava às raias da santidade ser infestada por piolhos.

Ser comedido às refeições é sinal de boa educação? Depende. Os chineses são extremamente barulhentos, arrotando à mesa. Para eles, isso é uma forma de demonstrar que a comida está boa.

O povo iraniano é conhecido por sua gentileza, e ela tem um nome (taarof). Por isso, em alguns estabelecimentos, acontece dos lojistas recusarem o pagamento de um cliente. Mas que os brasileiros tomem cuidado quando forem ao Irã: isso não quer dizer que devem deixar de pagar a conta...

No Tibete, se um velhinho cumprimentar você mostrando a língua, não leve a mal. Uma crença diz que o diabo tem a língua azul; o velhinho só quer lhe mostrar que é uma pessoa de bem.

Tudo é vaidade, dizia o Eclesiastes. Tudo é relativo, digo eu.

Vejam vocês um caso que, em outra circunstância, provocaria a minha maior indignação, com o risco de levá-lo às últimas consequências. Estou me preparando para uma consulta médica com um urologista. Você pode, agora, e tão somente agora, falar para mim: “Vai tomar no ***. Dentro do contexto, eu não me sentirei ofendido.

SER OU NÃO SER JÁ NÃO É MAIS A QUESTÃO

Um pensador da Antiguidade, para quem eu nutria certa dose de consideração e respeito, dizia que o ser é e o não ser não é, que um não pode – sob nenhuma hipótese – ser o outro. Dia desses, um fato banal veio jogar por terra tão alta construção metafísica.

Estava eu no ponto de ônibus, aguardando esse transporte coletivo e socializante para me deslocar até um consultório médico-urológico. Para desviar meus pensamentos do triste fim que me aguardava, procurei algo que tomasse minha atenção. Em um poste ao lado do ponto havia um aviso de:

Fui ler o que estava escrito e fiquei sabendo que três garotas deixavam seus telefones de contato para quem soubesse notícia de uma cadela da raça Shih Tzu, de coloração branca e preta, com três lacinhos - vermelhos com bolas pretas - amarrados na cabeça. O anúncio estampava, também, um retrato daquele animalzinho de estimação.

Durante muito tempo, fiquei pensando naquelas garotas, imaginando a ansiedade com que procuravam a cadela, que atendia pelo nome de Suzy. Achei aquele gesto bonito, fiquei torcendo para que fossem bem sucedidas na procura e que a história tivesse um final feliz.

Enquanto digeria lentamente essas considerações (para não pensar naquela outra coisa), comecei a vislumbrar um pensamento diferente, de igual intensidade e de sentido oposto. Considerei que aquelas garotas agiam de maneira errada, estampando em postes aquele tipo de anúncio, já que ali não é local apropriado para esse tipo de coisa. Imagina se todas as pessoas inventarem de colocar anúncios em postes!

Considero que, se tem algo de bom acontecendo nas cidades brasileiras, esse bom é justamente a recuperação da dignidade dos postes. Tempos atrás, era ali que cartazes se sobrepunham, em disputa acirrada, notadamente por políticos em véspera de eleição (agora, por exemplo, eles estariam sendo disputados a tapas). Novas legislações foram criadas, punindo com multa os infratores. Entre os teimosos e sobreviventes, visualizo somente um ou outro anúncio de videntes e cartomantes, que devem estar “matando cachorro a grito”, prometendo mundos e fundos: livrar a pessoa de olho gordo, trazer de volta a pessoa amada, ter sucesso nos negócios, tudo a troco de uma simples consulta.

Falando em cachorro, vejo que eles se constituem também uma ameaça à integridade física dos postes. Pensando nisso, vou tentar convencer um conhecido candidato à vereança nestas eleições, a apresentar um projeto de instalação de sanitários para cachorros em parques e jardins. Os proprietários de cães estão mal-acostumados com a higiene pública. Ontem mesmo um técnico, que veio fazer um serviço em minha residência, dizia, tomado de orgulho, que, assim que chega em casa do serviço, tem que levar seu cachorrinho de estimação para um passeio na rua, onde ele faz suas necessidades fisiológicas. Duvideodó que esse senhor se dê ao trabalho de levar consigo uma pazinha e um saco plástico, para recolher os possíveis dejetos sólidos ou pastosos despejados em via pública pelo seu amiguinho de coração!

Associei os postes aos cachorros e, agora, vejo que os cachorros se ligam aos políticos que, por sua vez, estão engavetados, tal como numa situação de trânsito, aos juízes do STJ.  Esses juízes, vira e mexe, inventam ou trazem à tona novos termos para serem incorporados ao nosso vocabulário. Não sei por quê, estou me lembrando da Teoria do Domínio do Fato, quando da Ação Penal 470, afetuosamente apelidada de Mensalão.  Depois, inventaram um tal de Embargo Infringente, que vem a ser um recurso impetrado pelo acusado, quando não há unanimidade no julgamento de apelação. Tal embargo nos mostrou que uma coisa não só pode ser outra coisa, como também pode ser várias outras. Assim, ele pode se desdobrar em Embargo Absorvente, Solvente, Emoliente, Detergente, Repelente. Agora, a discussão é sobre prisão preventiva e condenação em segunda instância. A continuar desse jeito, todos os brasileiros irão se tornar bacharéis em Direito.

Quando penso nisso tudo que anda acontecendo no país, fico cada vez mais convencido de que a nossa Justiça até pode ter seus olhos vedados, mas que tem um olfato apuradíssimo, isso tem, principalmente quando existe cheiro de dinheiro circulando no ar. Depois, parece, nossa legislação apresenta mais furos que as lonas de circos que frequentavam minha cidade natal.

Estava pensando nos desdobramentos de tais considerações, quando me vi ajeitando a calça e me despedindo do médico urologista. Também parece que o exame transcorreu normalmente, mas nem me dei conta, com o pensamento voltado para Suzy, os postes, os cachorros, os políticos e juízes. De maneira intuitiva, entrei naquele estado que os iogues chamam de Alfa. Acabei usando um princípio da Física, que diz não ser possível dois objetos ocuparem o mesmo espaço ao mesmo tempo: pensando numa coisa, deixei o constrangimento de ter o pensamento voltado para outra, desagradável e dolorosa.

Aproveito a ocasião para lhe repassar esse aplicativo gratuito, útil em várias situações de vida, quando você poderá fingir que está, não estando; estando em outra, deixará de estar naquela em que não quer estar.

Etelvaldo Vieira de Melo

BEABÁ DO FUTEBOL

O Beabá do futebol inclui avançados conhecimentos sem os quais nenhum atleta consegue ultrapassar a porta do vestiário do clube que o contratou.Trata-se de uma entrada  estreitíssima.